ADORÁVEL TRAÍÇÃO

Marcos queria fazer uma surpresa. Três semanas longe de casa o deixava coordenado pela saudade que devastava os seus pensamentos e alinhava os desejos mais profundos que habitam no ser humano. A próxima turnê de divulgação do seu novo livro só aconteceria dali a duas semanas, tempo suficiente para ter um merecido descanso junto da esposa. Ainda não tinham filhos, há seis meses tentavam, mas sem sucesso. Eles acreditavam que a qualquer momento atingiriam o tão sonhado objetivo.

Eram onze horas da noite quando Marcos desceu do táxi. Sem perder tempo ele subiu os poucos degraus que o separavam da porta da sua humilde residência. Não bateu na porta, pois não queria estragar a surpresa. Pegou a chave e a girou na fechadura com a maior leveza possível. Em pouco tempo estava na sala tão familiar, parou por um rápido instante para exalar o cheiro caseiro que tanto se acostumara a sentir, principalmente nos dia de faxina. As luzes estavam apagadas, apenas um fio de luz passava por baixo da porta do quarto do casal. Ele sabia que provavelmente a esposa estaria lendo àquela hora, hábito comum antes de dormir. Tirou os sapatos para não denunciar a sua chegada, colocou as malas no chão e lentamente se encaminhou ao destino final da surpresa. Na manhã daquele dia pensara em ligar para informar da sua chegada. Desistiu da ideia, preferiu fazer uma surpresa para a esposa.

Estava prestes a realizar tão plano e cair finalmente nos braços da amada, desejo que o fulminava todas as vezes que precisava viajar. Os batimentos cardíacos foram acelerados mediante tamanha ansiedade. Faltavam pouco mais de um metro quando algo chamou sua atenção, a lâmina de luz que passava por baixo da porta não era forte suficiente comparada a uma lâmpada acesa. Não teve dúvidas, era o abajur reinando naquele ambiente sagrado para eles, reino de amor e desejos irrefreáveis. Tudo parecia normal, a única anormalidade era saber o porquê sua esposa já estava recolhida, fato raro, já que ela costumava ler até no mínimo meia noite, a não ser que estivesse degustando o livro apenas sob a frágil claridade do abajur, ou ela poderia estar doente e se recolhera mais cedo que de costume. Diante de tais possibilidades, sentiu a respiração descontrolada. A racionalidade lhe abandonou. Amava demais a esposa para permitir que ela sofresse qualquer que fosse a intensidade da dor. Acelerou os passos e como se estivesse possuído pela fúria de um tufão, empurrou a porta com tamanha violência que a fechadura não agüentou a arrebentou-se sem reagir diante da fúria da ação. Num ato impensado discorreu a mão pela parede e logo que encontro o interruptor acionou o botão e o quarto foi totalmente assaltado pela luz. Porém não presenciou a cena que desejava. Esperava encontrar a esposa lendo sob a fraca luz do abajur ou recolhida com alguma enfermidade. Porém custava acreditar na imagem diante dos incrédulos olhos que presenciava sua esposa despida ao lado de um homem, que não era ele, e sim o seu Agente Literário. Finalmente conseguira entender porque raramente ele o acompanhava nas longas viagens divulgando as suas obras literárias, enquanto ele vagava pelo mundo tentando ganhar dinheiro suficiente para sustentar a família, o outro, seu Agente Literário, estava navegando nos braços de sua adorável esposa. Além de lhe substituir, sentia ao invés dele, o perfume que ela usava todas as noites antes de dormir. Marcos sentia a multiplicação do sofrimento ao saber que enquanto ele estava prostrado numa cama vazia dos inúmeros hotéis, sua adorável esposa estava permitindo que outro homem ocupasse o espaço na cama que era destinado a ele. A angústia dilacerava o seu corpo, porém a dor tornara-se mais profunda porque sabia que nunca a tinha traído e como prêmio pela total fidelidade recebera das mãos deles a punhalada final da traição. Perdera no mesmo ato um amigo, aliado profissional e uma mulher que tanto amara com real devoção.

Não houve reação de nenhuma parte. Ela encobriu o corpo com o lençol da cama. O amante ficou de pé como se estivesse numa luta e fosse receber um golpe a qualquer momento e Marcos, nada fez, apenas disse:

─ Bom proveito! ─ pigarreou e depois complementou o raciocínio ─ Alfredo, suma da minha frente que a minha paciência está se esgotando. ─ O intimado não perdeu tempo, recolheu as roupas que estavam espalhadas pelo chão e desapareceu do quarto e só ouviram que ele esteve ali quando o som da porta bateu com a saída brusca do indivíduo. Por fim Marcos olhou firme para esposa e falou:

─ Helena, desocupe esta casa que amanhã ela será vendida.

─ Meu amor, tudo não passa de um mal entendido, me perdoa, só te peço mais uma chance.

Marcos nada falou, com o dedo indicador diante dos lábios foi o suficiente para calar a histérica mulher. Ele fechou a porta do quarto educadamente e só quando já estava na rua é que sentiu uma solitária lágrima rolar pela face. Naquele momento soube exatamente o que fazer.

Na semana seguinte Marcos vendeu a casa e repassou a parte que cabia para a agora ex-esposa, já que havia dado entrada no pedido de divórcio. Mudou de bairro e encontrou uma nova Editora interessada em publicar seus trabalhos. Quanto a Helena, voltou para a casa dos pais e soube que estava grávida quando o médico lhe deu a noticia. Chorou desesperadamente por dois motivos: finalmente ficara grávida depois de tantas tentativas e não sabia quem era o pai do seu filho.

Afogados da Ingazeira – PE, 08 de junho de 2011.

Antonio dos Anjos
Enviado por Antonio dos Anjos em 08/06/2011
Código do texto: T3021577
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