A Carta de Stephen

A Carta de Stephen

Sarah

Sentada em sua nova cama, Sarah Jessica Taylor - ou apenas Sarah -, pensava em como viera parar ali. Papéis espalhados pelo chão, canetas velhas no lixo e mais um amontoado de lembranças em uma caixa velha revestida de papel azul mostravam o quanto Sarah estivera pensativa nas últimas semanas. Sentia falta de Stephen.

Leu sua última carta umas três vezes antes de rasgá-la. Desistiu de enviá-la a Stephen. Ao invés, resolveu abrir o caderno que ele lhe enviara e afundar-se na dor. Ela estava de partida, iria para a Brown em poucos dias, para seu tão sonhado curso de literatura. E a única coisa que ele queria era que ela lesse aquele caderno.

Stephen não sabia que ela estava indo embora, é claro. Ele continuava hospitalizado, aguardando ansiosamente para correr para os braços da amada. Mas quando ele voltasse para casa, ela já teria ido embora. Porque ela não teve coragem de enviar a última carta, despedindo-se dele e contando toda a verdade.

Só naquele dia, Sarah havia chorado três vezes. O suficiente para molhar seu travesseiro e para deixá-la com a cara tão inchada que seu pai se preocupara quando ela descera para almoçar. E ele já havia entrado em seu quarto duas vezes desde então, o que indicava que estava em silêncio na biblioteca - que ficava bem ao lado de seu quarto -, esperando por qualquer sinal de fraqueza da filha.

Mas Sarah não podia ir embora sem dar sequer uma explicação a Stephen. Não, isso seria cruel. Então teve uma ideia. Ligou o computador sobre sua cama rapidamente e enviou-lhe um e-mail.

"Ei Stephen,

Sei o quanto deve estar chateado comigo nesse momento. E sei que odiou o fato de eu usar a palavra CHATEADO. Porque chateado não é nem a metade do que você está. Deve estar tão triste quanto no dia em que me disse que havia falhado e tão bravo quanto no dia em que sumi. Me desculpe por todas as coisas.

Não consegui lidar com o fato de ter que dizer adeus. Porque espero, sinceramente, que não seja um adeus. Escolhi te mandar esse e-mail porque checar sua caixa de entrada seria a última coisa que faria num momento como esse. O que me daria tempo para diminuir sua raiva.

Quero que saiba que havia uma última carta, só não tive coragem de enviá-la. Se ainda quiser lê-la, está em meu quarto, dentro da caixa azul. Rasgada em quatro pedaços, mas se juntá-los, entenderá.

Estou indo atrás de meu sonho. Mas, sinceramente, não sei o que estou fazendo. Meu sonho não é maior do que você Stephen, nem maior que meu amor por você. Só sinto que devo cumpri-lo.

Sinto sua falta todos os dias.

Me desculpe por não ter dito um adeus que fosse. Por não conseguir dizer todas as palavras trancadas em minha garganta. Eu gostaria de poder dizer cada uma delas e sei que direi, assim que encontrá-las.

Estarei na Brown nos próximos seis meses. Você tem meu celular, meu e-mail e em breve terá meu endereço. Por favor, responda esse e-mail mesmo que seja para dizer "suma da minha vida, Sarah". E responda apenas quando estiver pronto, o que sei que levará um tempo.

Eu te amo,

Sarah J. Taylor"

Sentindo-se cansada e sabendo que provavelmente, Stephen levaria mais tempo para responder aquele e-mail do que para ler - o que já demoraria bastante -, Sarah abriu o velho caderno de Stephen. Estava pronta para qualquer coisa, menos para aquilo. Era muito mais que um poço de dor. Ela sabia cada linha daquele caderno, pois o vivera. Mas ela não sabia os pensamentos de Stephen e gostaria muito de saber. E foi por isso que leu.

Stephen

Um ano atrás

Sarah.

Quero que saiba que esse caderno não é nada mais que uma carta. Leia com atenção, apesar de já conhecer seu conteúdo.

Eu e meu pai acabávamos de ser despejados de nosso pequeno e velho sítio, quando recém havíamos acabado a reforma com nossas próprias mãos e instalado Rusty, nosso coelho fujão. A dor se alastrou pelo meu pai, como veneno no sangue. Achei que ele não aguentaria.

Mas um comerciante recém chegado na cidade nos achou aquela tarde, vagando pelo centro, procurando ajuda. Ryan Taylor disse que meu rosto era duro de quem já havia sofrido e, ao mesmo tempo, bondoso. Como se eu não quisesse que ninguém passasse pelo mesmo sofrimento que eu. E ele estava certo. Eu era um Carl e não podia evitar, mas ele não sabia disso.

