QUEREDEIRA
Assim ela imaginava a vida correndo. Uma casinha, uma chácara. Muitas árvores ao redor. Pássaros tantos brincando e barulhando nos galhos. Um caminho indo para lugar nenhum e um banco de madeira já envelhecida, para sentar e apreciar tudo aquilo.
Lá num canto uma horta grande, que não tem verduras, não tem hortaliças. Tem sim muitas ervas, todas as ervas, para curar todos os males. E ela sempre cuidando de cada uma, acarinhando cada uma e zelando por elas.
Finalmente o futuro havia chegado. Ela ali, sentada no banco, na tranqüilidade da sombra dessa tarde de verão quente e úmida. Lá na frente a horta e todos os remédios que cultivava como cultivou a vida, como cultivou os objetivos e os sonhos. Olhou a sua esquerda e lá estava a casa, do jeito que sonhara, grande varanda ao redor e os galhos das árvores caindo em seu telhado. Na varanda uma rede preguiçosa e na janela o homem de semblante austero e coração benevolente. O seu poeta.
Lá estava o poeta, o seu poeta, compenetrado no seu olhar silencioso, que certamente a mirava com o mesmo jeito de quando se conheceram e certamente pensando que ela continuava linda. Boba e linda. Certamente idealizava mais um poema, mais uma crônica, talvez para dizer dela e de seus caprichos.
Levantou do banco e foi caminhando até a horta. Acocorou-se frente ao pé de Sálvia, afagou algumas folhas amavelmente e suas mãos desceram até a terra, que remexeu e achegou no pé da Sávio, para alimentá-la mais. Levantou e continuou caminhando entre as tantas ervas, que eram seu regalo e o seu bem, com as quais remediava toda a vizinhança.
Com suas ervas abrandava todas as dores, das febres aos quebrantos. Acalentava todas agruras do corpo e também da alma e até dos corações aflitos. Dona Zil, com suas ervas e suas rezas, realmente curava até mesmo o desamor.
Estava ali, compenetrada com seus remédios, a tarde se consumindo, quando ouviu alguém batendo palmas na frente da casa. Não conseguia avistar, pois o portão ela coberto pela casa. Mas ouvia as palmas e alguém chamando seu nome: Dona Zil. O Rex, seu cachorro ordeiro latia e o poeta gritava lá de dentro de casa: Zil, tem gente. Zil, sua surda, tem gente...........
Foi então andando a passos largos, passando pelo lado da casa, em direção ao portão. Na mão um galho de alecrim, que usava para benzer de mal olhado, de inveja, de olho gordo. O Rex ao seu lado, roçando suas pernas e rosnando para a visita que esperava do lado de fora do portão.
Foi chegando e viu uma moça, bonita, óculos escuros. Um vestido vermelho, contrastando com o verde escuro das folhas do pé de maracujá que havia trepado pela cerca, pelo portão, com algumas frutas já dependuradas, madurando.
Oi minha filha, entra, entra........saudou abrindo o portão de madeira, preso com uma velha tramela. Era uma moça bonita, afeiçoada, bem vestida. Na rua um carro de luxo, bonito, sinal de que a moça chegada era da cidade. Não era ali do vilarejo. Não era conhecida.
A moça entrou. Morena, bonita, corpo viçoso, vestida elegantemente.
A senhora é da Dona Zil, não é?
Sim, sim. Entra moça. Entra.
E foram caminhando, subindo na varanda e dona Zil a frente encaminhando a moça para a sala. Era uma sala ampla, inúmeros sofás espalhadas, ocupando os espaços, cheios de almofadas. Uma estante grande, enorme na parede e diversos objetivos espalhados, desordenadamente pelo espaço. Num canto um pilão, noutro uma roda de carroça, dando ao local um jeito gostoso de saudosismo, tudo com muita elegância, bom gosto.
Senta moça. Senta. Sou a Zil sim. E você, qual o seu nome. Você não é daqui, não é?
