MINHA VIDA – MEU FILHO - 1ª Parte
Nada em nossas vidas acontecem por acaso. Então, eu sou a filha do meio do casal, que viveu uma vida cheia de amor até que a morte os separe, Maria do Carmo. Morena alta, de um gosto enorme pela vida, apesar de levá-la aos trancos e barrancos. Moça teimosa, rebelde de saias. Curiosa, independente e travessa. Possuindo garra para enfrentar a vida de acordo como ela se apresenta. Uma vontade enorme de lutar, fazer e acontecer. Faz um pouco de tudo. E um pouco do nada. Concluiu os estudos, até o 2º grau, hoje ensino médio.
No decorrer de sua sobrevivência é que existem as coincidências. Minha vida não foge a exceção. O meu estilo de vida causa um impacto negativo às pessoas. Pelo fato das pessoas, não possuírem uma felicidade propriamente dita. Minha vida sempre foi uma pergunta sem respostas verdadeiras. Um sim à procura de um não. Uma imensidão da saudade, que vivi e continuo vivendo.
Muito antes, quando ainda não era óvulo na barriga da sua mãe. Mais propriamente no namoro dos seus pais, começou as coincidências na sua vida. Mais precisamente no dia 07 de setembro, em Fortaleza, na parada militar. Uma data que ficou marcada para sempre na memória de todos os seus familiares. Um amor à primeira vista.
Os pais de Maria eram pessoas simples. Sua mãe, era uma jovem morena alta, de temperamento forte e peculiar. Tinha uma estirpe de rainha. Nascida na cidade de Caruaru, em Pernambuco. Terra do glorioso Luiz Gonzaga, o rei do baião, famosa por sua feira artesanal, cantada em versos e prosa. O pai dela, sim um rapaz moreno alto, de vasta cabeleira preta. Porte de rei. Nascido na cidade do interior do Ceará, Pedra Branca. Muito cedo, aventurou-se para capital, Fortaleza/CE, terra da luz, sol e mar, ficando até os últimos dias de sua vida. Homem simples e trabalhador. Aposentou-se jovem na profissão de eletricista, mais continuou na labuta, do mercado mobiliário.
Eles sempre fizeram questão de contar, para seus filhos, desde muito pequenos, a estória deles, aos seus moldes. De como se conheceram, casaram-se e criaram os 10 filhos e o que sentiam um pelo outro. De como um cearense, cabra da peste, amou à primeira vista, uma pernambucana oxente. Da estória do noivo que ela deixou na sua cidade natal, sempre entre risos, e também o fato de vim residir em Fortaleza, o compromisso desfeito imediatamente. De como eles se engajaram na realização do sonho e da importância de criar uma família. Pode-se dizer que o amor dos dois, foi lindo, enquanto durou. Mais de 25 anos de casados. Uma paixão cega, mais cheia de felicidades. O fato dos dois serem católicos apostólicos romanos, e fervorosos, foi dado o nome de santo aos seus filhos.
E começou então a vida de Maria. Dentre essas idas e vida sua da escola para casa. Um anúncio fluorescente lhe chamou a atenção. Era de uma cartomante. Nele estava escrito: Desvendo o presente e o passado e prevejo o futuro. Com a curiosidade, aguçada, resolveu entrar e averiguar. Neste ínterim, sua vida, era perfeita. Noiva e com casamento marcado, para daqui alguns dias. Tudo concretizado. Nem por um instante, cogitou a não realização do que já estava planejado na sua vida. Nem tão pouco, imaginava as conseqüências de procurar uma cartomante. As declarações foram bombásticas. As surpresas que o destino lhe reserva para sua vida. A princípio não acreditou no que a vidente lhe falou. Mais os búzios foram insistentemente jogados, com a revelação sucessivamente coincidindo. Totalmente contrária a realidade, por ela vivida: “Você irá morar numa cidade sem mar, conhecerá um militar e terá um filho homem.” Diante do fato concreto, hoje. A vidente falava a verdade, naquele dia proposto. O mundo naquele momento conspirou contra ela, ou a seu favor, no momento da revelação. Hoje ela tem a certeza, da verdade nua e crua, dita pela vidente.
A princípio ela não deu o menor crédito, a revelação. Decidiu continuar caminhando para o fim proposto. O casamento. Mais às vezes, nossa vida dá umas reviravoltas. O sonho desfeito. O que estava certo. Ficou incerto. Sem mais nem menos, acabou-se o noivado. Seu mundo desmoronou. Depois de algum tempo passado, dos búzios. Resolvi que era hora de tirar férias para esquecer. Trabalhava neste período na Maternidade Escola Assis Chateaubriand, em Fortaleza, como técnica em laboratório. De um dia para o outro. Da noite para o dia. Da água para o vinho. Sua vida tinha se tornado um inferno. Então, de uma hora para outra, decidiu ir de encontro a uma nova vida. De repente se viu dentro do avião, rumo à Brasília-DF. Capital do Brasil. Capital dos concursos. Uma cidade projetada. Um encantamento. O tempo passado por ela, nessa cidade, mais precisamente 11 anos, memorável. Começando então pelo Ano de 1979. Com o desastre do rompimento do noivado, na mala. E uma esperança, de um novo recomeço, na capital federal. Sua busca pelo esquecimento.
