MULHER GUERREIRA

Olhando para todos os lados, ela consegue contemplar o salão de festa iluminado e decorado com esmero por uma equipe de profissional zeloso e competente. Todas as mesas estão repletas, as pessoas conversam e riem. O clima é de festa.

Seu filho está ao lado de uma morena, cujos olhos brilham qual estrela no céu, em noite de verão. Olhos que brilham qual estrela... Essa frase lhe trouxe uma lembrança incômoda, ferina.

Ela tinha apenas dezoito anos. Conhecia a vida pelo que via através do buraco da fechadura. Alienada, sonhadora, romântica ao extremo... Menina toda. Ele, homem vivido, culto, cheio de pose, orgulhoso, ambicioso e de uma beleza que incomodava. Parecia perfeito. Porém, cheio de capas que foram sendo largadas, após uma semana de casamento.

Casamento. Como mandava o figurino. Véu e grinalda. Casa cheia, bolo de noiva, cama cheia de presentes, quintal espirrando de gente. Comida sobrando. Era um sonho que se realizava. Seus pais se sentiam realizados. Ela havia sido o modelo de filha que todos os pais desejariam ter.

O clima de festa durou pouco. Ele transformara-se num príncipe sapo, asqueroso, violento, mesquinho, intolerante. Quando soube que ela estava esperando um filho, lançou a proposta indecente:

- Não nasci pra ser pai. Além disso, quero mulher cheirando vinte e quatro horas, à disposição e livre pra voar comigo. Se vier filho... A mulher fica feia, cheirando a fraldas sujas e vômito, as pregas aparecem, os cabelos em desalinhos. Não! A escolha é sua. Ou tira a criança e fica comigo ou então fique com o bruguelo e tchau... Até logo! Esqueça que eu existo. E diga pra ele que o pai dele morreu.

As lágrimas não conseguiam apagar aquela dor. Mas precisava ir em frente, viver... Decidiu pelo filho e ficou só. Longe dos pais e de todos, foi ganhar a vida com o que lhe vinha às mãos. Lavou, passou, fez faxina. Foi pai e mãe. Para hoje está ali, vendo seu filho rodeado de amigos, recebendo anel no dedo, e de cabeça erguida como um vencedor... Foi preciso uma longa estrada e muitos sonhos pisoteados e desfeitos.

O príncipe desapareceu. Longe dali, ele fez família, cresceu na vida, pagou bons estudos para os ‘verdadeiros filhos’. Viajava pelo exterior, freqüentava altas rodas, era famoso e adulado. Vivia na vida que pedira a Deus. Quanto a ela, não tivera tempo para pensar na sua vida. Seu tempo era para trabalhar, dormir... Dormir e trabalhar.

Naquele dia tinha motivo para sorrir, mas, sem que se desse conta, seu semblante decaiu, uma lágrima teimosa desceu sobre a face pálida. O filho de longe percebeu que sua mãe sofria. Largou o grupo que lhe cercava, apressou-se a sentar ao lado daquela que por ele lhe dera tudo. Colocou sua mãe de doutor sobre aquelas mãos ressequidas e cheias de veias. Inclinou sua cabeça sobre aquele ombro cansado e aquele coração solitário ouviu dos lábios do filho querido:

- Minha mãe tudo isso que está acontecendo hoje é resultado do teu esforço e de muitas renúncias que tiveste que fazer. Se tiveres vontade de chorar chore por ter conseguido. Se chorares de dor, essa festa não terá sentido. Mãe! Só poderei galgar os degraus que me esperam se a senhora estiver do meu lado recebendo os mesmos aplausos que forem dirigidos a mim.

- Está certo, filho. Você tem toda razão. Não é agora que vou desistir. Vamos pra perto daquela morena de olhos de estrelas? Ela é uma boa moça, e espero em pouco tempo embalar nos meus braços uma miniatura sua. Eu te amo, filho. Parabéns. Você venceu.

- Não, mãe. Nós vencemos.

Virando-se pra multidão, pediu um minuto de atenção e com voz embargada fez publicamente a declaração que sua mãe merecia.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 08/03/2011
Reeditado em 08/03/2011
Código do texto: T2835247
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