Não. Não sou Dona Zil. Moro em Zambibe. Meu nome é Mônica. Como foi difícil achar a sua casa. Estava quase desistindo. Estou vindo aqui, porque ouvi falar muito da senhora. Que tem remédio para tudo. Que é abençoada. Perguntei pelo seu nome e ninguém conhecia. Daí, perguntei pela Benzedeira do poeta e daí foi fácil.
Seu marido é poeta mesmo?
Sim, minha filha. É um poeta. Mas deixa prá lá. Conta o que veio fazer aqui. Você parece tão saudável. Porque veio me procurar? Por quê uma moça bonita, da cidade, de posses – vi o seu carro – veio procurar a velha benzedeira? Só se for mal olhado!!!!
Não, Dona Zil, não é mal olhado não. É mal de amor. Casei a dois anos. Amo meu marido de paixão. Mas acho que ele não me ama mais. Estou vendo meu casamento escorrer morro a baixo. Ele não me procura mais...... Entendeu? Não me procura Dona Zil.
A moça bonita baixou o olhar e ao levantar, os olhos lagrimejavam. Dona Zil olhou a moça bonita, o viço, as pernas, os seios que subiam e desciam na medida em que respirava. Não entendeu. Não entendeu nada.
Como um homem poderia “não procurar” uma mulher assim? E lembrou dos tempos, quando o “poeta” lhe chamava de coxuda. Que a olhava com jeito de cobiça e ela gostava. Gosta e dava uma queredeira, um calor subindo, subindo e só acalmava quando respirava fundo e sossegava no peito do poeta, cansada, exausta, e feliz. Cansada e feliz.
E o quer que eu faça, moça? O remédio pra isso está em você mesma. Posso dar uma ajudinha, mas o remédio você tem. Falou insinuante. Olhando as coxas da moça.
No meio da conversa entrou na sala um senhor, bigode grande, cabelos compridos, brancos, amarrados com um pedaço de cordão. Vinha com uma folha na mão, já soltando uma metralhadora....
Zil, o café Zil. Caramba! Você fica ai de papo e não faz o meu café. A chaleira já está secando Zil. Desculpa moça. Mas já faz horas que a chaleira está chiando e ela não lembra do meu café. Fica entertida com sua lida e me esquece. É sempre assim.
Dá licença moça. Só um minutinho. Zil, leia, veja se está bom. Nem pense que é pra ti não. Leia, leia.
Dona Zil pegou a folha e estendeu para a moça bonita, que pegou a folha e começou a ler...
MINHA MUSA
Desde os tempos em que o tempo me lembrava,
Que precisava te encontrar enquanto houvesse tempo,
De quando falava tristemente com a imagem do vento,
Olhando o mar e chorando a saudade que o vento trazia,
Já era você que invadia meus sonhos de um grande amor.
Desde quando pedia a primavera em versos,
Que em cada setembro me ensinasse o recomeço,
E te convidava para passear comigo pelo infinito.
Quando confessava querer desvendar teus segredos
E me aconchegar na tua intimidade,
Mesmo ilusão e quimera que fossem,
Eu já queria e precisava te encontrar.
Já nos sonhos de menino você habitava,
Já eras a moça bonita das minhas sonhadas conquistas,
E nas noites que compunha expostos pecados,
Devaneava naquelas nossas paixões incontidas,
Você já era a realidade da poesia da minha vida.
E chegastes anunciando uma vida nova,
E foi tão bom te ver chegar,
E quando os anjos me protegiam,
Da estrela cadente que corria o céu,
Era a nós que eles espiavam.
E não quero te ver zangada,
Se ficares eu recito retorno,
E nas lembranças dos velhos tempos,
Você será minha melhor lembrança.
A moça acabou de ler. Olhou para Dona Zil, para o senhor, que identificou como sendo o poeta. “Que lindo”, foi o que pode exclamar. “Que Lindo”.
Zil, peça licença para a moça e faz o meu café. Você sabe que não fico sem o meu café. Você sabe. A moça espera. Ela é nova, tem tempo. Vai Zil!!!
