1968
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968, o povo nas ruas.
Tanta confusão de um lado e do outro que Ariovaldo não sabia pra onde ir.
Era um moço bom, criado no interior de Minas gerais, e estava chegando ao Rio de janeiro, atrás de uma proposta de emprego, ficara deslumbrado com o mar, com o movimento das ondas, com todo aquele azul sem fim.
Como nem tudo são flores, Ariovaldo não esperava encontrar tanta confusão no centro do Rio de janeiro, pensava que iria encontrar o samba na lapa, Ipanema cheia de garotas de Ipanema, e poder deslumbrar toda a beleza natural daquela cidade, mas o que Ariovaldo descobriu foi tal de revolução provocada pela imprensa marrom que Ariovaldo nunca tinha ouvido falar na cidade de Carangola.
O som das bombas atiradas pelos soldados era ensurdecedor, e Ariovaldo se tremia todo, quando os tanques avançavam em direção aos estudantes, que atiravam pedras contra os militares, Ariovaldo levava as mãos a cabeça e pensava:
”Esse trem vai esmagar todo mundo”
É a vida dos jovens no ano de 1968 não estava nada fácil, e Ariovaldo estava ali, no meio daquele turbilhão de emoções e acontecimentos.
Ariovaldo tinha 23 anos, sonhava em ser advogado, e encher de orgulho a família mineira, que sempre trabalhou na roça, Ariovaldo havia sido o primeiro membro da família a viajar para a capital para estudar, era um sujeito até bem afeiçoado, apesar de bem magro para seus 1,86 de altura, usava o cabelo como as roupas, bem engomados e alinhados, havia aprendido um pouco de inglês com um gringo que havia aparecido em sua cidade, e achava que aquilo bastava pra se dar bem na cidade grande, mas o que Ariovaldo encontrou, foi uma cidade de cabeça pra baixo.
Além do sonho de se tornar um advogado, Ariovaldo carregava em sua mala os sonhos de sua mãe, que era que na cidade, ele conhece-se uma linda moça, de preferência normalista, casasse e levasse pra viver em Carangola, teria que ser uma moça católica praticante, e com um desejo grande de ser mãe, a mãe de Ariovaldo queria muitos netos, e achava que se Ariovaldo casasse com uma moça com estudos, as chances dos netos serem inteligentes seriam maiores, e quem sabe um dia ela não teria um neto presidente da república, ou cantor, que pra dona Eulália, também precisava ser muito inteligente pra cantar.
Mas foi ali, em meio a Av. Passos que Ariovaldo avistou pela primeira vez o amor de sua vida, ela era linda, mas era um pouco diferente do que a dona Eulália sonhava para Ariovaldo, seus cabelos não eram penteados como o das normalistas, seu cabelo era meio que emaranhado, e Ariovaldo sonhou em se enroscar naqueles cabelos, a pele não era alva como a neve, era morena, queimada de sol, mas combinavam com os cabelos de um amarelo queimado também, o vestido rosa de cetim dos sonhos de dona Eulália, haviam sido substituídos, por uma camiseta branca e saias longas estampadas que iam até o pé, e cobriam parte da sandália rasteira de couro cru, mas para Ariovaldo, ela era mais que uma miragem.
Ariovaldo deixou de lado sua timidez e se aproximou da moça, queria saber seu nome, queria ouvir sua voz.
A moça respondeu:
_ Me chamo Mary Jane.
Ariovaldo amou o nome, achou-o perfeito, a cara dela, mas estranhou o sotaque da moça para um nome tão inglês.
Ela retificou.
_ Eu nasci Maria Joana, lá em Maceió, mas agora sou Mary Jane, e é assim que quero continuar sendo daqui pra frente, e você? Como se chama?
Ele respondeu:
_ Ariovaldo Guimarães, sou de Carangola - Minas gerais.
Ela riu e comentou:
_ precisamos arrumar um nome de guerra pra você, Ariovaldo não combina com nada...
Ariovaldo achou graça do comentário.
E Mary Jane concluiu:
_ De hoje em diante, tu se chamará BOB
Ariovaldo indagou:
_ Bob?
Ela riu, e disse:
_ quer queira, quer não queira, vem com a gente.
E saiu puxando Ariovaldo em meio à multidão de jovens que protestava contra o regime militar no Brasil.