Mais foi no ano de 1980. A mudança definitiva. Assumiu sua função de datilografa no MME, na esplanada dos ministérios. Funcionária Pública Federal, em Brasília. Coincidência ou não, estava morando numa cidade sem mar. Atualmente exerce a função de Agente Administrativo, em sua terra natal, Fortaleza, terra do sol e das maravilhosas praias. Para mim a ironia do destino, uma certeza de vida. Diante do fato, da profecia da vidente. A concretização.
O funcionalismo público, queiram ou não, possuem certas regalias. Depois da “Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civil da União, das autarquias e das fundações públicas federais.” Acabaram-se as comodidades. A exemplo: o transporte dos funcionários, efetuado por uma empresa contratada. O percurso de ida e vinda da residência para o trabalho. E vice-versa. Atualmente, o vale transporte, como todo trabalhador.
Preciso me adentrar, as comodidades do funcionalismo publico, para chegar a coincidência do ano 1986, mais precisamente, mês de dezembro. O envolvimento com o motorista substituto, da linha, Valparaizo, onde eu morava. E onde tudo começou.
Todo trabalhador tem direito a férias. O motorista efetivo, da empresa que, fazia o transporte dos funcionários, da linha onde eu residia, não é exceção. Seu período coincidiu ser dezembro. Veio então o substituto. Para mais uma ironia do destino. O substituto era seu irmão. Bombeiro, militar do Corpo de Bombeiro do DF, que se encontrava licenciado da corporação, mediante licença prêmio. Outra vantagem que o funcionalismo público tem. Um rapaz magro, de cabelo curto e muito simpático. Começou então, fazendo o mesmo percurso do titular da linha. De segunda a sexta-feira. Ida e vida dos funcionários. Até o momento não me atinei, para o fato da coincidência, era somente a passageira e o motorista.
Mês de dezembro. Natal e ano novo. Datas marcantes e comemorativas. Nascimento de Jesus e começo de um novo ano. Esperanças renovadas. Mês também do recesso do funcionalismo público. Vantagens mais. Mediante pagamento de uma hora a mais todo dia, no expediente normal. Mediante uma semana de folga. Dividido em turmas.
Sexta-feira. Antecedendo o recesso que estava por vim. Foi cogitado aos passageiros, no percurso de volta para casa, uma confraternização de Natal, com troca de presentes. Em uma churrascaria no final da linha. Começou então o burburinho, entre os passageiros, dentro do ônibus. Convite estendido ao motorista, que ora era o substituto. Aceito.
A noite da confraternização foi esplêndida. Longa e cheia de novidades. Muita bebida, acompanhada com churrascos e no final saiu uns namoros. Fiquei ao lado do motorista, a noite inteira. Trocamos até pequenas confidências. Algumas, com dúbio sentido. Aonde iria passar o Natal? Tem alguém em especial? Resumindo, era perguntas com respostas atravessadas de interesse, a dois. Deixei escapar que, este ano, mais precisamente, iria passar o natal, sozinha. Condições financeiras não permitiu a minha ida para Fortaleza-Ce. Mais falei sorrindo, porque seria um ano diferente. Um natal sem familiares. No final, retornamos para casa. Ficou um até logo no portão. Com direito a beijinhos, na hora da despedida. Depois adentro de casa, mais uma vez, estava frente a minha solidão. Com meus pensamentos e devaneios. Até o momento, que entrei em casa, não tinha pensado no namoro desfeito. E nem estava despedaçada, por dentro. Achei graça disso tudo.
De repente a troco de nada, como se o mundo fosse acabar amanhã, me vi envolvida com um bombeiro.
A semana passou rápida, sozinha em casa, no recesso. Ninguém apareceu. O dia 31 de dezembro de 1986, véspera do ano novo. Chegou, e com ele a realidade da solidão. Só eu e a televisão. Esparramada no sofá. Minha vida passando como um filme, diante dos meus olhos. Um champanhe na geladeira, esperando a hora de tomar. Tinha certeza de que iria sorver ele sozinha. Bem gelado. No momento, tudo que eu queria. À noite, passando depressa. O destino conspirou para mim. A surpresa. O bombeiro, o motorista substituto, apareceu como do nada.. De repente. O convite irrecusável. Um final de ano a dois. Perfeito. Fiquei tremula, diante da situação inesperada. Só o tempo de me arrumar. A noite foi belíssima. Com fogos na esplanada dos ministérios, inundando de belezas, o lago Paranoá. Foi mágico. Um namoro de adolescente, sem compromissos e sem promessas.
