Nem tão doce amor - Parte I
Evacuara daquele recinto, saiu apressado deixando as chaves na porta, o estranho não carregava nada, sua única bagagem era o medo.
ATENÇÃO
Caro leitor, se você como um humano típico conserva algum tipo de escrúpulo, simpatia pelo amor ou mesmo está apaixonado pela sua vida, é melhor que não leia este conto, pois é um conto de desamor e eu, o escritor desprovido deste sentimento incógnito que a vós subscreve este amontoado de letras que formam palavras que formam sentenças, sentenças que podem escandalizar o caro leitor, lhes recomendo não ler este texto.
Eram 23:43 do dia 29 de fevereiro de um ano que não se sabe ao certo, já que o certo é relativo. Uma noite chuvosa, rua deserta, deserta exceto pelo insistente humano que continuava a caminhar lutando contra a tempestade. Caminhava a passos largos, como se a chuva fosse apenas uma garoa fina de uma tarde veranesca, pela fisionomia e modo de vestir calculo que este tivesse entre 20 e 25 anos, sim, um jovem, classe média alta.
Seu nome? Nem ele mesmo sabia, perdera seu direito de ter nome após atender um telefonema, perdera sua honra, perdera seu mundo. Era tarde demais para o nosso garoto, ele caminhava apressadamente pela rua apenas para confirmar suas suspeitas, mas ele já a tinha perdido. As casas do bairro nobre onde morava passavam rapidamente por seu campo de visão, os metros caminhados mal eram registrados por seus olhos. Seu coração batia no peito acelerado como se quisesse romper os ossos e as camadas de músculos, gordura e pele que o envolviam, as batidas ritmadas criavam uma espécie de música fúnebre, seu corpo sedentário começava a reclamar do percurso feito.
Ele se dirigia apressado para o parque do bairro, onde sua doce namorada se encontrava. Silvia que sempre fora tão carinhosa, meiga e apaixonante, conquistara seu coração como nenhuma outra havia conseguido, destruíra seus medos e traumas e colocara no lugar uma montanha imensa de amor. O menino sem nome sabia que era um pouco exagerado, embora sempre negasse quando a afirmação partia de sua namorada.
Nove meses de namoro, os nove melhores meses de sua vida. Certo dia, enquanto levava seu cão para passear foi abordado pela garota mais linda que ele jamais tinha visto, seu sorriso era angelical e ela estava acariciando seu cachorro, sim, ela era especial. O tempo passou e depois de encontros, beijos e amassos, ele a pediu em namoro. Hoje sua mente recordava cada momento como se estes tivessem acabado de acontecer e ele percebia que não poderia viver sem ela, de maneira alguma suportaria a dor da sua ausência.
Finalmente ele conseguia distinguir os contornos das árvores no parque, os quiosques com alguns casais de namorados aos beijos, ainda mais perto as flores, as ervas daninhas, e a areia encharcada, na verdade olhando mais atentamente viam-se pequenas poças e os novos pingos que caíam nas poças faziam soldadinhos de água e areia que logo se desmanchavam para que outros surgissem, mas nosso rapaz estava extremamente concentrado em um quiosque mais afastado do centro do parque. Ao se aproximar a visão era mais clara, mas era a pior visão da sua vida.
Sua namorada, sua amada namorada ali...
Morta, MORTA, eu pensei. Eu preferia que esta maldita estivesse morta. Faltavam palavras e o ódio se apoderava de mim. Um ódio que se chamava dor. Minha namorada e meu melhor amigo, uma traição dupla. As duas pessoas que eram minha família por escolha, diferente daqueles que carregam o meu sangue e apenas me mimam, aqueles que eu me importava o suficiente para denominar de família.
Eu tinha que sair dali, mas morto não anda, e eu tinha acabado de morrer. Eles destruíram minha alma, agora eu era só um pedaço de carne. Um animal que foi forçado ao abate. Minha presença até foi notada ali, mas ambos estavam estupefatos, pois acreditavam que eu jamais descobriria a traição. Acreditavam que poderiam praticar o adultério por muito tempo enquanto eu acreditava no amor que ela sentia por mim. A única coisa que eu fui capaz de pronunciar, não sem muito esforço, foi “Obrigada!” e então com dificuldade eu destruí o visgo que estava prendendo meus pés e me retirei.
Andei por horas e horas sem rumo, sem pressa, sem esperança. Minha vida acabara e eu não tinha motivos para me importar. Foi nesta época que surgiram as drogas, as prostitutas e as tentativas de suicídio. No começo foram apenas drogas, eu queria me entorpecer para esquecer, para mostrar que eu era forte. Depois prostitutas também foram necessárias para mostrar que eu havia superado e que não precisava dela e então, eu cansei de fingir e me entreguei à depressão.
Muitos dizem que homem não chora, tudo bem, podem me chamar de homossexual então. A depressão havia se apoderado de mim e a única coisa que eu conseguia fazer era pensar nela, aquela maldita adúltera que eu não conseguia odiar e na dor de estar longe dela. As lágrimas eram o único som, embora inaudível som que ainda saía de dentro de mim, as lágrimas eram o único sinal de que meu corpo ainda estava vivo.
Pensei muitas e muitas vezes no suicídio e enfim tomei coragem para praticá-lo. Peguei a caixa onde ficam armazenados todos os medicamentos utilizados aqui em casa e comecei a retirá-los um a um da embalagem, medicamentos de ação diversa, todos misturados ao uísque que eu furtei do meu pai. Após retirar todos os comprimidos da embalagem, respirei fundo e levei a mistura até a boca e engoli tudo em um só gole para que eu não me arrependesse, então me sentei e comecei a escrever uma carta de despedida.
Aos que eu amo? Não. À minha amada Silvia. Aquela a qual eu me recusei um dia a viver sem. Aquela que salvou a minha vida quando eu não queria ser salvo. A maldita que tentou me destruir.
Hoje, após ser salvo por aquela vagabunda, eu percebo que o amor, o amor é uma grande mentira. É um passo a diante de um futuro já planejado não por nossos corações, mas por nossas mentes. Uma grande farsa. Amor não existe, o que existe somos nós tentando provar para nós mesmos que possuímos escrúpulos e que somos capazes de gostar de alguém que não seja nós mesmos.
Silvia? Deve estar por ai, arrasando alguns corações tolos. Nunca mais a vi depois daquele dia em que ela chegou na minha casa e chamou uma ambulância. Não, eu não sou grato à ela, mas eu posso dizer que é por ela que hoje em abomino a palavra amor. Eu a deixo para os tolos que fazem questão de esculpir seu felizes para sempre em um pedaço de pedra gélido, tolos estes que fazem questão de fazê-lo para se alimentar da inveja de outros que ao verem sua pedra polidamente esculpida se sentirão um lixo, uma meia sem par, uma panela sem tampa. Amor, doce ilusão.