Ryan nos deu abrigo e um emprego. Uma casa melhor que qualquer uma das que havíamos morado nos últimos onze anos. Um emprego digno. E acolheu até mesmo Rusty, gostando do fujão imediatamente. Em pouco tempo nos mudamos para a casa de hospedes de sua mansão e começamos a trabalhar. Meu pai como motorista e eu, bem, digamos que eu fazia de tudo. Mas minha principal atividade era lavar os muitos carros da família, em sua maioria sujos pela filha de Ryan, Sarah Jessica Taylor em suas aventuras noturnas pelas baladas mais estranhas da redondeza.

Sarah. Eu não a conhecera ainda. Mas se fosse tão bela quanto a mãe, Jessica, então eu poderia entender o porque de James Clint estar se gabando tanto por namorá-la. Aliás, eu não entendia o que ela queria com ele. Clint era apenas um dos netos do prefeito, rico e vagabundo. Um valentão da pior espécie. Talvez ela apenas se identificasse com a conta bancária dele, ou ele conhecia as melhores baladas, algo do gênero. Não sei porque, nunca acreditei no amor deles. Apesar do povo da cidade já estar falando até em casamento.

Eu podia até ver. Seria a manchete do século. A bela filha do comerciante mais rico de Winston e o neto do prefeito. A combinação perfeita. Daria o que falar por anos.

Claro que eu era bem mais informado do que eles. Eu gostava de acordar as seis, para tratar dos animais. E era bem nesse horário que ela chegava. Nunca me vira, nem eu a ela. Mas eu podia ouvi-la. Ouvia seus passos no Jardim Norte, seus suspiros de frio nas manhãs geladas, os gritos com os animais que a assustavam, o barulho de seus sapatos de salto nas pedras. Muitas vezes escutei o barulho da água na fonte, talvez ela se lavasse ou bebesse daquela água, não sei. Mas gostava dela, gostava daquele jardim. E inúmeras vezes a ouvi gritar com James. O portão aberto e a imensidão do jardim faziam sua voz ser ampliada em muitos decibéis. Os gritinhos agudos de fúria tornavam imperceptível a briga.

Depois da última briga que ouvi, pude vê-la.

Vi Sarah pulando a janela de seu quarto. Era a primeira vez que via a garota Taylor. Diziam que ela era bela. Mas ninguém havia feito justiça a tanta beleza. Eu podia ver que estava bêbada e podia ouvir o carro de seu namorado - maldito Clint! - arrancar a toda do lado de fora do grande portão verde, o portão do jardim norte. Não sei porque ela gostava tanto daquele jardim, mas eu era obrigado a cuidar mais dele por causa de Sarah. Observei-a pela janela por alguns minutos, enquanto ela tentava desprender o vestido de um arbusto. Não seria justo chamar de vestido aquele pedaço de pano. Mas ficava lindo nela. Apenas um pedaço de pano azul, justo, cobrindo o corpo branco de Sarah. Os pés pequenos e delicados calçados em um sapato de salto enorme, que brilhava mesmo no escuro. Os cabelos escuros e com um toque de vermelho estavam desgrenhados e eu ria de sua tentativa inútil de se soltar. Seria mais fácil tirar o vestido. Eu estava pronto para ir ajudá-la quando o vestido rasgou e ela caiu no quarto, ri sozinho.

No outro dia, mesmo horário. Lá estava eu caçando novamente Rusty, o coelho fujão. Entrei correndo no jardim norte e dei de cara com ela, a dama da beleza. E seu rosto estava coberto de lágrimas. Foi a primeira vez que notei as sardas em seu rosto.

- Boa noite - eu disse. - Não queria lhe incomodar, mas você conhece Rusty.

- Conheço - respondeu ela, secando as lágrimas rapidamente. - Só não conheço você.

- Ah, me desculpe! Sou Stephen Carl, filho de Richard Carl, seu motorista.

- Você é o filho de Ritchie? Magnífico, como ele disse. Sou Sarah Jéssica Taylor, mas prefiro apenas Sarah.

- Hm, ok. Magnífico? O que mais meu pai mentiu sobre mim?

- Ele não mentiu Stephen. Sente-se, Rusty pode esperar. Ele sempre volta.

- Obrigado, mas está meio tarde.

- Por favor. Eu apenas queria companhia.

Meio desconfortável, me sentei ao lado dela. E então ela desabou a chorar. Droga, nunca sei o que fazer quando mulheres choram!

- Sarah? Você está bem?

De repente ela parou. Me olhou e começou a rir.

- O que foi? - perguntei, confuso. Ah, mulheres!

- Desculpe - disse ela docemente. - Mas você não sabe consolar uma mulher - e gargalhou. - Obrigada, as risadas valeram como consolo.

- Não foi engraçado - respondi, mas sorri - Eu estava sofrendo, está bem?

