Um Conto por Mabel - Parte I
Era já passada a meia noite, e ele iluminava seu rosto aflito com a lanterna, estávamos presos em uma espécie de túnel subterrâneo e eu não via nenhuma saída, para onde quer que eu olhava só via pedras limosas, umedecidas certamente pelo Tâmisa que corria ao lado, meus pés resvalavam em pedrinhas soltas e minhas mãos cobertas por finas luvas de renda carregavam o estritamente necessário.
Ele me mostrou o caminho e eu segui, não tinha mais tempo, não podia mais voltar atrás, tudo estava feito e o dia seguinte cuidaria de si mesmo. Caminhamos até uma saída de água cuja grade ele havia serrado e onde um coche nos esperava. Não tínhamos certeza, mas a aflição nos fez ouvir gritos de ordens e passos apressados a nos seguir.
Nunca se sabe qual o dia que virá amanhã, também aprendi que não podemos esperá-lo para viver. Em meus dezoito anos nunca antes havia sentido o vento em meu rosto, fui doente praticamente a vida toda e meus pais me cobriram de cuidados, fui considerada um milagre, afinal quem já havia vencido a morte? Quando completei dezesseis anos o duque, meu pai, cumpriu a sua promessa aos santos e me entregou ao convento para ali viver em consagração.
Meus pés sentiram a grama pela primeira vez naquele lugar, lembro-me de ter sido quase feliz ali, se não fosse o fato de que seria cerrada mais uma vez num hábito dentro de frias paredes. Ali novamente passei a contar as horas... nunca fui de muitos amigos, também nunca ninguém quis se contagiar com minha doença e menos ainda agora igualar-se a uma santa, à menina que sobreviveu à peste cinzenta. Um milagre ou milagrosa? Fui coberta de cuidados novamente e encarcerada na solidão.
Mas o melhor do amanhã é que você nunca sabe o que pode acontecer. E foi assim que o vi entrar uma vez pelo portão do convento, tão distante, tão diferente... ele acompanhava uma mulher, sua mãe fiquei sabendo mais tarde, e ela trazia um cesto com donativos, dizem que ela fizera uma promessa certa vez e desde então doa coisas ao convento. Eram as primeiras pessoas diferentes que eu vira no convento. Saltei sorrateira de minha janela para aproximar-me mais e poder vê-lo de perto.
Ele não falou muito, sua mãe entregou seus donativos e nesse momento não sei se por algum barulho meu ou pela intensidade de minha curiosidade, ele desviou o seu olhar para a minha direção e nossos olhos se encontraram uma única vez. Corri escada acima em direção ao meu quarto, era a primeira vez em muito tempo que eu via alguém tão jovem quanto eu, meu coração estava acelerado e sentia minha face queimar como se todo o meu sangue estivesse ali. Eu podia determinar com clareza os sentimentos que me assaltavam, eram os sentimentos de tantos livros que eu já lera...
Minha pequena aventura custou-me um sermão e dias a fio de espera para tornar a vê-lo, tão longa e tão agoniante que as vezes me sufocava. As irmãs não demoraram muito a perceber a minha falta de vocação, não pulava nenhuma oração, meus sentimentos para Deus eram de amor e temor, mas sobrava em mim o que faltava nelas, a curiosidade pela vida terrena.
A minha espera me fazia demorar horas a varrer os pátios para poder divagar com tranqüilidade, e foi numa dessas vezes que eu pude notar um pequeno bilhete escondido na janela da biblioteca de onde eu pulara naquela ocasião, que dizia:
“Estevam Philips, volto em dia de San Valentin”