Namorados
À Ana Carolina Santos,
minha primeira e eterna Namorada
Ao som de Fernando Anitelli
Depois de outro passeio comum de namorados, cinema, olhar vitrines, dar risadas, só mais um passeio, comum, como outros tantos, salvo o fato de ser o primeiro passeio no outono, clima mais ameno, roupas mais pesadas, mãos frias e rostos pálidos, depois desse passeio, jantar cedo, num restaurante de tradição do bairro, então um desvio pela pracinha.
Ele não queria demorar, ou melhor, queria muito, mas não podia, compromissos inadiáveis que a feriam profundamente. Ela se apegava a ele no desespero do gesto, criança que prende a pelúcia entre os braços pra cuca não roubar, medo de deixá-lo ir, ou de desancorar dali; ele era a âncora dela naquela cidade, que nada tinha a ver com ela, poluição, gente mal educada, miséria, garoa fina, cinza, cinza, cinza... Não fosse ele ali, ela nunca viria, nunca sairia do campo, agora metrópole, onde o céu é mais baixo e maior, e nem a lua e nem as estrelas se escondem da gente.
E iam assim, meio cambaleando, de tão juntos que andavam, três pernas pra um só tronco, alto e baixo, largo, desproporcional, iam se prendendo um no outro pra aquecer, pra não perder, pra não partir. As árvores espreitavam os bancos vermelhos, embaixo dos postes em estilo oriental da mesma cor, as curvas escondiam segredos, pelo caminho de pedras irregulares, pequenas e lisas, grandes e ásperas, uma infinidade de cores quentes pela grama, amenizadas pelo frio do ar, a neblina, o sereno, dando aquele tom que só o outono sabe ter.
Pararam assim, de repente, numa curva qualquer, puro acaso, parar juntos, como se fosse combinado e não era. Abraçavam-se forte, profundo, mergulharam um no outro, afogando-se em cheiros, braços e roupas pesadas. E abraçados, envolvidos que estavam, ele chegou perto do ouvido dela e sentiu vontade de dizer coisas, e não disse. Não por medo, receio, pressa, não. Simplesmente não conseguiu, era tanto pra ser dito, que tudo se embaralhou dentro do coração, e as palavras, acaso saíssem, sairiam todas sem nexo. Mas não importava, ele sabia, ela entenderia de qualquer forma, mas continuou sem dizer, e aí, pra não ficar sem dizer nada, ele disse que a amava, pausadamente, fixando bem cada palavra, e agradeceu pelo tempo que estavam juntos, os sorrisos, os beijos, as lágrimas, tudo.
Ela se aninhava nos braços dele, o ouvido no coração, as mãos frias se encontrando no fim do abraço, sentia-se feliz assim, junto dele, perto, sentindo, escutando, abraçando, sorriu quando o ouviu dizer sobre o amor e sentiu falta de ouvir algo que não sabia, mas deixou pra lá, melhor não pensar nisso, aproveitar o pouco tempo, antes que ele a soltasse no espaço e lembrasse o compromisso que tinha. Ela o ouvira dizer tantas coisas, e a mais recente é que o tempo não existia quando estavam juntos, que o mundo esmaecia em volta, que nada mais importava, senão ela, ela e seus afagos, seus abraços, seu carinho, seu amor. Ela se encantava tanto com as palavras dele, os gestos, os olhares; ele disse, ainda, que queria se casar, passar o resto da vida junto a ela, ter filhos. Ter filhos!
Naquele momento, ainda durante aquele abraço onde faltaram palavras, sem mais nem menos os braços foram desapertando, o abraço foi se desfazendo em carícias desconexas pelas costas, pelos ombros... Os corpos foram se separando, vagarosamente, de um jeito sofrido e sem vontade. Como se houvessem ensaiado durante anos para aquele momento, dois pares de olhos piscaram simultaneamente. Ao se abrirem, depois que a íris voltou ao normal, as pupilas se dilataram e contraíram de novo, pra se acostumarem à luz, depois desse instante brevíssimo, alguns milésimos de segundo, quatro olhos se encontraram no espaço. Ele sentiu, mais uma vez o tempo parar, o mundo esmaecer em volta, tudo ficar claro, e só podia ver aquele par de olhos castanho-claro, e todo o mistério do infinito o envolveu ali. Ela sentiu o coração parar, por um segundo ou dois, contidos de toda uma eternidade, o peito queimando de dor e prazer, uma forma híbrida de felicidade com um quê de sofrimento, ao que chamamos amor, e se perdeu naquele olhar.
E os quatro olhos disseram tudo o que as duas bocas não conseguiram. E durante cinco segundos, ou menos, parecia que só existiam dois corpos no universo; duas únicas almas, feitas para ficarem juntas; somente dois corações, batendo no mesmo compasso. E após os quatro olhos dizerem tudo o que precisava ser dito, cerraram-se num cansaço imenso. E o que mais precisava ser feito e compreendido, duas bocas, quatros braços e dois corações ardentes bastaram pra explicar.
Uma chuva repentina começou a cair, lembrando o compromisso esquecido. Correram juntos para não molhar os corpos. Porque as almas, ah, essas já estavam inundadas... de felicidade.
William G. Sampaio [15/04/2011]