A MOÇA DA LOJA DE CRISTAIS
 





Desembarcou a sede de vida do outro lado do mundo. O lugar incorporou-se à identidade como um novo sobrenome. Uma espécie de segundo lar pincelava as cores da cidade, onde itinerários desconhecidos cediam terreno à familiaridade. De repente, os caminhos lembravam as ruas de sua infância.

A diferença de fuso horário funcionava como um portal para outra realidade. Enquanto parte de sua história dormia, junto ao peso de antigos problemas e cobranças conjugais, ele era tocado pela urgência de não escapar à sua natureza. 

Assim, o ilusionista da alma entrava em cena. Esse homem nunca mentia, no entanto, desde cedo aprendera que, para seduzir a plateia, não se pode contar tudo. Das pequenas omissões outra verdade projetada ao mundo exterior. E essa verdade foi contada a partir do instante em que, pela primeira vez, pediu informações sobre o cristal de rocha branco.

A loja o atraíra, não pelo brilho das pedras incrustadas, mas pela vivacidade do olhar da moça oriental atrás do balcão. Uma súbita e inexplicável vontade de dizer a ela que sua espera havia terminado. Ela, por sua vez, sentiu que de nada adiantaria fugir. Frente ao encantamento fulminante, suas defesas não resistiriam muito tempo. Estava vulnerável como uma muralha de cristal.

Sedutor, escutou com atenção suas histórias e entendeu o sentido de sua presença ali. Com ele, aquela mulher se permitiria viver o que tanto adiara aos trinta anos. No início, a pouca experiência dela o preocupara, mas a atração entre os dois não demoraria a escrever as entrelinhas do enredo romântico marcado pela impossibilidade da relação.

Desta vez, a história se delineava entre um homem com passagem de volta a seu país em algumas semanas, e a jovem mulher disposta a não recuar dos braços enlaçados a seu corpo. Duas naturezas esculpidas por diferentes culturas que, em contato, lembravam uma reação química na qual um modifica o outro. Marcados, não seriam mais os mesmos depois que o destino os devolvesse para a vida em cantos opostos do mundo.

Enquanto isso, os dias pulsavam beleza e intensidade nas ruas, restaurantes e em seu quarto de hotel. Nessa nova cidade, ao lado da moça da loja de cristais, ele se entregou à experiência de uma segunda vida, livre e impura como a felicidade possível.


 






(*) IMAGEM: Google


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Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 02/06/2011
Reeditado em 19/06/2011
Código do texto: T3009709
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