Os Teimosos do Reino (Parte 1)

Ela não conseguiu deixar de olhar aquele rapaz que por trás do seu belo violão preto parecia tão desenvolto. Ele não ria enquanto tocava, mas seu rosto permanecia relaxado, tranqüilo, deixando revelar um certo orgulho por estar ali, naquele pequeno palco tocando seu reluzente violão negro.

Era a primeira vez que ela ia ao Festival da Lua Cheia. Morava no Espírito Santo e estava visitando o tio.

Os festivais da Lua Cheia já virara tradição na comunidade do Vale do Sol. Eram organizados por um grupo de amigos bastante peculiar chamado os Teimosos do Reino. Aconteciam uma vez por mês sempre em um dia de lua cheia, por isso o nome festival da lua cheia. Havia apresentações teatrais, musicais, poéticas e quaisquer outras expressões artísticas que alguém “desse na telha” de apresentar. E nada era combinado com antecedência: os festivais eram espaços abertos para a livre expressão dos artistas do bairro do vale do Sol.

O Grupo Teimosos do Reino era um grupo peculiar, assim como tudo naquela comunidade de nome também singular. Era composto por dez figuras impares e idealistas.

Alexei era instrutor de piano e dava aula para crianças. Tinha idéias ultra-revolucionarias assim como seu pai que lhe deu o nome Alexei em homenagem a um revolucionário russo que lutou na Revolução Russa de 1917. Era obcecado por Beethoven e também compunha algumas musicas instrumentais para piano.

Carsom era poeta. Tinha um talento extraordinário para escrever poesias. Era também um grande romântico sonhador e amante da verdade, tinha coragem de dizê-la a quem quer que seja sem nenhum medo de retaliação. Já enfrentara vários conflitos por causa de sua coragem e ainda assim não hesitava quando tinha que dizer a verdade mesmo que fosse a sua verdade.

Jader talvez fosse a figura que, aparentemente, mais destoava das outras daquele idiossincrático grupo. Ele era executivo de uma empresa multinacional que se estalara na cidade. Todos os assuntos de ordem prática do grupo eram de sua responsabilidade: copias de textos, locais para eventos, etc. Sua simpatia era contagiante!

Joaquim era comunista convicto. Muito recatado, porém tinha o dom da oratória, contudo, não era muito afeito a discursos. Tocava violão com maestria e também compunha algumas musicas. Joaquim era o tipo que defendia com paixão as suas idéias, seria capaz de doar a sua vida pelo que acreditava ser justo. A solidariedade e a humanidade também eram algumas de suas marcas, mas o que realmente lhe distinguia era a consciência que tinha de se mesmo e do que ocorria a sua volta. Também era escritor.

Luíza era a alegria que contagiava todo mundo, mediava os conflitos, quando havia algum, além de ser a diplomata do grupo. Bela e maleável conseguia tudo o que desejava com seu jeito meio sério, meio sedutor. Aliás, ela sabia ser sedutora. Porém sabia exatamente até onde podia ser sedutora sem deixar-se parecer vulgar.

Maria era a matriarca daqueles Teimosos do Reino. Era a mais velha entre todos e por isso a mais experiente, o que lhe possibilitava exercer o papel de conselheira de todos. Ótima cozinheira sabia fazer pratos divinos, verdadeiros manjares dos deuses.

Milla era a personificação da beleza naquele grupo. Era uma estonteante morena de vinte e três anos que “viraria” cabeça de qualquer homem. Mas o que cativava naquela mulher era o seu ar altivo, destemido, sem ser arrogante. Não conhecia tabus. Era a única no grupo que compartilhava fielmente dos ideais ultra-revolucionarios de Alexei. Devorava livros, especialmente os de Rosa de Luxemburgo.

Moraes era um verdadeiro um verdadeiro malandro. Com seu palavreado poderia conquistar a mais desavisada que caísse suas “garras”. Seria um excelente orador se seus esforços não fossem canalizados apenas para a conquista de namoradas.

Nilton era amante das noites, freqüentador de bares, seresteiro, cachaceiro, poeta, amante de todas as mulheres ou... Boêmio.

