O TEU SORRISO... (23/08/2005)
Terça-feira, 23 de agosto de 2005, 20:45 hs.
Passei a tarde xingando e provocando a leoa. Ela, como não poderia ser diferente, está uma fera comigo. Tentei induzi-la a ir para casa, cuidar da filha pequena e do outro, que estava na barriga. Que pegasse, com o Macedo, a quantia pelo trabalho já realizado e deixasse aquele velho vagabundo terminar a tarefa. Ela refutou. Disse, com todas as letras, que jamais deixa de terminar algo que já começou. Afirmei que talvez fosse este o motivo para a barriga dela estar daquele tamanho. Ela, apesar de tentar muito, não conseguiu conter uma risada. A falta de dentes não foi um empecilho para que um sorriso lindo e radiante se revelasse. Animou meu dia, confesso.
A guriazinha corta-me o coração. É tão dura quanto a mãe, se não mais. O nariz empinado de moleca e as sardinhas pequenas sob olhos parecem ser os únicos indicativos de que ali está uma criança, e não um adulto amargurado. Os olhos, aliás, me põem medo. Juro pra você, companheiro, que, em setenta e oito anos de vida, jamais vi olhos como aqueles, poderosos, misteriosos, que parecem esconder uma luz magnífica.
Agora um segredo capital: quando a mãe foi até os fundos da casa, deixando a pequena de vigia dos equipamentos de jardinagem, agi rápido. Atravessei a rua, tirei uma nota de R$ 50,00 do bolso e entreguei à menina, espantada. Pedi-lhe que jamais revelasse à mãe ser eu o doador daquela quantia. Pedi-lhe que mentisse e dissesse que a nota passou voando pela calçada. A guria não fez que sim nem que não, apenas ficou com a cabeça baixa, olhando fixamente a onça desenhada na nota. Quando a mãe voltou, para minha surpresa, a guria não falou nada, apenas guardou o dinheiro no vestidinho sujo e seguiu trabalhando, silenciosa.
Ainda não compreendo o porqu... Um minuto, companheiro, a campainha tocou. Volto amanhã.