Viva a professorinha que preservou os dois heróis de Marcela
Certo dia, num ‘chiacchierare’ com minhas amigas numa vernissage - como os italianos especificam o tagarelar entre amigos - descobri que estava falando com a pessoa que foi a professora de uma das minhas filhas, a do meio, Marcela, quando ela estava cursando o primeiro grau na Escola Anjo da Guarda em Curitiba e tinha 13 anos.
- Não diga que você é a mãe da Marcela!!!! Exclamou Silvana feliz como se tivesse encontrado Wally ou descoberto a América.
- Nunca esqueci tua filha e até hoje lembro com emoção da redação que ela fez sobre a morte de Aytornn Senna. Guardei uma cópia e quero te dar de presente – continuou ela falando sem me dar tempo de responder. Era como se tivesse guardado um tesouro durante anos e precisava entregar ao seu real destinatário.
Mais do que rápido pegou o meu endereço e marcamos o dia de entrega e lá estava a professorinha carinhosa me entregando aquele papel com um texto datilografado em letras maiúsculas que ela tinha feito como cópia e guardado com tanta dedicação.
Pequei a folha e comecei a ler as frases simples, curtas e precisas:
“PERDEMOS UM HERÓI
ERA UMA VEZ DUAS PESSOAS: UMA QUE CORRIA OUTRA QUE TORCIA.
A PESSOA QUE CORRIA, CORRIA NA FÓRMULA 1 E ESTAVA SEMPRE EM PRIMEIRO LUGAR. E A OUTRA QUE TORCIA, QUANDO VIA A OUTRA GANHAR SE EMOCIONAVA COM LÁGRIMAS, ENSOPANDO O SEU LAR.
ANOS SE PASSARAM E A PESSOA QUE TORCIA MORREU, SEM AINDA TER VISTO SEU HERÓI PESSOALMENTE. OS ANOS CONTINUARAM A PASSAR.
MAS NO DIA 1º. DE MAIO O CORREDOR MORREU. JUNTO A DEUS FICOU. MUITOS SOFRERAM A SUA MORTE. MILHARES PERDERAM UM HERÓI.
EU PERDI DOIS, PORQUE QUEM TORCIA ERA MEU PAI, O MEU HERÓI E QUEM CORRIA ERA AYRTON SENNA, O NOSSO HERÓI.
QUEM SABE AGORA, O TORCEDOR POSSA CONHECER PESSOALMENTE O CORREDOR.”
Quando terminei de ler estas poucas palavras descrevendo de uma forma tão clara e profunda o sentimento da dor da perda de um ente querido, tive a sensação de ter lido páginas e páginas de frases repletas de ternura. Uma linda mensagem de amor e sensibildade. Realmente, a professorinha tinha toda a razão do mundo em guardar algo tão precioso durante tantos anos. Na verdade, tomei conhecimento da redação quando a Marcela já tinha se tornado uma bela moça, uns 10 anos depois.
- Lembra desta redação? – perguntei a ela. Claro, mãe – me respondeu.
“Nunca vou esquecer que a professora me colocou para ler em voz alta na sala de aula e quando eu terminei, todo mundo estava chorando e eu fiquei morrendo de vergonha. Nem entendia direito o porquê da situação”, contou ela sorrindo.
As minhas três filhas perderam o pai quando ainda eram pequenas. Paula tinha 14 anos, Marcela 11 anos e Claudia, 6 anos. A morte de Ayrton Senna ocorreu dois anos depois da morte do pai, portanto, a dor e a saudades ainda estava presente dentro do coração delas.
Hoje, as três estão transformadas em belas moças e leem com ternura o texto. A dor já não existe mais, permanece apenas a saudades dos bons momentos vividos com ele e o amor. Sim, o amor que faz a vida ter sentido , assim como Marcela mostrou o amor pelo seu herói, outra grande lição de amor nos deu esta afetuosa professora que guardou a redação como algo sagrado durante tantos anos e sentiu-se honrada em me repassar ..... Obrigada!
Nota da Autora: Faço aqui uma homenagem à figura do professor,que hoje está com a imagem tão desgastada pela sociedade. Estes Anjos da Guarda de nossos filhos merecem todo o nosso respeito e afeto. Agradeço a eles grande parte do que hoje são as minhas filhas.Todas as três graduadas, construindo famílias e contribuindo para construir uma sociedade mais feliz e equilibrada.