A turma que acompanhava Mary Jane eram todos desarrumados, mas em suas camisas e faixas pediam somente a paz e o amor, e vendo a violência disparada pelos militares em cima de jovens tão inocentes que queriam apenas sossego, Ariovaldo que já atendia como bob, começou a se misturar e a gritar pela causa, com os olhos fixados em Mary Jane, havia esquecido até do por que de estar ali no centro do rio, esqueceu até que tinha que encontrar uma pensão pra ficar, e que Mary Jane, não era a normalista dos sonhos de dona Eulália, quando escureceu, Ariovaldo, decidiu se despedir de Mary Jane queria saber onde a moça morava para acompanhá-la pelo menos até o portão de casa, e Mary Jane respondeu:
_ Sou livre Bob, livre dessas amarras sociais, pra que ter um endereço, pra que ter um lugar pra voltar, se deus nos deu esse Céu lindo e podemos dormir olhando as estrelas.
Ariovaldo olhou para o céu e fingiu entender o que Mary Jane falava.
Mary Jane foi puxando-o pelo braço até o ônibus em que ela estava com seus amigos, ou companheiros como ela mesma os intitulava.
“Quando passavam pelas ruas Ariovaldo ouvia comentários externos:” esses hippies, são uma cambada de vagabundos, não querem trabalhar e ainda aderem ao protesto anti militarista”!
Então era isso que eram os hippies? Ariovaldo já havia ouvido falar neles lá em Carangola, mas achava que eram simplesmente vândalos, e não pessoas de bem que lutavam por um mundo mais justo, pelo amor livre, e por haver uma sociedade sem correntes presas ao pé.
Naquela noite, Ariovaldo decidiu ficar perto de Mary Jane, aonde quer que ela fosse, seria o melhor lugar pra ele, e como estava quente no trailer em que dormiam Mary Jane, convidou Ariovaldo para dar uma caminhada, e foram até a beira da praia, andaram e deitaram vendo as estrelas, Mary Jane o beijou e fez amor com ele, ali mesmo, e Ariovaldo amou aquele jeito dela de viver, e de ser livre.
Ao amanhecer quando voltaram ao trailer, viram um movimento estranho ao redor, de policiais e militares, Ariovaldo que estava mais arrumadinho, pediu a Mary Jane que ficasse a distancia, observando que ele se aproximaria e descobriria o que estava acontecendo, ao se aproximar de um soldado, descobriu que todos que estavam no trailer haviam sido presos por desordem, e Mary Jane e Ariovaldo só escaparam por terem ido caminhar na praia.
Ariovaldo voltou e contou tudo a Mary Jane, que desabou de chorar e nos braços de Ariovaldo disse:
_Desde quando, pedir paz, amor e liberdade é desordem? Odeio esta sociedade e suas regras.
Ariovaldo sentiu pela primeira vez, revolta em seu peito, decidiu que não seria mais um seguidor de ordens patéticas que aplicam a violência em cima de quem prega a paz.
Decidiu deixar de lado as gravatas e as calças com vinco, decidiu seguir Mary Jane até um lugar em que diziam que ainda era possível viver sem a opressão da sociedade dominada pelo militarismo.
Caçaram no mapa, e descobriram Mauá, e lá se foram, viver da caça, da pesca e dos artesanatos, longe da poluição, longe das armas e dos tanques de guerra, livres para amar aonde quisessem, sem ser incomodados, e lá encontraram outros hippies, e criaram uma sociedade, organizada e baseada em cima de paz, amor e respeito à individualidade de cada um, no início, dona Eulália estranhou a decisão de Ariovaldo, principalmente por que ele havia deixado o sonho da vida inteira de ser advogado, simplesmente por ter uma horta no quintal de casa, coisa que ele já tinha em Carangola, mas quando viu pela primeira vez o olhar do filho para Mary Jane, pode entender que o filho havia feito a melhor das escolhas.
Hoje, mais de quarenta anos depois, Dona Eulália, já não pertence mais a este mundo, mas em Visconde de Mauá, interior do rio de janeiro, Mary Jane e bob, continuam felizes, não vivem mais de artesanato, possuem uma pensão aconchegante e que serve a melhor comida orgânica da região, seu sonho de uma sociedade de paz se realizou, mesmo que o progresso tenha chegado, a raiz daquela cidade continua hippie, e continua semeando amor entre os visitantes; Dos seus onze filhos, somente cinco continuaram em Mauá, mas todos vivem em paz e pregam o amor e a fraternidade no mundo.
Ás vezes os caminhos que a vida nos leva, são caminhos que nem nós mesmos imaginamos, mas com certeza, quando deixamos a vida seguir seu curso, é quando encontramos nosso verdadeiro eu e nossa felicidade plena.
Como diriam Mary Jane e Bob: “Viva a vida plenamente, e busque ser feliz sempre”