Por Quê

Nos últimos dias todo mundo resolveu implicar comigo aqui em casa! Pois se nem perguntar mais nada eu posso...

Quando eu me viro na direção de alguém pronta para fazer uma perguntinha à-toa, a pessoa vem logo com duas pedras na mão ou dá um jeito de sair rapidinho de perto de mim!

Veja como é: ontem, na escola, fizemos uma pesquisa sobre o céu e as estrelas. Voltei para casa cheinha de questões, muito prosa e curiosa. Nem bem pus o pé dentro de casa, fui logo perguntando para a minha mãe:

- Mãe, por que o céu é azul?

Você não vai acreditar, mas a verdade é que a minha mãe estava tão distraída na faxina da casa que ela me respondeu num supetão só:

- E por acaso o céu é azul, menina?

É – pensei – minha mãe deve estar mesmo distraída. Mas não deixei por menos: fui logo atacando de novo:

- Mãe, por que o céu é azul?

- Ora, Marina, é azul... É azul... Bem, é azul porque não é verde, está bom assim...

Fiquei um bom tempo matutando naquela resposta e acabei concluindo que ela não me convencia:

- Mãe, por que o céu é azul?

- Ah, Marina, me deixa trabalhar! Não vê que estou arrumando a casa.

- Mas mãe, deve haver uma razão qualquer para o céu ser azul... “As aves voam porque têm asas, o mar é salgado porque tem sal”... Tudo, enfim, tem uma razão de ser, não é assim mesmo que a senhora diz?

- Já te disse menina: é azul porque não é verde...

- Mas então o céu poderia ser de outra cor, mãe? Porque se de noite ele é preto e de dia é azul, é sinal de que muda de cor! É ou não é assim? Por que então o céu não fica verde de vez em quando, mãe?

- Olha, Marina, eu não sei... Não sei mesmo porque o céu é azul... Talvez seja porque Deus quis que assim fosse... Ou - quem poderá dizer?! - na época em que o Senhor criou o mundo achou que não existia nenhuma outra cor mais apropriada do que a azul para ser a cor do céu...

- Mas mãe: se Deus fez o céu azul, ele poderia então tê-lo feito de outra cor, não é?

- Marina, pelo amor de Deus!... Dá para esquentar a cabeça do seu pai quando ele chegar! Com certeza ele saberá te responder melhor. Agora me deixa trabalhar um pouco...

Tentei voltar ao assunto mais uma vez, mas ela acabou não me dando mais bola, nem ouvidos ou atenção e desisti. Tem hora que é difícil entender a mãe da gente e o jeito que tem é aceitá-la do jeitinho mesmo que é.

Pois bem! Guardei a minha curiosidade bem debaixo da língua e resolvi esperar o papai chegar. O problema é que ele chegou tarde demais e eu já nem me lembrava mais daquele assunto. Além disso, mamãe havia preparado um jantar delicioso: tinha feito umas ervilhas verdinhas, que é a comida que eu mais amo no mundo! Então imagina o que foi que eu perguntei para o meu pai assim que vi a porta da casa se abrindo...

- Pai, por que as ervilhas são tão verdinhas?...

- São verdes porque têm clorofila.

- E o que é clorofila, pai?

- Clorofila é um pigmento esverdeado que as células das plantas têm e que faz com que apresentem aquela cor verde que a gente vê nelas. A clorofila, Marina, é uma substância muito importante na fotossíntese...

- Foto o quê?

- Fotossíntese, Marina.

- E essa fotossíntese se parece com aquelas outras que estão no nosso álbum de retratos?

- Não, filha, fotossíntese é outra coisa. Isso de que você está falando são as fotografias, os retratos...

- E o que vem a ser então essa tal fotossíntese?

- É um pouco complicado para te explicar. Acho que você não vai conseguir entender...

- Tenta, vai...

Meu pai sempre foi um pouco exagerado, mas acho que dessa vez ele foi longe demais. Caminhou devagar até a biblioteca e quando voltou de lá trazia nas mãos o “Aurélio”. Então ele lambeu a ponta dos dedos e folheou as páginas do dicionário até parar numa delas. Correu o indicador entre todas aquelas palavras e leu para mim:

- “Fotossíntese: nas plantas verdes, em presença da luz, ocorre uma reação bioquímica que, a partir das moléculas minerais simples, produz moléculas”...

- “Mole” o quê, pai?...

- Mo-lé-cu-las orgânicas glicídicas... Não falei que você não ia entender nada...

- Mas pai, eu só queria saber o que é essa tal de foto... Foto o que mesmo?

- Fotossíntese.

- Pois é isso mesmo! Só não entendi porque você vem agora com uma “mo-le-cu-la” e outra “bioquímica” e ainda essa tal de “orgânica. E tem também o “glicídio” e... E o que mais pai?

- Mas eu não te falei que você não ia entender nada, menina! Você ainda é muito jovem para compreender essas coisas! E agora vê se me deixa jantar, pois estou com uma fome arretada.

Arretada?

Bom: não tive nem tempo de falar mais nada. Só consegui perceber que minha mãe ria baixinho e de longe. Mas que será que quer dizer “arretada”?!

Então fui para o meu quarto e fiquei matutando em tudo aquilo de novo. Agora - pensei - agora é que complicou tudo mesmo! Eu queria apenas saber o que era fotossíntese e lá vem meu pai com todas essas palavras difíceis.

Assim fica difícil, impossível mesmo!

Mas não é exatamente aquilo que eu falei lá no iniciozinho para vocês: só porque eu quero saber por que o céu é azul ou por que as ervilhas são verdinhas ou ainda qual o significado de algumas palavras um pouco difíceis, todo mundo acaba implicando comigo e perdendo a paciência!

Mas cá para nós: essa gente tem mesmo estado muito complicada e estranha, não é!

Ei, espera ai!?... Deixa ver se me lembro...! Sobre o que é mesmo que eu e minha mãe estávamos falando hoje à tarde, logo depois que voltei da escola...?

Humm! Tá difícil...!

Será que alguém ai pode me ajudar? Será que alguém ainda se lembra!?