E lá se foi Dona Zil para a cozinha. A chaleira chiava, a água fervente já pela metade da chaleira. E enquanto procurava o pó, o coador de pano (ele não gostava de café coado em filtro de papel), lembrava do poema que recém tinha lido e lembrava dos poemas que estavam citados neste. Derramava a água no coador e o tempo desfilava na sua mente. E viajava e sorria, satisfeita........ feliz. Acabou de passar o café e voltou para a sala. A moça estava sozinha na sala.
Izaias!!!!!! Gritou alto. Tá pronto. Não quer que eu lhe leve na mão, né? Tá pronto. Já pus na garrafa. Já adocei.
Dona Zil sentou. Olhou a moça bonita e retornou a conversa......
Desculpe Mônica. O Isaias é movido a café. Mas me conta, o que está acontecendo. Ele não te procura, você gosta dele......... Que mais?
Pois então, Dona Zil, passado os primeiros meses, até um ano, talvez, e ele não se interessa por mim. Faço de tudo, sei que sou bonita. Os homens me olham, cobiçam, mas meu marido parece não ver o que os outros homens vêem.
Entendi filha. Entendi. Vou preparar um chá para reparar isso. Mas não pode ser agora. Demora uns dias, tenho que esperar a lua cheia chegar. Vou fazer um remédio para dar queredeira no teu homem. Fique tranqüila. Eu não sei o que é isso na carne. Não sei. O velho poeta está sempre com queredeira, mesmo por essa velha benzedeira. Acho que ele lembra do passado, quando eu era bonita e viçosa como você e ainda me quer. Como me quer.
Mas eu sei sim. Vou preparar o seu remédio. O remédio para curar o seu mal. Vem, beba um café. Cuidado que é forte. Assim gosta meu poeta, meu homem. E eu gosto do que ele gosta, do mesmo jeito que ele gosta do que eu gosto.
Briga comigo sempre. E eu brigo com ele toda hora. Mas é briga de amor e briga de amor não dói moça. Não dói. Dói quando a gente não briga. E só não brigamos quando estamos “de bico”. Daí dói. Mas por pouco tempo, nada alem de uns 15 minutos. Eu esqueço que estou brigada e brigo com ele de novo e tudo recomeça.
Você briga com teu homem?
Se brigo? Não. Já nem brigamos mais. Faz tempo que não brigamos. Não temos do que brigar não. Não vale mais a pena brigar. As brigas começavam e não terminavam e não levavam a nada. Não brigamos mais não.
Então, filha, enquanto eu espero a lua cheia chegar, colher as ervas e fazer o teu chá, o chá da queredeira, vai treinando a brigar com ele. Brigue. Briga pequena, briga sem raiva. Briga de amor. Não dói. Só dói se for briga com raiva, com mágoa acumulada. Briga sem mágoa não dói não, não afasta, não remói.
E vem a voz lá de dentro........
Zil, o café tá frio mulher. Tá frio. Vem cá, vem....... Troca prá mim......
Para poeta. Não sou tua empregada!!!!! Você que deixou esfriar, seu tonto. Tô ocupada com a moça. Faz alguma coisa homem. Deixa de ser folgado.
E lá veio o poeta.
Viu moça, antigamente ela me tratava melhor. Agora fica assim. Nem me cuida. Bem feito prá mim, fui dar bola prá ela, agora fica assim, desdenhando......... Tudo bem. Tudo bem.
E foi trocar o café da xícara.
Na volta, brigou de novo com Dona Zil. “Você vai ainda me pedir para carpir tuas ervas. Para plantar, para molhar. Tudo bem. E voltou para a outra sala..........resmungando.
É assim filha, sempre assim. Sempre brigando e perdoando. Não fica mágoa. Eu brigo por tudo, para não deixar mágoa. Mas sempre briga de amor, dessa que não dói..........
Dona Zil, obrigada pelo café. Vou indo. Volto em 15 dias para pegar meu chá, certo?
Isso menina. 15 dias.
E a moça bonita se foi, para voltar em 15 dias. E Dona Zil sabia que ela não voltaria. Não precisaria voltar. Não voltaria. Ela iria brigar, sem mágoa, dessa briga que não dói e não voltaria para pegar o remédio para querederia.
