NADA É POR ACASO
Sentados à mesa de uma lanchonete, Rogério e Carla conversam em frente à janela. Discutem detalhes do casamento. Ele é um jovem branco e alto; ela, uma bela morena, de estatura mediana. A noiva pergunta:
- Amor, já acertou o valor com o fotógrafo?
- Só depois que você me disser o que acha do trabalho dele, querida. – diz o rapaz.
Rogério entrega um envelope pardo à Carla.
- Deixa eu ver, amor.
- Umas fotos interessantes. Você vai gostar.
A morena abre o envelope, começa a passar as fotos uma a uma, surpresa, incrédula, com o que acaba de ver.
- Meu Deus! Isso não pode tá acontecendo comigo!
- É claro que pode. – responde serenamente.
As fotos reveladoras mostram Carla e o amante saindo de um hotel, num carro, em plena luz do dia. Ela tenta se justificar:
- Eu posso explicar, Rogério!
- E pensar que briguei com minha melhor amiga por sua causa...
Carla tenta segurar as mãos do noivo, mas ele evita-a.
- Deixa eu explicar...
- Explicar o quê, Carla? – mantendo-se calmo, completa - Ah, tá! Foi sua despedida de solteira; não é?!
Enquanto fala, a moça gesticula, nervosamente, passando as mãos no cabelo.
- Rogério, eu sei que errei com você. Fui uma fraca, mas me perdoe! Por favor! – implora.
- Como você pôde fazer isso comigo?!
- Me perdoe! – insiste.
O rapaz balança a cabeça negativamente. Profere a sentença:
- Não!
A moça põe-se a chorar. Rogério levanta-se, tira a aliança da mão direita, pousa-a sobre a mesa e sai.
Mais tarde, na rua, o trânsito está intenso. Ele corre pela calçada, tentando se esquivar dos pedestres. Olha o relógio de pulso, que indica 15h55min. Será que dá tempo?
Finalmente, no corredor de um edifício, Rogério, ofegante, toca a campainha de um apartamento, insistentemente. A porta é aberta por uma pequena e bela jovem branca, de cabelos compridos. Chamava-se Ana Flávia.
- O que você quer, Rogério?
- Primeiramente, lhe pedir desculpas.
- Só isso? Então, tchau. – sumariamente ela diz.
- Não; espere! Tem mais!
Ana Flávia tenta fechar a porta, mas é impedida por Rogério, que se coloca entre ela e o batente.
- Você tá me machucando, Ana. Deixe eu entrar.
A moça força a porta contra o corpo do rapaz.
- Eu não quero falar com você. Vá embora, Rogério!
- Ana, se realmente não quisesse falar comigo, não teria atendido à porta, quando me viu pelo olho-mágico.
A jovem larga a porta. Rogério entra e fecha-a. Vê algumas malas num canto da sala. A moça informa:
- Olha, não tenho muito tempo. Meu táxi já deve tá chegando. Então, fale rápido, fale logo!
- Não vá, Ana. Não faça essa viagem, por favor! – pede o rapaz.
- Me dá um bom motivo pra não ir.
- Eu terminei com ela.
- O quê?! – diz ela, surpresa.
- Eu terminei com ela. Olha, desculpe ter dito aquelas coisas. Você estava certa... Ela realmente tá tendo um caso. - explica.
- Pera aí! Pera aí! – começa o sermão - Quem você pensa que eu sou?! Acha que pode vir aqui, me pedir desculpas, dizer que terminou seu noivado com aquelazinha, na véspera do seu casamento, e simplesmente querer que eu deixe de viajar pra ficar com você?
- Bom, é que eu pensei que...
A moça interrompe:
- Você pensou?! Você pensa demais, seu idiota! – pausa e, já com uma voz doce, continua – Mas, desta vez, você pensou certo. Porque eu o amo!
Rogério e Ana Flávia caminham um ao encontro do outro e beijam-se apaixonadamente.
Seis meses depois...
É noite. Na sala do apartamento, a TV, ligada num canal qualquer, ilumina o ambiente. As fotos espalhadas no chão esboçam a silhueta de um casal.
Ana Flávia está sentada no sofá, por cima das próprias pernas, assistindo à TV. Passa, sensualmente, uma das mãos por entre os cabelos; depois, desvia o olhar para a janela. Com os olhos em lágrimas, olha a chuva que cai lá fora.
Na cozinha de outro apartamento, ouve-se o som de gotas d’água saindo da torneira e caindo na pilha de louça suja, que está na pia. Vê-se um jovem, moreno claro, alto, de cabelos curtos, sentado à mesa; ele come um sanduíche e bebe um copo de suco, desanimado. Seu nome é Flávio. Lembra-se da discussão que teve semanas atrás com a ex-namorada.
