Solidão da voz

“Eu não sei mais” estava estampado nos olhos dele. Quando ela o viu novamente, era a plenitude de um sono desconfortável, mas honesto. Ao contrário do dela, que sequer conseguiu pestanejar, só fez pensar, lacrimejar e, pela janela daquele quarto, ver o dia nascer. Sabia que, a partir daquele amanhecer, nada mais seria igual. Não foi.

O mundo real, das pessoas reais, bateu à sua porta assim que, ironicamente, aquele grandioso sol que ela vira aparecer, havia se deitado, como que perdendo o controle sobre seus pensamentos, tido até aquela hora da noite. As primeiras lágrimas, modestas, presas, tímidas. Ela, a desejar intensamente que uma enxurrada acontecesse naquele espaço de tempo. Que o corpo que a sustenta, tremesse, lamentoso, junto aos olhos, verdadeiros vasos despejando a água contida, derrubando as flores que estavam ali sustentadas.

Flores ao chão. Ela mesma as lançou, por mera vontade de vencer aquela beleza. Nada mais seria belo, esplêndido, como sempre fora. Haveria de ser a exceção da exceção para que recebesse a merecida atenção daquela moça que amava demais e já não gostaria de ser assim.

Sozinha, em seu quarto, enquanto a enchente seguia seu curso, saindo de suas cavidades oculares e seguindo até a altura do pescoço, tentava as conclusões, os pensamentos certos, as formas variadas de perceber todo aquele estímulo.

Sua vontade real era a de deitar e dormir até que aquela dor se desse por vencida. Até endurecê-la, na verdade. Isso, era exatamente esse o desejo da moça naqueles instantes. Endurecer para não mais sofrer por outrem. Não mais gostar demais. Não mais entregar-se até sua última enervação dada por vencida pelas sensações e sentimentos.

Finaliza aquela temporada de lágrimas com um pensamento inconclusivo e que recomeçaria outras problematizações: “Preciso mesmo disso?”

Seguido dele, seus músculos estremeceram, suas mãos pararam de tremer e o choro já parecia uma torneira mal fechada. Estavam ali as lágrimas, fazendo companhia a ela. Somente elas, seus pensamentos, sua música e seu corpo, entregue. Finalmente, os sinais que gostaria de receber, chegaram. Sinais de uma nova fase, nova era. Talvez não, por estar tão confusa acerca dela mesma e de seus limites.

Ao menos sabia que se inspirasse, naquele momento, o ar que entrasse por seus pulmões lhe pertencia. Era essa a chave, o que era e o que não cabia a ela.

Os olhos inchados. E a voz solitária, a gritar num eco emudecido pelo nó na garganta.

A descoberta da real e possível

solidão da voz.

Lorene
Enviado por Lorene em 18/03/2011
Código do texto: T2856780
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