CONFISSÕES DE UMA ROMÂNTICA DESVAIRADA

Jamais conhecera, entre as pessoas do chamado mundo real, nenhuma mulher mais desvairadamente romântica, sonhadora e com tendências poderosas para o escapismo, para o devaneio, para o perder-se nos reinos da imaginação, do que ela própria. Nunca conhecera ninguém assim, além dela mesma: para seu mal, para sua danação.

Muitos a julgam uma pessoa racional até demais, o que a articulação da sua linguagem verbal quase sempre confirma; isto é verdade, só que isto pertence a uma segunda natureza, que acabou por se tornar predominante, como uma espécie de escudo protetor para salvaguardá-la e salvaguardar a outra dela, a da sua natureza profunda a quem apenas um único ser neste mundo teve acesso pleno. Alguém que a adivinhou e que, ao perder-se dela fez com que ela também se perdesse, talvez para sempre, daquela que mais fundo foi. Confessa que hoje, o que mais a apavora é saber que, a despeito de tudo, se se raspar um pouquinho o verniz, a racional cede lugar à romântica incoercível, à louca que, sabendo do risco que corre, imediatamente recorre ao disfarce mais à mão.

Nunca ela havia ousado imaginar, até 22 anos atrás, que pudesse haver par no mundo para a sua desvairada romântica irracional, mas havia e se conheceram ou se re-conheceram, o que é muito mais provável . Eles se re-conheceram e voaram para um outro mundo onde se perderam de todos e por muito tempo. De repente, no caminho da romântica desvairada surgiu, como que vindo do nada, outro ser estranho, com um estranho destino, surgido talvez para o resgate de antigos desrumos, e os caminhos se bifurcaram. Os caminhos se bifurcaram, mas ela nunca deixou de ser fiel ao seu verdadeiro rei, jamais. Muitos anos se passaram e elas os passou presidindo os dois reinos, reinos de opostas naturezas.

O rei do Reino de Sonho jamais a conseguiu perdoar, jamais, e a acusou pela sua morte, pela morte dele, Rei do Sonho. Mais anos se passaram e acabaram por vir à tona segredos antigos da vida deste rei. E eles, rei e rainha do Reino do Sonho, que se haviam perdido um do outro, que, mais tarde se haviam de algum modo reencontrado, novamente se perderam e, no presente tempo, não conseguem mais saber o que fazer de si mesmos, se é que ainda seja possível a ambos fazerem alguma coisa de si mesmos.

Há muito já não há o outro rei. Rainha de reinos nenhuns, nenhuns, ela vê no próprio espelho só e tão somente a sombra de uma outra, da outra amada do Rei do Sonho, da outra vinda do fundo do tempo, mas nascida de repente no fundo do seu espelho, do seu espelho que já não lhe sabe revelar o próprio rosto. Nunca mais lho revelará? E lhe vem, incoercível, inexorável, a lembrança do Corvo, de Edgar Allan Poe.

Já no início de 13 de fevereiro de 2011.