Olga, ou simplesmente Professora, como era chamada por todos, tinha uma paixão imensurável pela Historia. Suas aulas deixavam os alunos em estado de êxtase, era como se voltassem no tempo. Olga era feminista e avessa à instituição do casamento. Dizia que o casamento era apenas mais uma forma de submissão das mulheres aos homens.

O Grupo era na verdade uma confraria que possuía até mesmo registro no ministério da fazenda. Seus componentes eram figuras bastante distintas umas das outras. Tinham alguns pensamentos diferentes sobre alguns aspectos da vida, entretanto, havia algo que era comum a todos que o fio que ligava todos uns aos outros. Esse elo era a paixão incondicional pela musica, pela arte... E essa paixão era latente na alma daquelas dez figuras idiossincráticas. Por isso eles organizavam aquele festival onde Joaquim tocava Redemptio Song com lágrimas nos olhos.

E Rosa ficou ali, parada em frente ao palco olhando para Joaquim, como se tivesse encantada pelo som que saia das cordas do violão. Até que sua prima Dandara lhe gritou lá do fundo do salão, lhe chamando para se juntar a ela e mais outras amigas. Foi como se ela despertasse do encanto das cordas do violão. Saiu andando desviando-se das pessoas que se encontram no salão, na direção do local onde se encontravam suas amigas. Enquanto caminhava ainda pensou por alguns instantes naquele rapaz que cantava Bob Marley com tanta profundidade, mas logo estava junto às suas amigas e tão logo desvenvencilhou o pensamento dele.

Ele adorava a musica Reggae, especialmente a musica do jamaicano Bob Marley. Sua canção predileta era Rendemption Song, ou Canção da Redenção na tradução. Exatamente aquela que tocava quando avistou no meio do salão uma garota que jamais vira nos Festivais da Lua Cheia. Não era qualquer garota, ele não sabia por que, mas aquela garota era diferente. E não era apenas o fato dela magra (ele sentia uma certa atração por mulheres magras!). Tinha algo de especial naquela menina que lhe chamou a atenção e ele não sabia o que era exatamente. Quase errou a nota quando ela parou em sua frente e ficou lhe observando. Respirou aliviado quando alguém lá do fundo do salão a chamou e ela saiu andando entre as pessoas na direção da voz que a chamara: “Rosa, aqui”. Então ele voltou a atenção para o violão e perdeu-a de vista, mas não esqueceu aquela figura esbelta e aquele nome que não podia ser mais apropriando àquela garota de feições tão delicadas e linda.

Já passava da meia noite e restavam poucas pessoas no Sítio Recanto Escondido onde se realizavam os festivais que só tinha horário combinado para o início: às vinte horas do primeiro dia de lua cheia. O término ficava por conta da disposição dos presentes. Quando a lua cheia aparecia no céu em dia útil da semana, as pessoas iam para suas casas mais cedo. “Amanhã e dia de branco”, diziam. Porem quando a lua cheia aparecia no sábado, como naquele dia, aí ficavam ate mais tarde, principalmente os jovens e os teimosos do reino que invariavelmente ficavam ate a madrugada. E naquele sábado de lua cheia estavam ali os Teimosos do Reino e mais alguns jovens da comunidade do Vale do Sol, sentados em volta de uma ardente fogueira. Entre eles estavam Dandara e sua prima capixaba Rosa. Joaquim deixara o palco e aproximava-se da fogueira quando Dandara acabava de apresentar sua prima. Como Joaquim acabava de chegar, ela apresentou mais uma vez, desta feita só para ele: “Joaquim, esta é minha prima Rosa, ela mora no Espírito Santo e veio passar alguns dias em minha casa”. Eles se cumprimentaram discretamente, mais se olhando nos olhos como que encantados. Ele procurou um espaço na grama próximo à fogueira e sentou-se, exatamente em frente a ela. Não escolheu aquela posição de propósito, mas gostou de ficar naquele lugar de onde podia vê-la bem de frente. O único obstáculo entreposto aos dois eram apenas algumas chamas da fogueira que, de instantes em instantes, ganhavam mais altura e impedia que ele a olhasse, mas que logo voltavam ao tamanho normal. Tentava evitar, mas algo nela atraia o seu olhar. Havia momentos mesmo que seus olhares se cruzavam e os dois desviavam os olhares imediatamente com receio de que alguém percebesse.

