Amor de Lá Pra Cá

1

Ubirajara sempre fora um rapaz divertido. Brincava com todo mundo, não se separava em grupos na escola, e, claro, devido ao seu bom humor, ele conseguia beijar as meninas mais bonitas da escola. Foi num desses beijos que ele conheceu Alice, com quem namorou por dois anos. Namoro esse que durou além dos muros da escola.

Mas a vida dele estava para mudar no dia 13 de maio. Sim, pois numa noite de lua cheia, durante a festa de comemoração dos vinte anos de seu cunhado Fabrício, Ubirajara... Ou melhor, Bira, começou a sentir uma tonteira. De repente, fez frio. E a cabeça dele começou a doer, seguido então de uma forte ânsia de vômito. Atordoado, desceu as escadas da lage da casa de sua namorada, e foi até o banheiro do quarto de sua sogra, aonde se ajoelhou diante do vaso sanitário e vomitou.

Sua namorada desceu logo em seguida e ficou parada ao seu lado, esperando que aquilo acabasse. Ainda zonzo e ajoelhado, Bira ergueu os olhos em sua direção, ainda com um pedaço de pizza regurgitada no canto da boca e tentou sorrir. Porém, tudo que conseguiu fazer foi dizer que queria dormir. Aquilo realmente chateou Alice.

Contra sua vontade, Alice arrumou os lençóis sobre a cama e deixou que o namorado se jogasse sobre eles. Aparentemente ele estava muito mal mesmo. Talvez fora algo que ele havia comido, vivia comendo besteiras na rua. Ela sabia que um dia, aquilo afetaria seu estômago... Enfim, parecia ter afetado e mais uma vez ela poderia dizer: Eu te disse!

O que incomodava Bira naquele momento era saber que estava longe de casa. Alice morava em Jacarepaguá, já ele, morava no centro da cidade, precisamente no bairro de Santo Cristo, atrás do prédio da Central do Brasi.ele queria ligar para seu pai e pedir que ele fosse buscá-lo de carro. Não estava nem aí se já tinha dezenove anos e iria recorrer aos braços do papai. Mas ele queria sair dali, se sentir seguro em casa. Decidiu não ligar.

Alice saiu da festa mais cedo. Foi lá em cima e rapidamente deu uma desculpa de má vontade e desceu novamente. Tomou um banho e deitou-se ao lado do namorado, que estava deitado de bruços e soltando mini gemidos de dores no estômago. Ela tentou se insinuar para ele. Colocou suas mãos próximas a virilha dele, porém o rapaz se esquivou. Tentou de novo virando seu quadril e esfregando-se nele. Mais uma vez ele tossiu constrangido e se desviou. Foi então que ela se irritou. Levantou-se da cama e com um olhar cortante e ameaçador apenas disse: Frouxo!

Pois é, uma simples palavras, mas que naquela noite mudaria a vida dele para sempre. O verbete frouxo que no dicionário Aurélio é definido como fraco sem energia e até mesmo covarde, surtiu um efeito devastador em Bira. Como? Simples. Bira todo final de semana juntava algumas roupas e ia passar o final de semana na casa de Alice, nunca o contrário. Às vezes ia na sexta, outras vezes no sábado de manhã, mas no tempo inteiro de namoro, sempre ele ia, nunca ela vinha. A distância nem sempre era sentida, afinal, o centro da cidade não fica lá tão distante de Jacarepaguá, porém era longe da casa dele. Depois de ser chamado de frouxo, Bira desenvolveu certo problema que com certeza muitos chamariam de frescura, ou de bobeira, porém quem entende do assunto chamaria de ansiedade. Funcionava assim, toda sexta-feira, ou sábado... Enfim, no dia em que Bira marcava de ir até a casa de sua namorada, ele começava a achar que ia passar mal novamente, e estaria longe de casa, e assim não teria como esconder de Alice seu mal estar o que resultaria em ser chamado novamente de frouxo. E era justamente o que acontecia. Ao por os pés na casa, ele sentia dores no estômago, fraqueza, e até mesmo diarréia brava!

Tentava esconder de todo modo, mas não conseguia. Tinha vergonha de fazer suas necessidades na frente dela, então disfarçava, corria para o banheiro dizendo que ia tomar banho, quando na verdade, ia evacuar. O problema era que ele não sabia que se tratava de coisas de sua cabeça, e mais tarde, isso resultaria não só no término de seu namoro alguns meses depois. Mas em problemas sérios em relação a relacionamentos. Ele literalmente estava ferrado, e sua ex havia deixado uma mágoa enorme não só em seu coração, como também na sua cabeça.

