A beleza dos teus olhos
Deitado em sua cama, refletindo, ele agora não podia acreditar. Nunca tinha acreditado em amor a primeira vista. E, justo agora, quando menos precisava de uma paixão, ela simplesmente esbarrara nele? Tudo acontecera muito rápido. Um passeio, uma caminhada com os amigos, um menino sai correndo do vestiário e tudo mudaria dali então. Quem poderia imaginar?
Ele estava andando, acompanhado pelos amigos, em direção à saída do parque. Já havia recolhido suas coisas, e grande parte delas tiveram que ficar em suas mãos, pois a mochila que trazia nas costas já estava lotada. Não pensava em nada especial, os amigos falavam coisas desconexas. Sua atenção não estava voltada a nenhum ponto em específico. Apenas estava ali, voltando para casa, após um cansativo e divertido dia. Foi quando passava em frente ao vestiário masculino, do qual há não muito tempo atrás saíra, que fixou forçadamente seus pensamentos em um único ponto. Ou melhor, dois. Dois lindos olhos, ciano, suplicantes, atordoantes, oblíquos e um tanto dissimulados. Ele não sabia o que era oblíquo, mas dissimulado ele sabia.
Aqueles olhos simplesmente saíram correndo em outra direção, justo no momento em que ele passava. O encontro foi um desencontro, por assim dizer. O garoto esbarrou nele e ambos caíram instantaneamente no chão. Tudo o que ele tinha nas mãos seguiu o mesmo destino, espalhando-se em volta deles. Os dois, estatelados naquele piso frio, não fizeram nada, por alguns segundos. Segundos suficientes para poderem olharem um para o outro e mergulharem de cabeça por entre aquelas janelas da alma. Era um momento sublime, mas nem todo o momento sublime é eterno.
O garoto tinha um timbre de voz doce, aveludado. “Desculpe, eu não queria causar isso” e “Não tem problema, isso acontece” foram as únicas palavras que trocaram. Embora poucas, foram suficientes para causar conflitos e desejos. As coisas de ambos haviam se misturado no chão. Pouco importavam os objetos, ele não queria levantar-se. Contudo, foi obrigado; não ia ficar ali sentado olhando para o menino pelo resto da vida, embora esse fosse seu desejo. Enquanto se recompunha, percebia que seu colega de tombo estava recolhendo todas as suas coisas, separando o que era dele e seu, e devolvendo-lhe o que lhe dizia respeito. Ele não queria que o menino terminasse, pois sabia que, depois que ele lhe entregasse todas as suas coisas, iria embora e a possibilidade de voltarem a se ver era nula. O menino finalmente terminou e, com um olhar suplicante, fez seu pedido de desculpas.
O garoto foi embora, mas deixou seu olhar marcante tatuado nos olhos dele. Ambos olharam para trás quase que sincronizadamente, e ficaram sem jeito vendo que se olhavam tão carinhosamente.
Nunca voltariam a se ver, e, confuso, ele não sabia se o menino havia passado pela mesma sensação. Uma das amigas comentou com ele que grandes histórias de amor iniciavam assim. Era apenas uma sátira, mas ele não sabia direito se não seria uma verdade. Sabia apenas que adolescentes homens, naquela idade, não costumavam ser tão educados e solícitos. Isso foi o que mais o impressionou, depois dos olhos. Os olhos... Os oblíquos e dissimulados olhos ciano.
Eram nestes olhos ciano que estava agora, deitado em sua cama, pensando. Sabia claramente o que deveria fazer; esquecê-los, pois não voltaria a ter um relance deles novamente. Seu computador soltou um ruidoso 'bip', e sua reflexão apaixonada foi quebrada pelo som. Levantou-se e foi até a escrivaninha. Havia recebido um novo e-mail. Ao abrir a mensagem, sentiu uma mistura de esperança e júbilo. A chama que ele tentava apagar cresceu novamente, e oscilou dentro de seu peito.
“ Desculpe-me pela invasão, mas quando nossas coisas se misturaram, um documento seu ficou junto das minhas coisas e estou com ele aqui. Com seu nome, busquei você na internet e descobri seu e-mail. Estou enviando isso para marcarmos algo e eu poder entregar-lhe o documento. Sei que sou um desconhecido, mas me sinto na obrigação de devolver o tal documento, pode lhe ser útil...
Certo, não sei mentir e esconder o jogo. Não é por causa do documento que estou escrevendo. É pelo fato de ter percebido claramente nossa troca de olhares em meio àquela confusão. Não sei onde estou com as idéias, mas o fato é que ainda estou vivendo aquele momento. Pode ser coisa da minha cabeça, mas resolvi tentar, ou morreria com a aflição. Espero uma resposta.
Deus, não acredito que fiz isso. Me desculpe se estou sendo invasivo.”
Ele não precisava de mais nada. Apenas clicou apressado no link 'nova mensagem' e escreveu o mais rápido que pôde. Tudo o que precisava ouvir estava ali, naquele e-mail recém chegado. Ele confirmou então que o comentário que sua amiga tinha feito poderia ser verdade. Grandes histórias de amor começam assim. O amor tem dessas coisas. E essas coisas são belas, tão belas como os olhos ciano que voltaria a vislumbrar em pouco tempo.