AMOR DE ESTAÇÃO *
Distraído no passeio da manhã, pés enterrados na fofa areia da praia, amena brisa marítima, sol despontando no horizonte, prometendo um tórrido dia ensolarado. Dorso nu, calção folgado e pensamentos soltos, desprevenidos, arrepios na pele ao contato com a umidade trazida nas ondas próximas. Uma vida para sorver, intensos dias para se viver, um gozo de existir. Pegadas marcadas, breves vestígios, sumindo na água, voos em distâncias, no corpo presente alhures venturas na mente liberta. Interação entre o humano e a natureza, suaves frescores, como serenos orvalhos das manhãs campestres em plena visão de infinito azul do mar.
Vagar alheio, despreocupado, volteios no ar no voo das gaivotas enfeitando a paisagem deslumbrante, horizontes e mares, arrebóis nascentes e poentes, instantes multicoloridos nos vaivens das marés. Íntimo em paz no êxtase daqueles momentos. Azo aos devaneios poéticos, linda vida linda, sonhos encantos,magias, flores e pássaros, oceanos profundos, inescrutáveis segredos, cores em profusão. Além do alcance da visão, campos e florestas, cantorias da passarada em alegres orquestras. Humana máquina, perfeita, divina, que tudo apreende nos sentidos da emoção e codifica na razão, vida, linda vida !
Viver como se abrisse gavetas buscando abrigo em inúmeras fantasias, pegando a luneta e apreciando as estrelas, enxergando em múltiplos olhos da alma o que fenece aos estritos limites do olhar material, ver a vida na inteireza de suas luzes e sons, bebericando prazeres dosados no requinte saboroso dos detalhes e deleites que nos oferece a dadivosa e generosa oportunidade de existirmos. Olhares alheados, enviesados sentidos, ociosos momentos, bolhas de sabão, vagos pensamentos, nau sem rumo ao sabor das oscilações das ondas. Sensações oscilantes, sentimentos, apatia ou preguiça, malemolência nos passos lânguidos, indolência calma, suave como uma canção no ar...
Com a disposição e humores agradáveis fazia seu habitual passeio matinal pela orla, desatento e saboreando a beleza ambiente, absorto em si mesmo, caminhando lentamente, tendo a atenção desviada para uma banhista que se distanciava da praia, parecendo necessitar de ajuda.
Ali estavam, ele e ela, como era ainda cedo, com poucas pessoas circulando, não havia ninguém, além dele, para socorrê-la, aquilo não poderia demorar, os gestos aflitos da moça exigiam urgência. Viu-se atirando contra as ondas em busca dela. Ainda bem que não havia se distanciado tanto, embora, de longe, parecesse que avançara muito, foi apenas um susto. A trazia rente ao peito, arfante e assustada, para a areia da praia.
Sentaram-se, lado a lado, esperando ele que ela se manifestasse, passado o sobressalto. Só então a observou atento, a beleza de seus traços faciais e de seu corpo escultural e bem feito. Os olhos dela falavam pelos lábios em agradecimento, por fim, o sorriso meigo, o encantava. Como se fossem velhos conhecidos, olhavam-se em muda cumplicidade. Todo o encanto que ambos sorviam, reflexivos e distantes, desnudos e seduzidos. Dois Seres ardentes, num verdadeiro paraíso a envolvê-los em seus desejos Dois jovens bonitos numa paisagem abençoada, corpos expostos a doarem-se, febris e insandecidos de paixão. Dispensavam palavras, entendiam-se nos olhares, estabelecia-se a magia do encontro de duas almas que se correspondiam intensamente.
Aqueles olhares insinuantes e atraentes o fiscou, dominando, invadindo a sua calma e o prostrando, vencendo resistências, inebriando-o, encantado. Momentos únicos e inesquecíveis.
Instantes mágicos, poéticos, lembrando estórias de fadas, pareceu como uma sereia a fasciná-lo e sumia sem explicações, a procurava atormentado, já não mais se comprazia com a tela majestosa daquele quadro natural em que se encontrava, a buscava apenas, desalentado.
Malogrado, a paz subvertida, subtraída. Era o refém enfeitiçado por aquela trânsfuga deusa que o hipnotizou e sumiu, tal como veio. Soberana o manietou em seu fascínio e o desprezou sem dizer palavras.
Voou longe, teria realmente existido ? Jamais seus passos seriam tranqüilos e despreocupados, enamorado da exuberante natureza, seus olhos ora tristes e saudosos, a buscavam em infrutíferas buscas.
Foi-se como uma ave de verão...
*PUBLICADO EM LIVRO NA ANTOLOGIA CONTOS DE VERÃO, EDITORA CBJE, RIO DE JANEIRO-RJ, DEZEMBRO DE 2011.