Declaração de amor
Depois de muitos textos sobre morte, tristeza e solidão; depois de muitas vezes derramar lágrimas enquanto os escrevo; depois de muito deixar meu 'eu poético' (se é que se pode chamar de poesia o que eu escrevo) aflorar, eu venho até aqui, tentar vencer esse bloqueio que me impede de escrever quando eu não estou triste.
Muito prazer, meu nome é Aline, tenho vinte anos e só o que hoje vou relatar é como se percebe que quem cria o desespero é você, vou narrar a realidade (a minha verdade, que não carece de comprovação científica para ser realidade, a minha verdade que pode ser nada além de realidade excessiva ou uma realidade de inverdade, sou o que narro, sou o que vivo).
Acordei com o som matinal de "Hold me now, I'm six feet from the edge and I'm thinking maybe six feet ain't so far down", talvez seja por isso que eu acordo triste, como se estivesse carregando todo o sofrimento do mundo em minhas costas. Durante anos, sempre foi da mesma forma, os ponteiros indicavam 6:30 e começava a música que era a transformação em palavras de como eu me sentia.
Mas hoje, ao ouvir meu bom dia de todos os dias, não senti desespero, a música começou, eu tateei de olhos fechados embaixo do travesseiro e lá estava - como em todos estes anos - meu celular, ainda sem abrir os olhos eu o desliguei, virei-me para o outro lado e dormi o sono dos justos, como eu há muito tempo não havia dormido.
Eu sonhei, eu sonhei com o homem da minha vida, sonhei que ele me abraçava e todo o resto do mundo se tornava um borrão e só existíamos nós dois, não havia tempo, não haviam regras, só havia o nosso amor.
Sonha pequena Aline, pois os sonhos são doces, a realidade é triste, obscura e imprevisível; você não sabe o que acontecerá daqui a pouco ou amanhã, só sabe que ela chegará e você não terá como fugir.
Durante todos estes anos, eu tive vários namorados, relacionamentos não tão longos, talvez porque sempre que eu começava a namorar era porque eu achava o garoto legal, ou porque eu me sentia injusta negando uma oportunidade a mim e a outrém de amar, depois de algum tempo não dava certo, eu terminava o namoro e me prometia não mais namorar, não sem sentir aquilo de frio na barriga, coração pulsante, acelerado, respiração ofegante.
Comecei a acreditar que nos meus vinte anos de vivência, há vinte anos eu fui abençoada com o fracasso, pois os anos se passaram e a vida começou a me conceder privações, a perda do meu pai, dos meus namorados, da minha alegria, da minha esperança.
Depois de muitas promessas feitas, refeitas, desfeitas, eu finalmente estava conseguindo cumprir a última, já estava a fazer planos de solteira e imaginar meus 40 anos, o almoço de família, meus irmãos já com sinais de velhice, meus sobrinhos crescidos com seus namorados e namoradas, e eu, com a minha gordura acentuada pelo passar dos anos, sendo o centro de 'piadas de tia' da família.
Então surge um tal de Gabriel, ao mesmo tempo em que eu recebo um pedido de casamento de um ex-namorado. Antigamente, minha compaixão pelo próximo teria me feito dizer 'SIM! Pra quando a gente marca a data?', mas minha mente gritou 'NÃO!'; ao mesmo tempo em que imaginou uma vida longe dele, o garoto desconhecido.
Como ela poderia amar aquilo que desconhecia? Amar o que nunca viu, nunca tocou, amar uma tela de computador? Eu que ainda espero pelo dia em que consiga finalmente silenciar as batidas malditas deste coração insistente, não compreendo.
Eu recusei o pedido de casamento com um pedido de desculpa e naquele momento, só o que eu desejava, era poder ver e tocar aquele humano que eu amava sem conhecer, e então, minha promessa deixou de existir, não porque eu desisti de fazê-la, mas porque eu o amava, o amo e o amarei, por toda a eternidade de meus dias.
Hoje ao levantar algumas horas mais tarde após ignorar a melodia do despertador, eu não senti desespero ou solidão, eu senti plenitude, eu me senti amada, eu me senti viva, como se a entorpecência que me paralisava tivesse deixado de existir.
E eu, o desespero estou desesperado, eu não mais existo, ela me expulsou do corpo que quase já era meu...