Assim ela imaginava a vida correndo. Uma casinha, uma chácara. Muitas árvores ao redor. Pássaros tantos brincando e barulhando nos galhos. Um caminho indo para lugar nenhum e um banco de madeira já envelhecida, para sentar e apreciar tudo aquilo.
Lá num canto uma horta grande, que não tem verduras, não tem hortaliças. Tem sim muitas ervas, todas as ervas, para curar todos os males. E ela sempre cuidando de cada uma, acarinhando cada uma e zelando por elas.
Finalmente o futuro havia chegado. Ela ali, sentada no banco, na tranqüilidade da sombra dessa tarde de verão quente e úmida. Lá na frente a horta e todos os remédios que cultivava como cultivou a vida, como cultivou os objetivos e os sonhos. Olhou a sua esquerda e lá estava a casa, do jeito que sonhara, grande varanda ao redor e os galhos das árvores caindo em seu telhado. Na varanda uma rede preguiçosa e na janela o homem de semblante austero e coração benevolente. O seu poeta.
Lá estava o poeta, o seu poeta, compenetrado no seu olhar silencioso, que certamente a mirava com o mesmo jeito de quando se conheceram e certamente pensando que ela continuava linda. Boba e linda. Certamente idealizava mais um poema, mais uma crônica, talvez para dizer dela e de seus caprichos.
Levantou do banco e foi caminhando até a horta. Acocorou-se frente ao pé de Sálvia, afagou algumas folhas amavelmente e suas mãos desceram até a terra, que remexeu e achegou no pé da Sávio, para alimentá-la mais. Levantou e continuou caminhando entre as tantas ervas, que eram seu regalo e o seu bem, com as quais remediava toda a vizinhança.
Com suas ervas abrandava todas as dores, das febres aos quebrantos. Acalentava todas agruras do corpo e também da alma e até dos corações aflitos. Dona Zil, com suas ervas e suas rezas, realmente curava até mesmo o desamor.
Estava ali, compenetrada com seus remédios, a tarde se consumindo, quando ouviu alguém batendo palmas na frente da casa. Não conseguia avistar, pois o portão ela coberto pela casa. Mas ouvia as palmas e alguém chamando seu nome: Dona Zil. O Rex, seu cachorro ordeiro latia e o poeta gritava lá de dentro de casa: Zil, tem gente. Zil, sua surda, tem gente...........
Foi então andando a passos largos, passando pelo lado da casa, em direção ao portão. Na mão um galho de alecrim, que usava para benzer de mal olhado, de inveja, de olho gordo. O Rex ao seu lado, roçando suas pernas e rosnando para a visita que esperava do lado de fora do portão.
Foi chegando e viu uma moça, bonita, óculos escuros. Um vestido vermelho, contrastando com o verde escuro das folhas do pé de maracujá que havia trepado pela cerca, pelo portão, com algumas frutas já dependuradas, madurando.
Oi minha filha, entra, entra........saudou abrindo o portão de madeira, preso com uma velha tramela. Era uma moça bonita, afeiçoada, bem vestida. Na rua um carro de luxo, bonito, sinal de que a moça chegada era da cidade. Não era ali do vilarejo. Não era conhecida.
A moça entrou. Morena, bonita, corpo viçoso, vestida elegantemente.
A senhora é da Dona Zil, não é?
Sim, sim. Entra moça. Entra.
E foram caminhando, subindo na varanda e dona Zil a frente encaminhando a moça para a sala. Era uma sala ampla, inúmeros sofás espalhadas, ocupando os espaços, cheios de almofadas. Uma estante grande, enorme na parede e diversos objetivos espalhados, desordenadamente pelo espaço. Num canto um pilão, noutro uma roda de carroça, dando ao local um jeito gostoso de saudosismo, tudo com muita elegância, bom gosto.
Senta moça. Senta. Sou a Zil sim. E você, qual o seu nome. Você não é daqui, não é?
