Barba Ruiva

Hugo não acreditava em predestinação até chegar no trabalho certo dia e se deparar com a nova recepcionista. No crachá da moça, uma foto 3x4 que era fidedigna - há aquele carma de sempre sairmos estragados em tais fotografias - àquele rosto de inenarrável beleza, com o nome ao lado: Olga. Nome curto, bonito. Exótico, até. Um nome forte.

Naquele fatídico dia, na reunião com gerentes e com clientes que ocorria duas ou três vezes por semana, onde Hugo destacava-se pela suas idéias, rápido raciocínio e um palpite infalível na tomada de decisões, ele, Hugo, não conseguia tirar Olga da cabeça.

A reunião transcorria sem que ele se desse conta do que estava acontecendo. Alcançou uma caneta e, na folha de pauta da reunião, rabiscou um poema pensando na moça de cabelo tingido de vermelho que dirigiu-lhe um simples "bom dia" que aos seus ouvidos adquiriu a entonação de uma ária divina.

Claro que os comentários sobre a nova funcionária começaram a percorrer todos os setores. "Gostosa", Hugo ouvia aqui, "Tesuda", Hugo ouvia acolá e por aí em diante.

Após duas semanas de "bom dia" que faziam suas pernas tremerem, de dezenas dos mais inspirados poemas e de suas bochechas se enrubescerem de vergonha por se sentir tão tolo diante daquela beldade, Hugo criou coragem e convidou-a para um café após o expediente. Ela aceitou.

Sairam na sexta-feira, no sábado e no domingo. Transaram no primeiro dia. Hugo desacreditava do que estava acontecendo na sua vida. Alguns amigos advertiram-no com o habitual "vai devagar", mas ele deu de ombros. Sugaria o quanto pudesse daquela maravilhosa experiência que estava vivendo.

Duas semanas juntos. Durante um jantar romântico, Hugo confidenciou que nunca havia se sentido assim por alguém e que ela, Olga, era a musa inspiradora de uma centena de poemas. Olga sorriu após ouvir tal confissão e ficou, logicamente, curiosa para ler as coisas que Hugo escrevia pensando nela antes mesmo de começarem a sair.

Ele não mostrou os poemas.

Olga começou a ficar esquisita. O que deixou Hugo meio inseguro. E, na insegurança, passou a agir de forma patética: ligar demais, presentear demais, dar atenção demais. Só que quanto mais se esforçava, mais em vão parecia ficar seu intento.

Não demorou para que Olga rompesse a relação dando as mais vagas justificativas.

O que enlouqueceu Hugo. Queria saber aonde estava o erro. Seu coração doía. Entregou-se a jornadas etílicas homéricas para debelar a lembrança dos momentos com Olga da cabeça mas não adiantava muita coisa: no dia seguinte, durante a ressaca, ela era a primeira pessoa que ele via quando colocava os pés dentro da empresa. Aquele "bom dia" que um dia fora verdadeira música para os seus ouvidos soava agora como um triste adágio.

"Como ela consegue me desejar um bom dia, se ela É o motivo para que ele fique estragado?" - pensava ele, mergulhado na mais pura amargura.

"Ora, cara, ela é só um racho no meio das pernas! Deixa de ficar na bad por causa dessa putinha... Fiquei sabendo que ela tá saindo com o segurança 3x4 lá..."

E Hugo percebia que não estava só "pensando"; distraído, acabava falando o que pensava.

"Essa filha da puta não vale nada, eu sempre falei isso pra você".

Hugo... Chegou em casa e leu todos os poemas que escreveu pensando em Olga.

Olga, com seu coque vermelho.

Olga, desejando bom dia pra duzentos mil negos com o mesmo tom de voz encantador.

Olga, nua, aninhada em seu peito com os olhos brilhando de satisfação após um longo orgasmo.

Olga, chupando o pau do segurança.

Olga, dando "bom dia" e a bunda pra duzentos mil negos.

Olga, a filha da putinha do caralho!

Hugo não conseguia conceber tamanha traição.

Estava com o orgulho ferido.

Com o coração partido.

Que fizera, ele, de errado, porra?

Decidiu não beber naquela noite. A tentação da meia dúzia de cervejas que estavam na geladeira foi grande, mas ele resistiu.

Ficou deitado olhando pro teto, com os dedos cruzados sobre o peito durante um longo tempo, até que adormeceu.

Ao acordar, pela manhã, decidiu não ir trabalhar. Ligou para um dos companheiros de trabalho e informou que estava com disenteria.

Levantou da cama, escovou os dentes, vomitou, tomou banho, tomou café da manhã e saiu às compras.

Quando Olga desceu as escadas da entrada da empresa e viu que Hugo a esperava com um buquê de rosas nas mãos, não soube disfarçar seu embaraço.

"Você é maluco! Por que não veio trabalhar? Por que isso?" - disse, apontando o buquê - "Hugo, eu..."

"Olga... Aceite! É só o que peço a você, neste momento..." - falou Hugo, com a voz calma que era sua característica mais marcante.

"'Só', mesmo!? Tem certeza?"

"Não... Quer vir tomar um café comigo?"

"Não sei se posso, Hugo" - disse Olga, com um olhar preocupado e ligeiramente virado para o lugar onde estava plantado o tal segurança que, supostamente, estava a enrabando.

"É coisa rápida, Olga" - disse Hugo, rapidamente - "Deixo você aqui antes do expediente dele acabar" - consultou o relógio de pulso - "e ainda temos duas horas até que isso aconteça. Vamos?"

Olga lançou um olhar furtivo pro segurança e assentiu com a cabeça, confirmando que aceitava o convite de Hugo.

"O carro dele é aquele de cor berrante, não é?" - perguntou Hugo, com ar desinteressado.

"É sim, por quê?" - Olga quis saber.

"Vou deixar você lá, Olga!"

Olavo, o segurança, entrou no vestiário soltando fumaça pelas ventas. Desde que vira Olga conversando com Hugo, não conseguiu mais se concentrar no trabalho. Durante aquelas duas horas, ligou sem parar no celular de Olga e a porcaria dava caixa postal direto. "Piranha filha da puta", esbravejou ele ao tirar o uniforme.

Tomou um banho rápido, colocou calça jeans e camiseta branca, jogou a mochila com o quimono nas costas e saiu do vestiário andando a passos largos. Continuava irritado.

"Estava bom demais pra ser verdade" - balbuciou enquanto apertava o botão do elevador que o levaria até o estacionamento do prédio.

Tentou novamente o celular da Olga. Caixa postal novamente.

"CARALHO" - Gritou, esbofeteando o porta-malas do seu Opala laranja - "Vou matar esses dois traidores com as minhas próprias mãos!"

Enfiou a chave no porta-malas.

Franziu o cenho, pois alguma coisa estava errada ali dentro.

Havia um saco de lixo que ele não se recordava de ter colocado lá.

Desatou o nó safado do saco e enfiou a mão dentro.

E com qual surpresa, Olavo - com seus dois metros de altura, faixa preta em duas artes marciais - não soltou um gritinho de moça ao erguer na altura dos olhos a cabeça de Olga!

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 06/02/2011
Código do texto: T2774793
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