ABRAÇO MOLHADO

Anoitecendo. Chove forte. Ouço o barulho dos trovões após os flashes de luzes produzidos pelos relâmpagos. A noite está aterrorizante. Tenho medo de chuvas. Em casa, estou só. TV desligada, som desligado. O silêncio imposto pela tempestade chega a causar pavor. Abro a janela e vejo na rua uma mulher que corre ladeira abaixo. Carrega uma sacola azul e não para, esperando a tormenta passar. Lá se vai ela, mais preocupada com algo do que com a chuva que a deixa completamente molhada. Parece estar há uns vintes anos de atraso.

Tem os cabelos ainda belissimamente arrumados. Parecia ter saído de um salão de beleza, destes em que a mulher passa uma tarde inteira, arrumando tantas coisas que não precisam ser arrumados e conversando tudo sobre a vida alheia. Por que será que corre tanto? Seria um filho doente em casa a precisar dela? A mãe ligara pedindo para não demorar? Medo da tempestade? Corre desenfreadamente com seu sapato novo, comprado numa liquidação de verão. Não se escorrega, desce firmemente. O vestido prata esbanja sensualidade, combinado com um lindo colar. Não sei se existe algum motivo para tanta correria. Mas ela corre. E eu na janela, observando e imaginando. Ela se prepara tão bela. Para quê? A chuva destruiu tudo, inclusive seu dinheiro investido na maquiagem. Mas ela não parece se importar, continua seu trajeto apressadamente.

Um ônibus para de repente na esquina. Desce um homem bem vestido, com seus vinte e cinco anos de idade, trazendo uma mala pesada. Entrega o bilhete ao motorista, abre seu guarda chuvas solenemente e desce. A mulher lhe dá um abraço todo molhado. O cabelo destruído, a maquiagem borrada, o sapato arrebentado, o sorriso porém, enorme, esperado, produzido. O guarda chuvas vira um detalhe a mais na calçada molhada. Ah, como é belo amar.

LUCAS FERREIRA MG
Enviado por LUCAS FERREIRA MG em 28/05/2011
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