2

A ansiedade de Bira o acompanhou por algum tempo, e ele nunca conseguia marcar encontros com garotas. Às vezes marcava, mas conforme o dia ia se aproximando, ele começava a sentir aquelas sensações horríveis de intestino fraco e solto. E era obrigado a desmarcar. Quando enfim conseguia, tentava não pensar em passar mal, mas não conseguia. Em cima da hora, Às vezes no ponto de ônibus, já arrumado, voltava para casa para vomitar. Era complicado, chegou a achar que estava doente, fez exames de sangue... Tudo normal. Foi então que em certo dia, ele estava mexendo em seu MSN quando viu uma menina que havia estudado com ele on line. Ele a achava linda. Ele a achava a menina mais linda da escola. Durante as aulas, ele nunca tivera coragem de conversar com ela. Ele nunca tivera se quer a coragem de dizer um simples “Olá”. Mas aí viu seu Orkut, copiou seu MSN e a adicionou em seus contatos. Até que tomou coragem no MSN e disse: Oi.

Demorou alguns segundos até que ela respondeu seu oi com um outro oi, seguido ainda de um “Caramba, quanto tempo”. Encurtando os caminhos, dali a dois dias Bira tomou coragem e a convidou para saírem. Ela topou de imediato. Ele não acreditava naquilo, fora tão fácil. Estava tão nervoso que resolveu até confessar que a admirava de longe na escola. Ela achou aquilo bonitinho, afinal, ela também o observava.

Marcaram o encontro. Foram ver a árvore da Lagoa Rodrigo de Freitas. Beijaram-se ali, sem mais nem menos. Um encontro que Bira havia ensaiado por dias, e que ali se consumava. Saíram no dia seguinte novamente. Foram ao cinema. Bira estava radiante. Não estava se sentindo mal. Era como antes. Não tinha mais medo de passar mal...Até o próximo encontro.

Muito ansioso por conhecer os pais da menina, ele começou a sentir calafrios já na porta da casa dela. Sabia que ela era diferente de sua ex. Era mais meiga e amiga. Mas estava prestes a ter que assinar o compromisso de ficar indo diariamente à casa dela. E se passasse mal? Não ia poder dar desculpas sempre. E foi então que ele voltou. Chegou à porta da casa da menina, Bira desistiu de tudo. Seu estômago doía. Suas mãos suavam frio. E ele estava triste. Muito triste. Ela simplesmente não entendera sua atitude. Achava que ia nascer um namoro promissor. Bira era divertido, inteligente e tinha o beijo mais apaixonante que havia provado, porém, de repente, mudara. Ficou frio. Sumiu. Já certa de que era o fim, a menina de nome Elen, apenas lhe mandou um torpedo pelo celular que dizia: “Eu pensei que você era diferente dos outros...”. Pois é, a crise dele voltara apenas dois dias depois de eles terem transado pela primeira vez, o que criou na cabeça de Elen a impressão de que o rapaz meigo, divertido e atencioso era apenas um personagem para conseguir sexo com uma paixão de escola. Ali Bira perdeu a chance de ter uma namorada diferente. Ali ele desistiu de se apaixonar novamente.

3

E por dois anos Bira ficou solitário. Vivia com os amigos em lugares divertidos, porém não conseguia marcar nada antecipado com garotas. As únicas que conheceu e chegou a se envolver,conheceu na hora e nunca mais tivera contato após o encontro. Simplesmente sofria por antecipação. Um trauma de um namoro que já se fora. Incomodava-se, mas tentava não ligar. Era chato ver seus amigos namorando. Saindo com suas namoradas e ele lá, solteiro. Saindo sozinho, indo à lugares em que casais se beijavam, e só ele lá, sozinho.

Certo dia, estava na casa de um amigo, mexendo no computador, quando viu uma janela do MSN piscar na base da tela. Olhou para trás para ver se seu amigo estava por perto. Parecia estar no banheiro. Bira então clicou na janela e uma outra janela de conversa surgiu. A foto era de uma menina bonita de feições orientais. Bira se aproximou da tela e respondeu ao “Oi”. Nesse instante começou aquele primeiro diálogo clássico de MSN, que se resume a perguntar como a pessoa está, se tem novidades e qual seria a boa para aquele dia. Feito isso, a menina mandou um link do You Tube. Bira clicou. E ali, ele se apaixonou novamente. No vídeo, a menina cantava e tocava violão diante de seu computador, e com a imagem em preto e branco, o que salientava mais ainda seus cabelos negros e seus olhos puxados levemente.

Bira anotou o endereço do MSN em uma folha solta de papel e guardou em seu bolso. No mesmo instante correu para casa e a adicionou. Seu amigo ao sair do banheiro não entendera a pressa de Bira. E não entendeu nada também ao ler “Gostou?” na janela da menina que conhecera em Angra dos Reis no ano que havia passado.

4

Bira tomou coragem e a adicionou. Ali começara uma paixão estranha. Toda noite, antes de dormir, ele assistia ao vídeo da menina. Seu nome era Aimi. Ela cantava a música KISS ME do grupo Sixpence None The Richer. Era hipnotizante. A voz de Aimi o encantava. A música parecia feita para a voz dela. Conforme o tempo foi passando ele foi contando a verdade para ela. De como a havia adicionado seu MSN, e porque havia feito isso. Bira estava amando. E tudo ia bem, até o dia em que ela quis conhecê-lo ao vivo.

