Pascoal e Branca
Publicado no Jornal Evolução
Segunda, 28 de fevereiro de 2011 10:15
http://www.jornalevolucao.com.br/noticias/2208/1/pascoal-e-branca
Há tempos mudaram-se para o Sítio dos Ipês, herança deixada pelos pais de Pascoal.
Casa simples de madeira, pintura caiada, varanda circundando a residência, a churrasqueira, uma rústica cadeira de balanço e redes pra deitar.
A pequena criação de frangos, suínos e carneiros como as plantações de subsistência de aipim, batata, feijão e milho propiciavam-lhes certo conforto.
Sítio agraciado pela mãe natureza: ipês de colorações diversas, flamboyants , araucárias e o córrego límpido a cortar a propriedade despencando após pelo rochedo e formando esplendorosa cascata.
No final do despenhadeiro um lago de águas claras sobre seixos esbranquiçados, habitat de muitos peixes: lambaris, acarás, traíras, jundiás e outras espécies.
Pascoal e Branca habituaram-se à solidão, os vizinhos mais próximos moravam na pequena Vila Passaredo, cerca de 15 km do local.
Nos finais de semana, após árdua lida, Pascoal se deslocava em sua camioneta Ford F-100 até o vilarejo para compra de suprimentos.
Branca permanecia junto a porteira até o retorno do homem rude, de poucos sorrisos mas de um coração cheio de ternura e amor.
Nestas idas e vindas o companheiro voltava tarde da noite, quando não na alta madrugada.
Branca embora cansada pela espera, jamais se amuava.
Algumas vezes ele exagerava nos tragos da amaldiçoada em longos papos com os poucos amigos que encontrava no armazém do Sivuca e chegava à casa torrado de manguaça.
Entretanto, a vida dava seus giros pelo cotidiano e seguia amena, tornando a convivência aprazível.
Aos finais das tardes frias, o chimarrão tomado junto ao fogão de lenha, a calmaria, rádio ligado, o som nostálgico de músicas sertanejas.
No surrado sofá, Branca se aconchegava trocando meigos afagos com Pascoal.
Assim, aquecidos, permaneciam por horas, calados deliciavam-se com as simples refeições requentadas, para eles iguarias insubstituíveis naquelas paragens.
Após, ela permanecia deitada e ele se esticava na rede da varanda deliciando-se com o cigarro de palha.
Observava a fumaça diluir-se sob o céu escandalosamente estrelado.
Falava com seus botões: “Amanhã será mais um belo dia, por ventura existirá gente mais feliz do que eu?”.
Ao raiar o sol no sábado de manhã, despediu-se da velha companheira: “Irei até a vila, prometo, volto mais cedo”.
Da porteira, Branca, coração apertado, observou a camioneta dobrando a curva da poeirenta estrada.
No final daquela tarde, grossas nuvens cobriam a encantadora ermida, pios de coruja agourenta na mata e a notícia correndo como o vento: Pascoal abotoou o paletó, um infarto fulminante no boteco do Sivuca.
Branca não acreditava no infausto ocorrido, o companheiro não mais retornara a casa.
Madrugadas sombrias, vigílias...
Da tosca casa no Sítio dos Ipês, apenas uivos e ladridos amargurados de Branca, a fiel companheira que a cada tarde espera Pascoal surgir na curva da estrada.
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