BEIJOS PARA LÍVIA
BEIJOS PARA LÍVIA
(Maria sabia que aquela criatura necessitaria de sua companhia. Tão indefenso! Não alcançava a medir dois centímetros, mas o pulsar de seu coraçãozinho demonstrava que estava vivo e já fazia o sangue circular por seu corpo. Já podíamos ver seus pequeníssimos braços, pernas, mãos e pés.)
Ao chegarem a casa, depois de uma manhã cheia de trâmites, papéis e documentos, estavam felizes, radiantes. Depois de tantos anos de espera finalmente conheceriam o sabor e a responsabilidade da maternidade e paternidade. A possibilidade da chegada de uma criança naquela casa foi motivo de profunda alegria para toda a família. Avós, tios, primos, amigos, todos queriam aportar com seus conselhos e experiências. Paulo e Andréia se inscreveram num curso de preparação de futuros pais porque desejavam empapar-se com esse mundo de mamadeiras, talcos, fraldas, sopinhas e cremes contra assaduras. Finalmente esse mundo a dois se estenderia a três.
(Maria fez cócegas em seus pés. Agora já se podia ver claramente. Era uma menina e com uma carinha de quem seria bem sapeca. Era preguiçosa, gostava de dormir o dia todo. Se estirava inteira e voltava a descansar em seu sono. Sua boca e seus dentinhos já demonstravam o quanto seria uma faminta de leite e teria bom apetite.)
Será uma menina! Felizes comemoraram que aquele lar seria adoçado com a feminidade e a ternura de outra mulher. Começaram a escolher a decoração do quarto da neném. Lilás! Esta será a cor de seu dormitório porque simboliza a espiritualidade, a arte e a cultura. Lívia será seu nome, em homenagem a avó paterna de Paulo.
Paulo e Andréia decidiram que não contratariam nenhum profissional para a elaboração daquele projeto. Tratava-se do quarto dessa filha tão desejada e tão esperada. Qualquer esforço nunca poderia refletir o tamanho da alegria que sentiam. Ambos começaram a realizar as tarefas de colocação do piso, pintura das paredes, eleição dos móveis, e todos os detalhes para que este quarto simbolizasse esse período de gravidez. Andréia viveu o período de gestação a sua maneira: lançando-se a confeccionar as cortinas, o protetor do berço e bordando algumas colchas em patch. Criaram um ambiente delicado, aconchegante, sem exageros visuais, marcados pelo branco e um tom de lilás bem suave. Bonecas de pano nas prateleiras não puderam faltar.
(Maria já sabe que seu nome será Lívia. Estava preocupada pelas condições de saúde daquela menina. O peso e o tamanho não estavam muito bem porque seu organismo não tinha recebido suficiente alimentação. A falta de maturação de seu pulmão a tinha deixado um pouco frágil. Doutores! Essa menina precisava que um médico estivesse alerta ao seu caso. Acariciou-lhe seu rosto para dar-lhe um pouco de alento.)
De um dia a outro, o quarto de Lívia transformou-se numa verdadeira loja de roupas e brinquedos. Bonecas, mantas, meias, casaquinhos, vestidos e lençóis brancos com detalhes bordados de flores. Paulo e Andréia saboreavam aqueles momentos ao som de suas canções de The Beatles. Paulo já adverte que Lívia terá que gostar dos Beatles e Andréia diz que a menina terá que ouvir a Mozart. Mas qual a relação de um com outro? Mozart para acompanhá-la em seus doces sonhos e Beatles para que dance no meio da sala, como Cinderela, movendo-se com seus sapatinhos de cristal.
(Maria ficou tranqüila porque Lívia recuperou-se e já se sentia um pouco melhor. Percebia-se que estava mais gordinha, pesando quase dois quilos. Já começava a dar seu ar de moleca travessa mexendo-se sem parar. Dedo na boca, menina? Permitido só porque você estava aqui dentro. Lívia gostaria de escutar a voz de seus pais, mas fazia muito silêncio. Sentia frio, muito frio. Maria lhe sorri e lhe tapou com uma manta.)
Chegou o dia do chá-de-bebê. Aquela casa transformou-se numa verdadeira loucura de mulheres histéricas. Brincadeiras, jogos, presentes, docinhos, salgadinhos, um bolo e muita alegria. Andréia se sentia acompanhada por aquelas amigas que também sofreram com ela esse longo processo de espera para ser mãe. Engravidar parecera ser um acontecimento óbvio, natural, parte da natureza de todas as mulheres. Isso é o que diz Wikipédia, a vida, mostra outros caminhos.
(Maria tentou convencê-la que esperasse duas semanas más, no entanto, Lívia era teimosa, posicionou-se com sua cabecinha porque desejava conhecer o mundo, conhecer a seus pais. Apesar da companhia de Maria, Lívia se sentia sozinha, necessitava do beijo da mamãe.)
Andréia atendeu ao telefone e ficou paralisada. Ligou imediatamente ao trabalho de Paulo e o avisou que teriam que encontrar-se lá mesmo no Hospital. A equipe médica já tinha preparado tudo para a realização do parto porque algo não estava bem. Andréia estava tão nervosa, que ao sair de casa, quase se esqueceu de levar o Bolso de Maternidade.
Paulo e Andréia se encontraram na frente do Hospital. Entraram correndo como loucos pelos corredores. A Assistente Social os esperava.
- Você trouxe o Bolso de Maternidade?- perguntou-lhe Bernarda.
- Sim, Bernarda, está aqui- respondeu Andréia.
- Então vamos rápido!
Andréia, Paulo e Bernarda se posicionaram atrás do vidro da sala de espera.
(Chegou a hora de receber a Lívia. Maria preparou o estábulo. Com um pouco de palha acomodou a cabeça daquela senhora e ao lado do doutor, ajudou a sustentar a cabeça da menina quando a retiraram daquele ventre progenitor. Nasceu com baixo peso e problemas pulmonares, necessitou de alguns cuidados especiais. Maria beijou-a no rosto, tomou seu pequeno e frágil corpo e a acomodou na manjedoura. Pronto estaria bem).
Uma enfermeira abriu a cortina do vidro da sala de espera e fez um sinal com as mãos para que Bernarda e o casal se aproximassem. Lívia, um pouco pálida, estava num pequeno berço. Andréia e Paulo se abraçaram: depois de seis anos de tratamentos de fertilização assistida e três anos de espera para a adoção, finalmente havia chegado o momento de serem pais.
- Bernarda, quando poderemos levá-la para casa?
- Andréia, tenha um pouco mais de paciência. Você sabe que há alguns procedimentos legais que devemos obedecer. Fique tranqüila, em poucos dias Lívia já poderá estar em casa com vocês.
- Bernarda, eu estou muito preocupada. Quem protegerá e cuidará de minha filha durante esse tempo?
(A menina esboçou um sorriso porque pôde finalmente ouvir a voz de seus pais. Maria tinha que amamentá-la porque estava muito faminta. Seguiria acompanhando aquela garotinha até que pudesse ser entregue a sua mãe.)
Nota: Inspirado em muitas, muitas, muitas histórias reais.