- Ah, sofrendo? Talvez estejamos no mesmo barco então.

Notei que ela não usava o habitual colar com as iniciais de James Clint em um coração.

- Conheceu o verdadeiro Clint?

- Uhum. A verdade nua e crua sobre ele. Bem na minha frente. Para eu ver, ouvir e sentir.

- O filho da mãe fez alguma coisa contra você?

- Além de dizer um monte de merda, me humilhar e ameaçar? Não. Tem medo de meu pai.

- Ele te ameaçou? - fiquei preocupado. Clint sempre cumpria suas ameaças. Homem de palavra.

- É. Disse que enviaria a cabeça de Brown em uma caixa de sapatos ingleses se eu contasse para alguém o desgraçado que ele é.

- Como se ninguém por aqui soubesse.

- E que mataria o bastardo que encostasse em mim. Porque, bem, eu terminei com ele, né? Não podia continuar com um viciado em drogas meio criminoso.

- Acredite em mim, você não iria querer. Ele é muito mais que meio criminoso.

- Você o conhece muito bem - ponderou ela, jogando a cabeça para o lado como um cachorrinho curioso. Fui obrigado a sorrir.

- Queira você acreditar ou não, já fomos amigos. Quando éramos garotinhos. Nos afastamos quando... Quando minha mãe morreu. Nessa época meu pai foi despedido de vários empregos e mudamos de casa várias vezes. Sempre para uma menor e mais velha. Ele caçoou do quanto estávamos pobres e disse que minha mãe deveria se envergonhar do que havíamos nos tornado. Tivemos uma briga feia. E desde então, tudo vira motivo pra pancadaria. Espere só até ele descobrir que trabalho aqui. Vai dizer que eu sou o bastardo que está encostando em você.

Ela sorriu e ficou em silêncio por um momento. Depois sussurrou:

- Está vendo aquela fonte? Bem no meio do jardim?

- Claro - respondi, trancando a respiração por um momento. Fora ali que papai pedira mamãe em casamento, há muito tempo atrás, quando a propriedade ainda era desabitada.

- Gosto de pensar que já presenciou um grande amor. E que espera pelo próximo. Gosto de pensar que o próximo será o meu grande amor. Mas depois de hoje... Não sei mais no que acreditar ou pensar. Talvez seja apenas uma velha fonte.

- É por isso que gosta tanto desse jardim? - perguntei, enquanto lembrava da história que meu pai me contara quando menino inúmeras vezes. Ela acenou positivamente com a cabeça, então continuei. - Quer ouvir uma história?

- Uma história? Que tipo de história?

- Uma história de amor.

- Você vai me contar uma história de amor? Ah, essa eu quero ver!

- Duvida da minha capacidade? Está bem, então apenas escute e aprenda como contar uma boa história.

"Há muito tempo, cerca de trinta anos atrás, havia uma garota com os mesmos sonhos que você. Essa casa ainda não era habitada e os jardins, por tanto, eram públicos. Matilda gostava de vir ao Jardim Norte a noite, contemplar as estrelas. Sentava-se junto a fonte, deixava a água fria molhar seus pés e sonhava com o dia em que conquistaria César, o filho do prefeito. No dia da inauguração da loja de doces de sua mãe, o prefeito e sua família estariam lá. Ela encontrou ali a oportunidade perfeita para conquistar César. Arrumou-se em seu melhor vestido e ensaiou diversas vezes em frente ao espelho como se apresentaria a ele. O que ela não sabia era que César tinha caráter perverso e era conquistado facilmente - mas não mantinha seu interesse. Era um galinha. Quando ninguém estava olhando, arrastou-a para a despensa e forçou-a a realizar todos os seus desejos. Matilda sentiu-se suja naquele momento e gritou por ajuda. Quando a ajuda veio, César mentiu que eram ratos, que aquele lugar era sujo e seu pai mandou fechar a tão sonhada loja da mãe de Matilda. Naquele mesmo dia chegara a cidade uma nova família, os Carl. Richard, seu único filho, estava na inauguração e não acreditou na história de César, pois ele foi o único a ver a lágrima que rolava no rosto de Matilda enquanto todos procuravam por ratos. Matilda contou para ele tudo que havia acontecido e imediatamente ele se apaixonou pela inocente menina. Quando ela lhe procurou para dizer que estava grávida, ele disse que assumiria a criança e, na frente desta mesma fonte, ajoelhou-se e a pediu em casamento."

- Matilda... Era a sua mãe?

- Sim.

- Oh, eu sinto muito!

- Não sinta. É tudo passado. Minha mãe amou meu pai pela bondade dele, pelo amor que ele nutria por Nathan, mesmo não sendo filho dele.

- Nathan não mora aqui, mora?

