A menina que não tinha sonhos parte 1
Seu nome era Elisabeth , mas nem de longe era princesa ou tivera uma vida de rainha, seu pai era Henrique, que embora também não fosse rei, sonhava loucamente como tal. Talvez tenha sido a coincidência do nome e o mergulho diário nos livros que o fizera sentir como parte da realeza. Livros estes que ele colecionava cuidadosamente desde a mocidade, seu primeiro livro foi lhe dado por sua mãe Maria Teresa que também tinha nome de rainha.
Henrique sonhava em construir um castelo e passou a vida inteira se desdobrando para perseguir este ideal. Sempre foi muito estranho para Elisabeth esta obsessão do pai por algo que não podia ter, ela acreditava que ele passava pela mesma síndrome que o lendário Dom Quixote passou em sua estória, para quem não sabe o senhor de La Mancha foi o personagem de um romance, que de tanto ler livros de cavalaria enlouqueceu e passou a acreditar ser um cavaleiro andante...
Beth, como era conhecida, estava sentada em um sofá rasgado na sala, as espumas estavam estufadas e havia buracos por todos os lados, no teto havia muitas teias de aranha pois o mesmo não tinha forro e as paredes estavam descascadas. Ela atentamente com olhos fitados folheava um álbum de fotos com muito pesar em seu coração, viu fotos de sua mãe, e pensou em o quanto ela era bonita, seus cabelos eram longos e lisos como os de uma índia, sua pele era morena clara, seu nariz filado e seus olhos eram tão brilhantes que pareciam um cristal, ela se chamava Ana.
Ana e Henrique se conheceram em um casamento, segundo ele ela era a moça mais bonita da festa e por isso teve receio de se aproximar, trocaram alguns olhares de longe, pois a mãe de Ana, Maria Antonia, era extremamente rígida e estava sempre com seus olhares atentos. Ele não era muito bonito, mas naquela época encontrar um “bom partido” era difícil, ainda mais em um vilarejo tão pequeno como o de pedra dourada no qual Ana vivia. Ainda no casamento eles foram apresentados, depois se conheceram melhor, namoraram e se casaram, mas mal sabia Henrique que aquela linda mulher era de uma saúde muito frágil.
Ana e Henrique após o casamento mudaram-se para um lugar chamado vila das margaridas, não era um lugar tão bonito quanto sugeria o nome, nem era tão elegante quanto ele dissera que seria, mas para ela estava tudo bem. Ela fora nascida e criada num pequeno vilarejo, então a principio não se importou, nem com a nova cidade, nem com a vista cinzenta, nem em morar num apartamento bem pequeno que dava para os fundos. Enquanto namoravam ele prometera a ela empregados, roupas bonitas e muitas viagens, o que pesou na escolha dela para tê-lo como seu marido; ela até gostava dele, mas Beth acreditava que ela gostava mais do que ele pensava ou dizia ser.
Segundo o que as tias de Beth contavam, Ana tivera muitos pretendentes, mas eram todos pobres, uns tinham carroça, outros tinham cavalos, já Henrique tinha um fusca azul.... Não que ela fosse interesseira, mas sonhava em mudar de vida, sair da triste vida de trabalho na roça. Como ela era a garota mais cobiçada daquele lugar, mais do que suas onze irmãs e mais do que algumas amigas do vilarejo no qual morava, pensou que um dia tiraria a sorte grande.
Folheando mais uma página daquele álbum Beth lembrou-se de um fato no mínimo estranho e até intrigante, lembrou-se de ouvir falar que corria um boato naquela época de que algumas vizinhas haviam feito até simpatias para afetar a saúde de sua mãe, por inveja de sua beleza.
Ana estudou até a quarta série na escolinha perto da fazenda em que morava. sua mãe Maria Antónia não a deixaria ir a outro lugar para completar os estudos, mal sabia ela que antes disso, antes que Ana expressasse o desejo de prosseguir estudando, algo a impediria..... Mesmo com pouco estudo ela era inteligentíssima e juntamente com sua amiga Isabel ajudava o vilarejo. Certa vez as garotas enfrentaram e incomodaram poderosos, mandaram cartas à prefeitura e depois à representantes do estado, até que uma linha de ônibus começasse a circular em pedra dourada. foi uma grande vitória, pois só era possível chegar lá a cavalo, a pé ou de carro e quase ninguém tinha carro naquela época.
Virando as páginas do álbum as lembranças iam surgindo, de uma maneira desordenada, Beth chegava a ficar confusa com aquele turbilhão de pensamentos. Viu uma foto da mãe e lembrou-se de um dia ouví-la contar que para ir à escola levava os livros em uma sacola de arroz, pois nem sua mãe, nem seu pai Luiz, trabalhador rural, tinha dinheiro para comprar mochilas para todos os filhos. Ela adorava ir à escola e era boa aluna...
Enquanto lembrava-se disso, veio a mente de Beth uma conversa que teve com Luzia, irmã de Ana.... Ela contou de um certo dia, um certo dia que mudou a vida de Ana ; Ela saia para escola, com seu vestidinho xadrez que ela mesma havia feito e com a sacola com cadernos debaixo dos braços... desmaiou repentinamente em frente a porteira . Luzia viu tudo da janela de casa e gritou seus irmãos mais velhos João e Pedro para a socorrerem, o caçula marcos saiu à procura de um carro.
Foi preciso que três pessoas ajudassem carregá-la até a condução, era necessário passar por duas porteiras para chegar até ao carro. Ela não respondia a estímulos e foi levada ao hospital, apresentava sintomas de epilepsia, mas não fora diagnosticada com nenhuma doença, os médicos não sabiam dizer o que era.
Certo é que ela nunca mais foi à mesma, tomou remédios fortíssimos durante muito tempo, pois era isso que os médicos da época faziam quando não conseguiam diagnosticar....
Beth não sabia se foram às simpatias que fizeram aquilo ou se era algo latente que sua mãe tinha e se manifestaria a qualquer momento, mas ficou triste ao imaginar como tudo aconteceu...
"..aguardem a continuação.."