DEPOIS DAQUELA NOITE

"DESDE AQUELE DIA

Minhas noites são iguais

Se eu não vou à luta

Eu não tenho paz

Se eu não faço guerra

Eu não tenho mais paz

Eu só queria saber

O que você foi fazer no meu caminho

Eu não consigo entender

Não consigo mais viver sozinho"

Desde aquele dia

Depois daquela noite.

Foi inevitável.

Não era para ter acontecido, mas aconteceu. Foi Shakeaspeare quem disse que há mais mistérios entre o céu e a terra do desconfia nossa vã filosofia. Mistérios entre a terra, e mais, muito mais mistérios no interior da alma humana. Inclusive na nossa. Não era para ter acontecido, mas aconteceu. E foi inevitável como as nuvens precipitarem em chuva depois de um dia de sol. A não ser pelo branco dos olhos, e alguma semelhança no formato do nariz, eles aparentemente não tinham nada em comum. Um é gordo, o outro magro. Um está ficando visivelmente careca, o outro cabeludo escondendo uma iminente calvície. Um é mais negro, o outro mais branco. Um é intelectual, o outro proletário. E por isso enquanto um é meticuloso, manipulador e discreto. O outro, segue tudo ao contrário, imediatista, espontâneo e arrogante, embora pareça mais carismático e acessível. Talvez estes adjetivos não sejam antônimos, mas apenas incongruentes. É como um antigo original colorido e uma recente cópia em preto e branco.(É claro, e como toda cópia, sua existência surgiu apenas depois).Mas ambos tem algo em comum. Bastante. Isso descobri posteriormente. E como um bolo de sabor desconhecido e origem incerta em que se resiste dar a primeira mordida, mas que motivado pela fome se é levado a tirar um pedacinho para experimentar, depois se descobre um gosto bom e o bolo se torna irresistível. Foi assim com o primeiro. E por causa de ter perdido um sem ter saciado a fome. O segundo foi como recomeçar. E pensando assim, foi que cheguei ali, naquela noite. Sim, pois nada me fazia parar de pensar, lembrar, querer, desejar. Era algo remoto, incerto, afinal o senso comum sempre afirma que um raio nunca cai duas vezes no mesmo lugar.

Ele aceitou conversar, sem reservas, nem preocupações. Como também não viu nada de extraordinário em sairmos para nos conhecer.Para a minha surpresa ele admitia não ter problemas, nem sentir culpa, sua opinião consistia em “isso não tem nada a ver com ele “. Achava absolutamente normal. Queria poder resistir a tentação, mas foi impossível, já havia ido longe demais com aquele pecado. E eis que a conversa saira do virtual e lá estava eu numa esquina, completamente empacotada no meio da noite fria e meio transtornada depois de um acidente, esperando algum carro vermelho com seu ilustre desconhecido. Entrei. Algum pagode tocava enquanto reluzia a luz azul do dvd em seu rosto. Não me olhava, como se também sentisse que não estava certo, se estava certo em fazer daquilo, em estar ali naquele momento. Poucas palavras foram ditas até chegarmos a pizzaria e ficarmos frente a frente entre dois copos de guaraná e uma pizza pequena, os dois não estavam com fome, nem com vontade de falar - ou coragem. Os diálogos se reduziam a informações em relação ao original gorducho, me senti fora do lugar, não me olhava em nenhum momento no rosto, tampouco eu conseguia fitar em seus olhos, agitados, distantes, como se não estivesse ali. Comidos uns dois pedaços, abandonou-se o lanche e findou-se a preocupação com o carro estacionado na esquina, estavámos novamente lado a lado sem ter o que dizer em frente ao azul do dvd.

Não fosse pelo que havíamos conversado no computador pouco saberíamos um sobre o outro, quer dizer nada saberíamos, pois pouco havíamos descoberto naquele meio inerente as nossas expressões e as nossas vergonhas, naquele meio as conversas fluíram com a honestidade digna da infância, da pureza, ou da santidade, mas até ai seria exagero, pois toda máscara cai quando se depara com a verdade, e aquela não demoraria para cair.Talvez eu soubesse um pouco mais, ou imaginasse que o conhecia através dos relatos carinhosos da sua matriz careca. Mas por enquanto estavámos ali, sentindo a respiração um do outro, sem ter o que dizer, nem fazer, mas os anseios ainda que incertos se assemelhavam pois ao encostar em seus lábios, foi como se os houvesse sentido antes, recuperado coisa perdida que não encontraria mais, sensação suave, macia, como se já o tivesse sentido muitas vezes. A sensação era a mesma. Era o perdido que foi reencontrado, foi a experiência mais estranha e mais fascinante. Me lembrei do primeiro beijo, do segundo, de todos, daquela primeira vez, de todas as vezes.Não sabíamos para onde ir, mas eu havia sonhado com aquele dia há muito tempo, foi só descer com as mãos pelo seu corpo e sentir o movimento. Queria que dormisse comigo naquela noite, ele não hesitou ao meu pedido, nem resistiu. Saímos pelas ruas naquela noite. Eu não sabia para onde iria, as luzes, os faróis, a escuridão, o frio, são as únicas coisas das quais me lembro do caminho. Não sei se era ele que eu via, mas não via mais nada, apenas segui viagem.

>>>>>>>>>>>>Continua...

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Mariana Montejani
Enviado por Mariana Montejani em 27/04/2011
Reeditado em 27/10/2011
Código do texto: T2934726