O PODER DELAS
Estou dentro de casa e o ar está com um gosto salgado, o sal vai aquecer mais fora do que aqui dentro, convidando. Eu poderia jurar que dá para ver o mar da janela da minha casa. Eu não resistiria à vastidão do mar, e juraria que tem côcos e cervejas na geladeira, vinho no armário que eu poderia jurar que era de madeira. Acho que isto aqui é vontade, sobretudo. Vontade do que eu imagino. O que é inevitável, o que é também incontrolável é que eu agora com certeza só poderia pensar em ti, pequena. Sem medos ou anseios contra o que for.
Vem, moreninha, deita tua cabeça no meu peito, diz que gosta do meu cheiro e nota a diferença que tem quando chega na curva do pescoço para o começo do queixo. Agora eu, com cheiro de sabonete e mais tarde, depois de tu, pequena, dormir por uns minutos sobre mim, quando tivermos suado um pouco, o cheiro vai ser de mim mesmo. Do meu corpo exalando e exibindo instintivo o desejo pelo teu corpo, morena, e o teu corpo exalando também instintivo e sobrenaturalmente, disfarçadamente marinho o desejo pelo meu corpo, e eu vou descendo minha mão pelas tuas costas, encostando-se à renda da tua sainha, quase na tua bunda. Me beija, sereia.
O sol está mais lá para fora do que para dentro de casa e eu e tu dentro dessa rede pequena me faz pedir beijo. A música muda e tudo isso te deixa com mais vontade de me beijar. Eu quero beijo de língua, que nem criança que vai começando a deixar de ser criança e malina, descobrindo a sexualidade e descobrindo o que é beijar e descobrindo também que beijar é bom que só. Nossos corpos, mulata, são preguiçosos e só querem saber de nada saber e de pesarem um sobre o outro. Então, sereia, me beija mais, me beija de língua. Os teus medos e tuas preocupações só beberão mais e mais vinho, ficarão bêbados e cairão na gandaia, pois é carnaval e trocamos o violino pelo barulho de tambor que os nossos corpos causam em atrito forte e musicais. Eu vou esquecendo aos pouquinhos do tempo enquanto tu me beija, sereia, porque tu e apenas tu me faz assim. Nos nevantaremos e dançaremos tontos, cantarei coisas sem muito sentido, mas com um significado medonho. Cantarei desafinado, coisas como “Vida longa aos amantes!”, ou “Aos que tem sede de mais amor, mais dindins de côco queimado dados pelas mãos dos que se amam!”, e de repente terá cerveja e côco na geladeira, muito vinho no armário que, olha!, torno-se de madeira! Até as paredes se tornaram bege. O ar continua salgado, pequena. Me beija, morena. Isso, mulata, me toca, me provoca. De língua, sentindo o sal dos nossos corpos e de nossas dunas e árvores perdidas nos oásis de nossas curvas aquecidas de sol quente das três e meia, hora da preguiça. O sol continua lá fora, mas por dentro a gente se aquece, armando nossos próprios sóis.
Pois me beijando e andando e derrubando os móveis da minha casa, me mostra através da janela, que existe agora um mar vasto e abissal lá fora e com ondas gostosíssimas, sereia, me leva pro mar, me leva pra lá, me leva pro fundo, e me beijando, me prenda lá embaixo e não me deixe jamais voltar.
• Este conto bonito me foi passado por FRANCISCO TIAGO CASTELO.
Por sinal eu adorei.
TARTAY/Março-2011