Não. Não sou Dona Zil. Moro em Zambibe. Meu nome é Mônica. Como foi difícil achar a sua casa. Estava quase desistindo. Estou vindo aqui, porque ouvi falar muito da senhora. Que tem remédio para tudo. Que é abençoada. Perguntei pelo seu nome e ninguém conhecia. Daí, perguntei pela Benzedeira do poeta e daí foi fácil.
Seu marido é poeta mesmo?
Sim, minha filha. É um poeta. Mas deixa prá lá. Conta o que veio fazer aqui. Você parece tão saudável. Porque veio me procurar? Por quê uma moça bonita, da cidade, de posses – vi o seu carro – veio procurar a velha benzedeira? Só se for mal olhado!!!!
Não, Dona Zil, não é mal olhado não. É mal de amor. Casei a dois anos. Amo meu marido de paixão. Mas acho que ele não me ama mais. Estou vendo meu casamento escorrer morro a baixo. Ele não me procura mais...... Entendeu? Não me procura Dona Zil.
A moça bonita baixou o olhar e ao levantar, os olhos lagrimejavam. Dona Zil olhou a moça bonita, o viço, as pernas, os seios que subiam e desciam na medida em que respirava. Não entendeu. Não entendeu nada.
Como um homem poderia “não procurar” uma mulher assim? E lembrou dos tempos, quando o “poeta” lhe chamava de coxuda. Que a olhava com jeito de cobiça e ela gostava. Gosta e dava uma queredeira, um calor subindo, subindo e só acalmava quando respirava fundo e sossegava no peito do poeta, cansada, exausta, e feliz. Cansada e feliz.
E o quer que eu faça, moça? O remédio pra isso está em você mesma. Posso dar uma ajudinha, mas o remédio você tem. Falou insinuante. Olhando as coxas da moça.
No meio da conversa entrou na sala um senhor, bigode grande, cabelos compridos, brancos, amarrados com um pedaço de cordão. Vinha com uma folha na mão, já soltando uma metralhadora....
Zil, o café Zil. Caramba! Você fica ai de papo e não faz o meu café. A chaleira já está secando Zil. Desculpa moça. Mas já faz horas que a chaleira está chiando e ela não lembra do meu café. Fica entertida com sua lida e me esquece. É sempre assim.
Dá licença moça. Só um minutinho. Zil, leia, veja se está bom. Nem pense que é pra ti não. Leia, leia.
Dona Zil pegou a folha e estendeu para a moça bonita, que pegou a folha e começou a ler...
MINHA MUSA
Desde os tempos em que o tempo me lembrava,
Que precisava te encontrar enquanto houvesse tempo,
De quando falava tristemente com a imagem do vento,
Olhando o mar e chorando a saudade que o vento trazia,
Já era você que invadia meus sonhos de um grande amor.
Desde quando pedia a primavera em versos,
Que em cada setembro me ensinasse o recomeço,
E te convidava para passear comigo pelo infinito.
Quando confessava querer desvendar teus segredos
E me aconchegar na tua intimidade,
Mesmo ilusão e quimera que fossem,
Eu já queria e precisava te encontrar.
Já nos sonhos de menino você habitava,
Já eras a moça bonita das minhas sonhadas conquistas,
E nas noites que compunha expostos pecados,
Devaneava naquelas nossas paixões incontidas,
Você já era a realidade da poesia da minha vida.
E chegastes anunciando uma vida nova,
E foi tão bom te ver chegar,
E quando os anjos me protegiam,
Da estrela cadente que corria o céu,
Era a nós que eles espiavam.
E não quero te ver zangada,
Se ficares eu recito retorno,
E nas lembranças dos velhos tempos,
Você será minha melhor lembrança.
A moça acabou de ler. Olhou para Dona Zil, para o senhor, que identificou como sendo o poeta. “Que lindo”, foi o que pode exclamar. “Que Lindo”.
Zil, peça licença para a moça e faz o meu café. Você sabe que não fico sem o meu café. Você sabe. A moça espera. Ela é nova, tem tempo. Vai Zil!!!