Outro dia, uma nova realidade. A rotina diária ao trabalho. Olhares trocados, com cumplicidade. A maior discrição. Os dias passaram. E vieram outros finais de semana. Num deles, o convite. A proposta de ficarmos juntos. O inevitável. Nesta noite, mais precisamente, uma única vez. O nosso filho foi concebido.
E as coincidências sucederam. A certeza da gravidez. Um bebê. E o tempo foi passando. A barriga, crescendo. As perguntas maliciosas. O disfarce nas respostas. O terror começou, junto com a maldade. O descobrimento do antigo namorado da gravidez. Uma suspeita de que ser o pai da criança. A crueldade dele, no assunto que lhe interessava. O tempo foi passando. Para diminuir comentários. Deixei meu ex, entrar de novo na minha vida. Uma desculpa, porque a realidade era que eu ainda gostava dele e muito. O nosso amor era doentio, daqueles que machucava. O pior era que eu gostava. A verdade era que eu sentia falta disso. O lado carente de afeto, falou mais alto dentro de mim. E foi a mistura do amor e o ódio, tal e qual a situação em que eu vivia, deixei o barco correr, a maré me levar, até onde eu tivesse uma âncora.
Foi melhor assim, por certo tempo, a minha gravidez, ficou na sombra. As perguntas, já não vieram mais. Só eu na solidão do meu quarto, ficava martelando a saudade do pai do bebê. Aonde ele andará? O período de substituição tinha acabado. Durante muito tempo, fiquei sem noticias. Era difícil para mim. Eram poucas pessoas que sabiam do meu envolvimento com ele. Eu poderia muito bem, perguntar ao irmão dele. Mais a vergonha era tamanha. E depois como eu poderia esclarecer o que tinha ocorrido. Uma única noite, uma única vez. O dilema criado por mim. A coragem e a oportunidade. O desabafo para seu irmão, de todo acontecido. Ele foi solicito e prontificou-me ajuda.
Ocorre que o meu estado de gravidez, estava avançado. Encontrava-me no sétimo mês de gestação. Tinha ido à consulta ao médico. Tive a confirmação de que era um menino. O Lucas. Mais precisamente, neste dia, estava feliz da vida. Então eu desejei muito, do fundo do meu coração, que o pai do meu filho, estivesse comigo. Nem que fosse, pela última vez, para tocar o meu ventre.
Na minha memória, guardo a noite mágica do sétimo mês de gravidez, com o pai da criança. O momento lindo vivido por nós. O nosso envolvimento. A cumplicidade. Não existem cobranças. Cada encontro é uma comemoração de felicidade. O certo é que, não sei se foi coincidência, ou não. Ou uma conspiração minha e de meu filho. O fato foi que, como num passe de mágica. O bombeiro apareceu. No ponto de ônibus. A principio, a surpresa da gravidez, depois a revelação bombástica. O pai. A felicidade estupefata dele. A visão maravilhosa. Fardado! Bonito. De calça e camisa caqui, com detalhes vermelhos. Neste momento, as palavras da vidente. Era como se um raio abrisse, minha cabeça, ao meio. “Você vai morar numa cidade sem mar e terá um filho homem de um militar. Palavras que se concretizaram”.
Depois veio a realidade cruel. Tive que ir a fundo para encontrar coragem. Não pensei que fosse enorme. O coração começou a disparar no momento em que, comecei a explicação, mas a verdade precisava ser dita. Fiquei frente a frente aos fatos. Foi rápida e suscita. Tinha tido um envolvimento passageiro, durante a nossa separação. .Ele não sabia e nem suspeitava. Além do mais, havia o bebê. Quem seria o pai? A reação dele foi surpreendente. Em nossas vidas, há sempre o desconhecido. Nunca conhecemos a fundo uma pessoa, nem do que ela é capaz. Só imaginamos. Diante os fatos, a reação dele, não foi a que eu esperava. De repente, minha vida, virou um joguete nas mãos dele. E o pior, ele não acreditou na verdade da minha boca. Debochou. Nosso relacionamento continuou, como se nada, tivesse sido mencionado ou cogitado. O tempo foi passando. E com ele, a certeza de que, pai é o que cria, e não o que faz. Passei um longo tempo sem entender. Até o nascimento do meu filho.
Deixei este momento de felicidade, ir além. O fato era que o verdadeiro pai da criança, no nosso último encontro, deixou claro, que não assumiria a paternidade. Para mim, isso não importava. O importante era que eu estava esperando a coisa mais linda e bela na minha vida. O meu filho. O Lucas. O resto são conseqüências.
TARTAY-FEVEREIRO-2011