- Por que você sempre critica tudo?!
- Porque eu sou assim mesmo! – dia a ex.
- Você é uma pessoa muito difícil, sabia?!
- Então, por que continua comigo?! – ela interroga.
Com um olhar distante, o rapaz toma do suco e morde o sanduíche, o qual mastiga lentamente.
Dias mais tarde...
Observando as vitrinas das lojas do shopping center, Ana Flávia e Bianca conversam, caminhando lentamente.
- Como você tá, amiga?
Ana Flávia suspira:
- Tô indo! Mas vou superar.
- É assim que se fala, amiga! – tenta confortá-la - Não ligue, os homens são assim mesmo. Quando você menos espera, eles aprontam. E, quando menos esperar, vai aparecer um príncipe na sua vida.
Ana Flávia lamenta:
- Eu perdi aquela oportunidade no exterior por causa dele. Por que eu fui confiar no Rogério?!
Bianca, sempre positiva, diz:
- Olha, isso deve ter acontecido por algum motivo. Afinal, nada é por acaso.
Subitamente, ouvem o som do celular dentro da bolsa de Bianca. Ela abre-a e atende.
- Oi, amor! Tudo bem?! Ah, tô aqui no shopping, com a Aninha. Vem sim. Acho legal. Mas será que ele vem? Tomara. Tá bom; vamos ficar esperando. Te amo!
Era quase término do expediente. No escritório da empresa, Gustavo despede-se ao celular:
- Também a amo, meu amor! Tchau! Tchau!
Ele desliga o aparelho, animado. Levanta-se de sua mesa, abre a porta e vai para o corredor, por onde caminha apressado.
Em outro escritório, Flávio, com olheiras, em virtude das noites maldormidas, está sentado à mesa, relaxado. Olha fixamente para um pedaço de papel que tem nas mãos. De súbito, alguém bate à porta. Rapidamente, o rapaz dobra o papel e guarda-o no bolso da calça, ao mesmo tempo em que se ajeita na cadeira.
- Quem é? – pergunta ele.
Uma voz masculina responde:
- Sou eu, meu amigo.
- Entra, Gustavo.
O rapaz entra, dizendo:
- Cara, liguei pra Bianca. Ela tá lá no shopping com a amiga. É a sua chance de conhecê-la.
- Hoje não vai dar. Deixe pra próxima.
- Flávio, ela foi abandonada pelo namorado. O safado a deixou pra ficar com outra. Tá carente. Coisinha linda!
- Pô, Gustavo, tô com umas papeladas pra botar na mesa do chefe, amanhã cedo. – ele inventa uma desculpa.
O amigo senta-se numa cadeira em frente à mesa. Diz:
- Cara, tu já tá nessa há um tempão. Tá na hora de sair com alguém. – pausa e pergunta - Quer conversar sobre isso?
- Não, Gustavo; eu tô legal. Só quero dar mais um tempo.
- Acho que você tá é perdendo tempo, Flávio - adverte.
- As mulheres é que não gostam mais de poesia, Gustavo.
- Algumas ainda gostam, meu amigo.
Flávio completa, mostrando-se incrédulo:
- Será?
Gustavo levanta-se, aproxima-se do rapaz e dá-lhe um tapinha no ombro. E, antes de partir, diz:
- Bom, eu vou indo. Se mudar de ideia, me ligue.
Sem olhar para o amigo, Flávio acena positivamente com a cabeça. Gustavo sai.
No quarto do apartamento, insone, movimenta-se de um lado a outro da cama. Senta-se, passa as mãos no rosto e olha o relógio digital, em cima do criado-mudo, indicando 02h39min. Então, acende o abajur e, debaixo do relógio, pega o pedaço de papel, para o qual fica olhando. Flávio levanta-se, com o papel na mão, vai até a janela e observa a solidão da noite.
De manhã, já no escritório, Flávio, sentado à mesa, tira do bolso da calça o pedaço de papel. Olha para o mesmo e respira fundo. Decidi-se; pega o celular e disca.
- Bom dia! É que... É que eu gostaria de... Eu gostaria de marcar uma consulta.
Uma semana depois...
No corredor de um edifício, Flávio está de pé, em frente a uma porta com as inscrições “CONSULTÓRIO DE PSICOLOGIA”. Finalmente, decide tocar a campainha. Depois de alguns instantes, a porta é aberta por Ana Flávia. A moça faz o cumprimento:
- Olá! Tudo bem?
Flávio olha-a de baixo a cima e, encantado, sorri.
- Tudo... Tudo bem, menina!
Ana Flávia retribui o sorriso.
Copyright © 2009 by Fábio da Silva
Todos os direitos reservados