Ela sentiu algo diferente quando o viu aproximar-se da fogueira. Um misto de euforia, vontade de sorrir e receio. Euforia porque seu coração acelerou vontade de sorrir porque antes que ele chegasse imaginara que ele não viesse e receio, pois nunca tinha sentido tanto sentimento junto, nunca havia experimentado estes sentimentos por causa de um homem, e o que mais a preocupava, um homem que ela mal conhecia. Até desejou que ele sentasse ali perto dela, mas não havia lugar vago a seu lado e ele foi sentar-se à sua frente. Quando apresentada a ele, o cumprimentou de forma discreta, porém a forma como ele a olhou expressou algo que palavras eram incpazes de dizer naquele curto espaço de tempo.

Porque estava sentindo aquelas coisas? Porque o queria perto dela? Perque se sentia atraída por ele? Se perguntava. Haviam outros rapazes interessantes ali, como aquele que sentou-se perto dela: era “bonito” e até se insinuava para ela com olhares de sedutor, segundo disse sua prima Dandara:”Rosa o Morais não pára de olhar para você”. Mas ela nem ao menos teve o interesse de conferir se era verdade. Porém percebeu que ele a olhava, uma tanto discretamente, mas a olhava. Hove uma momento em que os dois se olharam simultaneamente e ela corou por um instante e desviou o olhar. Mas seus olhares voltaram a se cruzar outras vezes, outras varia vezes durante aquela noite mágica de lua cheia.

E no silêncio daqueles olhares dialogavam e se compriendiam melhor do que se usassem palavras. Mas ambos desejavam dizer palavras uma ao outro e expressar o que sentiam e ter certeza de que o outro também sentia o mesmo.

O tempo foi passando e a certa hora da noite, já madrugada, restavam apenas algumas poucas pessoas ao redor da fogueira. Alguém sugeriu que Joaquim tocasse uma musica para eles. Ele então retirou o violão da capa e começou a tocar. Todo se aproximaram do violão para ouvirem melhor, já que Joaquim tinha uma entonação baixa. E dessa vez ela havia sentado bem perto dele, tão perto que ele conseguiu sentir o cheiro dela. Ele se encheu de alegria quando ela pediu que ele tocasse “Redemption Song”. Era a primeira vez que ele ouvia a voz dela e era como imafinava: doce e agradável, assim como tudo nela. Ele tocou aquela música como nunca havia tocado antes.

A letra da música fala de redenção, resistência, perseverança. Mas a melodia em inglês parece falar de amor, paixão... e ele explorou essa impressão que a música transmite aos ouvintes e tocou olhando nos olhos dela e ela não desviou o olhar,como antes fez, também fixou o olhar nos olhos dele, de forma que neste momento, durante os cinco minutos de duração da música, tiveram a certeza de que se queriam. E continuaram se olhando, e se desejando, e agora não mais com receio ou medo que os outros percebecem. Ao contrário, até torciam para que os outros percebessem e discretamente fossem saindo e deixando-os ali sozinhos. Após algumas insinuações, indiretas e até mesmo diretas, Dandara convenceu todos a irem embora, restando apenas os três: ela, Joaquim e Rosa. Então, ela despediu-se dos dois e também foi-se embora. Joaquim e Rosa ficaram por alguns minutos em silêncio, já que até então se comunicavam apenas com olhares. Joaquim pôs de lado o violão e atiçou a fogueira que voltou a formar algumas chamas. Ele foi quem quebrou o silêncio e perguntou quanto tempo ela ficaria ali no Vale do Sol. Ela respondeu que apenas três semanas, e logo após falaram sobre diversos assuntos, até que reinou outra vez o silêncio e os dois perceberam que as palavras que diziam não eram suficientes, faltava algo, que eles descobriram logo com um suave, mas ardente beijo. A seguir palavras não foram mais necessárias, apenas beijos, abraços, muitas carícias e corações acelerados, respiração ofegante e um desejo imcontrolável... continua.

Taciturno Calado
Enviado por Taciturno Calado em 17/02/2011
Reeditado em 13/04/2011
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