- César acabou descobrindo que Nathan era seu filho. Hoje ele mora na Inglaterra com seu verdadeiro pai, não soube valorizar o que Richard deu a ele. A vida fácil que César lhe dá é mais importante que o amor de meu pai.

- O importante agora é você não esquecer disso. Tenho certeza de que Ritchie é um ótimo pai, assim como é um ótimo motorista e amigo.

O silêncio reinou por alguns minutos, quebrado apenas pelo farfalhar da grama e a água caindo na fonte.

- Nos vemos amanhã? - perguntou ela, levantando-se de repente.

- Com certeza.

- Boa noite - e inesperadamente, me deu um beijo na bochecha.

- Boa noite - respondi. Ela já havia me dado as costas e caminhado alguns passos quando gritei: - Ei, Sarah!

- Sim? - perguntou ela virando-se e sorrindo, como se já esperasse por aquilo.

- Eu se fosse você continuaria vindo toda noite nessa fonte. Ela deu um milagre a minha mãe quando ela estava perdida. Não negaria um a você.

- Como você pode saber?

- Eu não sei. Apenas confio - e sorri.

Sarah riu e me deu as costas, correu para a janela de seu quarto e a pulou, como sempre. Eu caminhei lentamente até minha cama e me joguei nela, esperando pelo dia seguinte com um sorriso nos lábios.

O dia seguinte era um sábado ensolarado. Dia perfeito para lavar os últimos carros com que Sarah saira. Sarah. O sorriso travesso me veio a cabeça, como que me lembrando tudo que eu havia compartilhado com ela na última noite. Eu não sabia dizer porquê contara a ela tudo aquilo, já que jamais fui capaz de falar uma palavra sobre minha mãe até mesmo para meu pai. Desde minha briga com Clint, fiz parecer para os outros que esquecera minha mãe. Mas em meu íntimo, conversava com ela todas as noites, contando a ela todas as novidades em minha vida, nossos problemas, alegrias e tristezas. Por vezes pedia conselhos e gostava de acreditar que ela guiava minhas decisões e que por isso todas que tive que tomar foram baseadas em razões sólidas e verdadeiras.

Abri a garagem dos Taylor e sorri, quando encontrei Sarah sentada em cima de sua Ranger vermelha. A escolha perfeita para quando ia acampar com James Clint, Brady Sullivan, os gêmeos Swan, Amanda Black, Saphire Thor e Ashley Stewart. De todos, eu gostava apenas de Amanda Black e Ashley Stewart. Os garotos eram capangas de Clint e Saphire... Bom, um dia fora minha namorada. Mas depois Clint e sua gangue eram companhia melhor, sabe, status. E ela virou na vadia que é hoje.

Enquanto eu estava perdido nesses pensamentos, Sarah me analisava. Sorria levemente e esperava que eu desse algum sinal de tê-la notado.

- Bom dia - eu disse sorrindo.

- Um ótimo dia, garotão - exclamou ela rindo. Não pude deixar de notar que usava shorts jeans rasgados, uma blusa branca manchada e botas de chuva.

- O que pretende com essas botas? - perguntei, desconfiando de suas intenções.

- Não me molhar? - respondeu, sarcasticamente.

- É. Mas por que? Acredite em mim, Taylor, o sol lá fora indica que não há com o que se preocupar.

- O que você vai fazer hoje? - perguntou-me ela, ignorando o que eu havia dito.

- Lavar o carro em que está sentada, se me der licença. Pelo jeito você foi boazinha essa semana e sujou apenas esse. Boa garota! - não pude evitar sorrir ao ver a careta que ela fez.

- Quando você diz lavar... Quer dizer que vá usar água? - ela mal escondeu o olhar malicioso que me lançava.

- Suponho que... - e então entendi. Ah, sério? Eu realmente teria companhia da filha do comerciante mais poderoso do sul do país? E ela me ajudaria a lavar carros? Quero dizer, quais as chances de isso acontecer? Eu supunha que ela deveria ser uma patricinha mimada. Mas ela, mais uma vez, me surpreendia. Porque às vezes podia ser tão igual as outras garotas riquinhas e previsível e às vezes podia ser Sarah Jessica Taylor, apenas isso. - Você pretende me ajudar a lavar o carro?

- O que você acha de companhia?

- Você quem sabe - respondi rindo e a puxando para longe do carro. - Mas, primeiro, vamos colocá-lo lá fora. Se não for pedir muito, eu gostaria que você buscasse um balde. Com água e sabão.

- Como quiser, chefe - respondeu ela rindo antes de sair correndo.

apenas um trecho de "A Carta de Stephen", escrito por mim...

fearlesstory
Enviado por fearlesstory em 11/02/2011
Código do texto: T2786645
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