Sra. Xavier Primeira Carta – Janeiro de 1945
Ó, minha querida Ana... Quanto tempo... O quanto ficamos sem nos comunicar.
A guerra lá do outro lado do mundo. Fiquei com receio de que ela pudesse chegar até aqui e acabasse com todos nós. Nossos Pracinhas estão ajudando os aliados, não sei se isso é admirável, condeno qualquer ser confrontando um ao outro para defender interesses de maiorais.
Há quanto tempo, meu doce, dois anos? Sim, dois anos que deixamos a nossa escola católica, nos abraçamos, choramos, declaramos nossa eterna amizade e nos despedimos.
Dois anos sem me comunicar com você, até que no ultimo final de semana recebi sua carta, carinhosa, saudosa e cheia de ternura.
Ah, Ana se soubesse que sua amada amiga é hoje senhora casada, aposto que vai rir de mim, sim! Querida me casei, faz um ano com um advogado. Um homem bom e amante. Não tenho do que reclamar dele, a não ser de um problema, mas não quero falar disso agora.
Não estou mais em São Paulo como você acabou de descobrir pelo endereço que minha mãe lhe passou, estou em São José dos Campos, uma cidade do Vale do Paraíba, fica perto de São Paulo, uma hora mais ou menos. Meu marido nasceu e vive aqui e por isso tive que mudar pra esta cidade.
Bem, estou aqui há um ano, pois casei aqui. Desculpe por não tê-la convidada, mas não tinha como. Espero que me perdoe.
Há tantas pessoas boas nesta cidade! Conheço pouca gente, e saio pouco, vou apenas a festas de amigos e clientes do meu marido. Vivo mais em casa lendo romances. Acabei de comprar a coleção de livros do Stendhal e passo a maior parte do tempo lendo, escuto óperas e operetas.
Mas quero voltar lá trás, no tempo que me despedi de você e retornei para minha casa para encontrar mamãe, papai e meu irmão.
Como você já sabe, a irmã Joelma me levou para minha casa. Não sei se poderia chamá-la de “minha casa”, fiquei tempo demais na escola. Quando entrei tinha onze anos e ao sair estava com dezoito. Muito tempo. Você também Ana, entrou pequena... Quero dizer saindo da escola eu me deparei com um mundo novo, estranho na verdade. Estava acostumada com o mundo interior da escola que ao andar dentro do automóvel e ver um mundo que não conhecia tremi assustada e pulei nos braços da irmã Joelma. No momento nem percebi o que fiz, só depois percebi que minha reação era de uma menina de dez anos. Posso confirmar que foram essas mesmas palavras que a irmã Joelma falou. Ainda vejo sua expressão de descontentamento e me fazendo se comportar no banco do automóvel.
Senti medo, medo do mundo novo que depois disso fechei os olhos para não ver nada, fiquei assim até que o automóvel parou em frente à casa dos meus pais.
Despedi da irmã Joelma cheia de lagrimas, ela me beijou na testa e me deu um terço e eu permaneci parada com a mala do lado, vendo o automóvel sumir.
Minha mãe apareceu, tão diferente daquela mulher que me levou e me deixou na escola. Ela me abraçou, me beijou varias vezes, me perguntou se eu estava bem dez vezes e só depois entramos em casa.
Todas as coisas que eu ainda lembrava tinham mudado, tudo estava diferente e me senti como verdadeira estranha.
Papai não estava e mamãe me levou ao meu novo quarto, todo decorado pra eu receber.
Minha mãe mandou tomar banho e em seguida almoçar, ela saiu deixando-me sozinha olhando as paredes.
Ó! Como senti na pior das angustias... Tive vontade de sair correndo, sair na rua para voltar para escola.
Espero que não tenha passado pelo mesmo constrangimento e que não ria de minha vergonha.
Tomei banho e almocei. Perguntei do meu irmão e minha mãe disse que ele estava na faculdade. Meu irmão estudava para ser medico e só voltaria à noite, papai também.
Passei a tarde inteira no meu quarto, escrevendo sonetos depois minha mãe chamou avisando que meu irmão e meu pai haviam chegado.
Não conhecia meu irmão bem, ele é mais velho, um homem feito. Era alto, magro, cabelo curto, tinha bigode, um homem galante.
- Então essa é a garotinha que nos deixou?
Disse abrindo seu sorriso. Logo em seguida abriu seus braços.
- Seja bem vinda, irmã!
Ele me abraçou forte e eu me emocionei.
Depois foi meu pai, ao vê-lo tão diferente diante de mim me espantei. Meu pai tinha cabelos brancos, seu corpo tinha ganhado peso, ele estava mais velho, porem seus olhos esverdeados era os mesmos, sempre comentava com você os olhos do meu pai, cheio de brilho.
- Vem cá querida, também quero um abraço! – Disse meu pai.
E nos abraçamos.
Após jantarmos eu contei o que fazíamos na escola, meu irmão contava muitas piadas na qual riamos bastante, cansada pedi permissão para subir ao meu quarto, beijei meu pai, beijei meu irmão e mamãe subiu comigo.
Dentro do quarto eu e ela tivemos uma pequena conversa.
- Que bom você está aqui. – Disse ela apertando minha mão.
- Eu estou feliz mamãe, apesar de estar assustada.
- Tenho que revelar que eu e seu pai temos proposta para sua vida...
E eu apenas fiquei escutando o que minha mãe falava.
- Não é uma proposta ruim, você virou uma mulher bonita, atraente por sinal e não queríamos que ficasse sua vida inteira dentro de uma escola de freiras. Eu e seu pai queremos que você construa a sua família e para isso acontecer precisa estar casada. Nós decidimos e escolhemos um homem digno, respeitoso para ser seu marido.
Ah, Ana... Neste momento meu coração bateu ligeiro, receber a noticia que haviam encontrado um escolhido para se casar, me deixou desanimada. Escutei minha mãe, seu argumento, o motivo, no fim perguntei quem era o escolhido e minha mãe disse que ele viria nos visitar. Este escolhido que depois virou meu marido era afilhado de meu pai. Ele era advogado como meu pai.
Concordei com minha mãe se era para minha felicidade que meus pais desejavam que eu casasse, aceitei de bom grado.
Semanas depois, meu escolhido veio nos visitar. Não sei se ele gostou de mim pela primeira vez, no entanto de minha parte me encantei com seu jeito, sua beleza, sua voz, tudo.
George. Este é o nome de meu marido. Elegante, robusto, olhos pardos, o cabelo claro, o rosto grosso, usa bigode, tem a minha altura e muito galante.
Conversamos muito e no dia seguinte marcamos para sair.
Saímos e dei meu primeiro beijo. Foi uma sensação estranha, um estranhamento que desce por todo seu corpo, é uma sensação gostosa de sentir.
Declarei a minha mãe que eu estava apaixonada, que George sentia o mesmo por mim. Papai disse que eu estava fazendo a coisa certa, George era o esposo que eu precisava.
E um mês seguinte ficamos noivos e nos casamos.
Como George morava e tinha um estabelecimento em São José dos Campos tive que me mudar e aqui estou morando, feliz com meu marido.
George é um advogado respeitável nesta cidade, é solicitado para cuidar de muitos casos, não há alguém que não procure para ajudar e ele vence.
Aí está minha doce Ana, deve estar alarmada com que acabou de ler... Sua amiga é uma mulher casada.
E você amiga o que fez neste tempo que ficamos separadas?
Quero que me relate tudo sem esconder nada.
Adeus querida, vou esperar sua resposta.
(Letícia)
Continua...