Vai parecer exagero, porém no momento em que a menina apertou ENTER e a mensagem chegou até o rapaz, seu estômago se contorceu e ele correu para o banheiro. Ela insistiu. E ele não respondia. Por que ela tinha que estragar tudo. Porque não podia deixar que tudo ficasse daquele jeito. Longe.

Ele voltou e se sentou na frente do computador disposto a contar toda a verdade. Pediu sua atenção e ela parou sobre sua mesa de computador com as mãos sob o queixo. Estava disposta a ler o que quer que aquele cara divertido que aparecera do nada tinha para lhe dizer. Bira, por sua vez, tomou coragem e contou tudo desde o começo. De como a palavra frouxo mudara sua vida para pior, de como perdera um amor de escola por causa de um problema de imaginação maligna, como ele costumava chamar sua ansiedade. Aimi sorria, e entendia. Resolveu então fazer um trato: faltavam doze dias para o final do ano. Em janeiro do ano seguinte, seria ela quem viria ao Rio visitá-lo. O rapaz sorriu. Não conseguia acreditar que aquela menina dos vídeos mais encantadores do YouTube iria sair de Angra dos Reis para conhecê-lo. Ele queria ter aquela coragem. Queria não ter seus surtos de diarréia nervosa. Mas mesmo assim, com pesar e receio de no dia amarelar, ele topou.

Foram as semanas mais longas da vida dele. Foram as horas mais arrastadas de sua vida. E seria o melhor final de ano. O melhor de todos. O ano seguinte seria o ano das mudanças, ele estava disposto a descobrir o que seria seu problema. Descobrir o que causava todas aquelas sensações ruins. Sabia que era ansiedade, e por Aimi, mesmo que a conhecendo em pouco tempo, ele estava disposto a se tratar e poder aproveitar cada minuto ao seu lado. Estava disposto a namorá-la. Estava disposto a se apaixonar novamente.

5

Da janela de seu quarto, enquanto esperava Bira voltar da rua. Aimi observava a tempestade se aproximar. O céu estava negro e parecia que o reveillon seria chuvoso. Bira havia ido na rua comprar uma Coca Cola e a deixara esperando no MSN. Na rua ele encontrou alguns amigos e resolvera parar para conversar com eles. Contou de Aimi, contou tudo e até que ela seria sua namorada. Mas Aimi estava com sono e cansada de esperar. Sentou-se diante de seu computador e deixou a seguinte mensagem para Bira:

“Bira, pessoas entram em nossas vidas por portas que a gente nunca imaginaríamos estarem abertas. E você entrou sem que eu convidasse, mas agora, sou eu quem não quero deixar você sair. Adorei ter te conhecido, e você salvou meu final de ano. Adoro você muito e quero poder te abraçar ao vivo. Assim que esse ano acabar e um novo começar, vou contar os dias para que possamos enfim nos encontrar e decidir o que faremos de nós! Um feliz ano novo seu intrujão! Te adoro! Até amanhã”

Vinte minutos depois ele se sentara no computador esperando poder falar com ela. E essa espera duraria sua vida inteira.

Naquela madrugada, Angra dos Reis fora devastada por uma forte chuva. O ano de 2010 começara com uma triste tragédia para o Rio de Janeiro. Dezenas de casas da região sul fluminense do estado foram arrasadas por fortes chuvas, e a casa de Aimi ficava localizada aos pés de um morro ocupado por casarões construídos em tempo recordes pelas construtoras.

Demorou para que Bira soubesse que a menina de seus sonhos havia sido vitimada na tragédia. Lhe doía ainda mais saber a maneira como ela morrera dias depois, pelos jornais. Soterrada enquanto dormia. Sem ter a resposta dele via MSN. Aimi estava o ajudando a superar suas neuras, seus traumas. E ele ficara sabendo pela televisão, que jamais poderia conhecê-la.

Chorou aos pés de sua televisão. Deitou-se na cama e ficou fitando o teto. No seu computador, o vídeo dela cantando KISS ME não parava de repetir. Parecia ter encontrado o amor de sua vida e perdera para a natureza. Sua força devastadora.

Bira começou a fazer terapia. Queria entender suas neuras. E faria aquilo em memória da menina que passara rapidamente em sua vida. Um simples capítulo de sua biografia, que teria mais páginas que todos os outros. Mesmo sendo uma breve, uma rápida história. Que para alguns pode parecer corrida, e até mesmo sem um grande clímax.

Toda noite, antes de dormir, ele assistia Aimi cantando. E sentia que mesmo longe,onde quer que ela estivesse, de algum modo, ela estava perto.

FIM!

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 07/02/2011
Reeditado em 29/12/2011
Código do texto: T2778472
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