E lá se foi Dona Zil para a cozinha. A chaleira chiava, a água fervente já pela metade da chaleira. E enquanto procurava o pó, o coador de pano (ele não gostava de café coado em filtro de papel), lembrava do poema que recém tinha lido e lembrava dos poemas que estavam citados neste. Derramava a água no coador e o tempo desfilava na sua mente. E viajava e sorria, satisfeita........ feliz. Acabou de passar o café e voltou para a sala. A moça estava sozinha na sala.
Izaias!!!!!! Gritou alto. Tá pronto. Não quer que eu lhe leve na mão, né? Tá pronto. Já pus na garrafa. Já adocei.
Dona Zil sentou. Olhou a moça bonita e retornou a conversa......
Desculpe Mônica. O Isaias é movido a café. Mas me conta, o que está acontecendo. Ele não te procura, você gosta dele......... Que mais?
Pois então, Dona Zil, passado os primeiros meses, até um ano, talvez, e ele não se interessa por mim. Faço de tudo, sei que sou bonita. Os homens me olham, cobiçam, mas meu marido parece não ver o que os outros homens vêem.
Entendi filha. Entendi. Vou preparar um chá para reparar isso. Mas não pode ser agora. Demora uns dias, tenho que esperar a lua cheia chegar. Vou fazer um remédio para dar queredeira no teu homem. Fique tranqüila. Eu não sei o que é isso na carne. Não sei. O velho poeta está sempre com queredeira, mesmo por essa velha benzedeira. Acho que ele lembra do passado, quando eu era bonita e viçosa como você e ainda me quer. Como me quer.
Mas eu sei sim. Vou preparar o seu remédio. O remédio para curar o seu mal. Vem, beba um café. Cuidado que é forte. Assim gosta meu poeta, meu homem. E eu gosto do que ele gosta, do mesmo jeito que ele gosta do que eu gosto.
Briga comigo sempre. E eu brigo com ele toda hora. Mas é briga de amor e briga de amor não dói moça. Não dói. Dói quando a gente não briga. E só não brigamos quando estamos “de bico”. Daí dói. Mas por pouco tempo, nada alem de uns 15 minutos. Eu esqueço que estou brigada e brigo com ele de novo e tudo recomeça.
Você briga com teu homem?
Se brigo? Não. Já nem brigamos mais. Faz tempo que não brigamos. Não temos do que brigar não. Não vale mais a pena brigar. As brigas começavam e não terminavam e não levavam a nada. Não brigamos mais não.
Então, filha, enquanto eu espero a lua cheia chegar, colher as ervas e fazer o teu chá, o chá da queredeira, vai treinando a brigar com ele. Brigue. Briga pequena, briga sem raiva. Briga de amor. Não dói. Só dói se for briga com raiva, com mágoa acumulada. Briga sem mágoa não dói não, não afasta, não remói.
E vem a voz lá de dentro........
Zil, o café tá frio mulher. Tá frio. Vem cá, vem....... Troca prá mim......
Para poeta. Não sou tua empregada!!!!! Você que deixou esfriar, seu tonto. Tô ocupada com a moça. Faz alguma coisa homem. Deixa de ser folgado.
E lá veio o poeta.
Viu moça, antigamente ela me tratava melhor. Agora fica assim. Nem me cuida. Bem feito prá mim, fui dar bola prá ela, agora fica assim, desdenhando......... Tudo bem. Tudo bem.
E foi trocar o café da xícara.
Na volta, brigou de novo com Dona Zil. “Você vai ainda me pedir para carpir tuas ervas. Para plantar, para molhar. Tudo bem. E voltou para a outra sala..........resmungando.
É assim filha, sempre assim. Sempre brigando e perdoando. Não fica mágoa. Eu brigo por tudo, para não deixar mágoa. Mas sempre briga de amor, dessa que não dói..........
Dona Zil, obrigada pelo café. Vou indo. Volto em 15 dias para pegar meu chá, certo?
Isso menina. 15 dias.
E a moça bonita se foi, para voltar em 15 dias. E Dona Zil sabia que ela não voltaria. Não precisaria voltar. Não voltaria. Ela iria brigar, sem mágoa, dessa briga que não dói e não voltaria para pegar o remédio para querederia.