Sem Título

O vento frio parecia cortar-lhe a face, enquanto caminhava pela Avenida Paulista. Ela tentava achar algo racional em meio aquela contradição. As lágrimas desciam quentes, mas esfriavam antes de terminarem de percorrer as curvas do rosto. O casarão antigo ao lado do prédio moderno, o clima quente e aconchegante entre os namorados sentados tomando café, e ela se sentindo fria e vazia.

Há meia hora atrás, podia jurar que tudo estaria diferente agora. O pedido de noivado era quase certo, ela sentia as borboletas voando pelo estômago e então ele disse:

"Eu não te amo de verdade, eu não sou capaz de sentir, não nasci para amar. Mas a culpa não é sua."

Um soco matou todas as borboletas e uma facada partiu seu coração em peças que nunca mais se encaixariam.

" A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana."

Estavam andando pelo parque Trianon, gostavam de ficar na passarela. Enquanto os carros passavam embaixo, ao lado havia natureza. E era como se tudo aquilo se encaixasse, assim como os dois se encaixavam. Um turbilhão de informações passavam, as imagens das noites em que se amaram, do primeiro beijo, das juras de amor eterno. E agora ela estava ali, frente a frente com um homem que gritava para quem quisesse ouvir que nunca a tinha amado. Sua vontade era de abraçá-lo e fazê-lo desmentir tudo aquilo, mas antes que pudesse fazê-lo, outras palavras saíram pela boca dele.

"Não me peça para dizer que te amo, sinto muito em não corresponder a seu sentimento, mas não consigo nem me amar, quanto mais dar amor a alguém."

Então, as lágrimas começaram a escapar.

" A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro."

Ele não tinha o direito de fazer isso. Ela já havia imaginado a casa de campo dos dois, os filhos teriam os olhos azuis dele, que sempre davam conforto e serenidade a ela. O apartamento que eles cobiçavam, ali perto na Avenida Angélica, estava desocupado. Ela achava que o destino estava conspirando a favor de tudo, foi quando seu tapete foi puxado pelas palavras duras daquele que ela jurava amar eternamente. Ela estava indefesa, estava em choque, sentindo-se enganada e isso a impossibilitava de pronunciar algo.

"Não quero que você chore, não por mim. Sempre tive medo disso, nunca quis te magoar, você me fez feliz e eu não quero deixar alguém que me fez sorrir assim. Por favor, sorria para mim?"

Mas como sorrir, sendo que todos os seus sonhos iam com as folhas carregadas pelo vento? Por um instante, ficou imune ao ambiente, não sentia, não ouvia mais nada. Tentava justificar, tentava mostrar ao coração que teria volta, tentava enganar seu cérebro, induzindo-o a acordá-la daquele pesadelo.

"O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo."

Não havia pesadelo nenhum. Saiu correndo, a descarga de adrenalina falou mais alto. Ela tinha para onde correr, mas não sabia seu destino. Desmoronou em lágrimas e foi parar na Avenida. Não se incomodava com as pessoas olhando. Correu até cansar e começou a reparar o mundo em volta. Ali passavam algumas pessoas, que importavam a outras pessoas, que importavam a outras pessoas. E assim o mundo estava ligado. Sentou-se num canteiro em que havia grama e uma árvore. Se alguém deixara, há alguns minutos, de se importar com ela, deveria arranjar outra. Atravessou a rua e sentiu um impacto. Doeu-lhe as costelas e bateu a cabeça fortemente no chão. Não ouviu os cochichos da multidão, não ouviu o som da sirene, não o viu passar buzinando, reclamando da falta de organização do trânsito.

" Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre."

As citações são de Vinicius de Moraes

Lisandra Lopes
Enviado por Lisandra Lopes em 13/04/2011
Código do texto: T2905540
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