É Recomeço.
Abri aquela garrafa de conhaque que você me deu meses atrás, só o cheiro do álcool já me deixa tonta.
Um brinde ao meu fracasso, ao nosso descaso e ao mundo confuso e cheio de distâncias entre as mãos e o coração.
Encho o copo, muito conhaque e pouco gelo. Desce e queima, queima as barreiras que me entalam a garganta impedindo que eu grite desaforos pela janela do meu quarto, queima a angústia que vai da traquéia até os pulmões, só não deixo que queime o coração, não, esse segue sóbrio, ciente das dores do mundo e das felicidades da vida, ocasionais porém existentes.
Cigarros aos montes espalhados pela mesa, acendo o primeiro que alcanço.
- Mas que merda de vida, eu falei 'eu te amo' achando que era o que você realmente queria ouvir de mim, corri atrás, deixei Deus e o mundo em segundo plano pra te ver, e deu nisso cara! Tô aqui, fedendo nicotina e com a visão turva pela bebida e pela fumaça.
- Nunca te pedi tais esforços, fez por querer, por ter vontade. Não jogue nos meus ombros a sua infelicidade, não me culpe pelo caminho desajeitado que a sua vida anda tomando, eu disse que não era ainda agora que seríamos apenas um.
- Eu tento fazer meu mundo parar de girar freneticamente por minutos, eu tento. Eu bebo para que o raciocínio, as vontades e os movimentos diminuam de velocidade, eu fumo para que o ar me falte e eu me veja na obrigação de repousar por instantes até poder prosseguir, e eu grito, grito para que a voz me falte e, no momento seguinte, eu nada possa lhe dizer.
- Não precisa esperar sozinha, senta aqui comigo, lado a lado. Estamos num impasse, fora do ritmo que antes tomávamos. A urgência disso tudo se faz tanto aí como aqui, é implícito isso, eu falei... é sinergia, há de se trabalhar junto para que essa realidade seja estável e eterna. Não podemos cair por terra, somos grandiosas demais pra isso, esse sentimento é muito grande pra caber no peito e nas palavras por mais tempo.
Garrafa de conhaque vazia, cinzas pelo chão da sala, o relógio na parede marcam três horas da manhã.
Conversamos nesse tempo? Ouvi sua voz claramente em meu ouvido, o som do seu sorriso. Noto o telefone fora do gancho, redial...
- Alô? É você? Hey... eu te disse tudo, vai pra cama e descansa, amanhã é dia novo, é recomeço. Te amo.
Era você.
Brisa da madrugada entrando pela janela, sorriso dançando pelos lábios, é recomeço.