ERA EU...

Era eu que tomava conta da minha mãe. Diferente de todas as crianças que eram cuidadas pelas suas. Ela era uma pessoa que cresceu em tamanho, foi envelhecendo pelo tempo, mas continuando infante por toda vida.

Era eu que a levava para tomar banho. Escovava seus cabelos, colocava-lhe as sandálias, cortava suas unhas. Era totalmente dependente.

Era eu que passava noites em claro, para não esquecer o horário dos remédios. Era eu que ficava ao lado da sua cama temendo por sua vida; com ansiedade esperava o nascer de um novo dia porque pude comprovar que a doença fazia quem estava doente piorar a noite.

Era eu que lhe pegava nas mãos para que não fosse atropelada pelos carros ou viesse cair e machucar os joelhos. Era eu que lhe ajeitava as roupas para que não mostrasse sua nudez. Era eu que cuidava dos seus pertences para que nenhum malandro se aproveitasse e viesse roubar o pouco que tinha.

Era eu que lhe enxugava as lágrimas; animava-lhe quando estava melancólica, lhe incentivava para continuar achando graça quando não havia nenhum motivo para isso. Porque nem mesmo eu achava graça em nada... Era eu que construía castelos para ela adentrar e se deleitar. Era eu que sofria em silêncio quando cada diagnóstico chegava ou quando ouvia do médico: Não há jeito.

Era eu que passava horas preparando algum alimento que lhe apetecesse, procurava uma roupa que lhe coubesse e a levava para passear. Tentei por muitas vezes lhe ensinar lições que nem mesmo eu tive tempo de colocá-las em pratica. Era eu...

Nunca recebi um abraço, um beijo, uma demonstração de amor. Ela não entendia, vivia em outro mundo. Um mundo tão distante que nunca, por mais que corresse poderia alcançá-la. Foi aí que descobri que os sentimentos que nos machucam nem sempre desaparecem com um beijo, um abraço, um pedido de perdão... Foi aí que descobri um grande rasgão no peito que sangrava não sei há quanto tempo e que nem sei se vai cicatrizar.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 04/02/2011
Código do texto: T2771723
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