O TEU SORRISO... (22/08/2005)

Segunda-feira, 22 de agosto de 2005, 21:45 hs.

O sol não saiu, mas sentei na rua assim mesmo. A leoa segue contribuindo para a surdez coletiva com sua máquina infernal. O gramado do Macedo é enorme, e ela vai ficar lá ainda por uns dois dias, pois é lenta como uma tartaruga.

Falando no Macedo, ele e os outros velhos do bairro, no final da tarde, sempre saem para tomar um trago no “Boteco da Saudade”, que fica na esquina de minha casa. Neste horário, hoje, eu já ia me recolhendo, mas, como estava com a boca seca, mudei de ideia e resolvi ir até lá, também.

- Ora, ora, ora, quem é vivo sempre aparece... Que eu me lembre, alguém havia dito que nunca mais viria aqui... – falou o insuportável do Amaral, assim que me viu entrar.

- Cuide dos teus problemas, Amaral, que não são poucos... – Pedi um martelinho e encostei-me no balcão. – E, tu, Macedo, anda contribuindo com a exploração infantil, agora?

- Xii... Lá vem ele... Não se pode nem tomar uma birita em paz... Esse velho só vem aqui pra incomodar.

- Não, não, deixa ele. Quero saber que história é essa. Do que tu tá falando? – interrompeu o Macedo.

- Ué, do que mais seria? Se vocês não têm consciência, amigos, eu não posso fazer nada, mas eu não consigo ver uma mulher naquelas condições fazendo trabalhos pesados. Qual foi a proposta, oferecesse menos dinheiro porque ela não conseguiria fazer o trabalho tão rápido quanto um profissional?

Para minha surpresa, Macedo engoliu em seco.

- Olha, velho, se tu passa o dia cuidando a vida dos outros, eu não tenho culpa, mas, da minha vida, cuido eu, certo? A mulher veio pedir trabalho para alimentar os filhos, o que eu poderia fazer? Bater-lhe a porta na cara? Se eu não fizesse, outro faria. Feliz ou infelizmente.

- Que alma caridosa. São Macedo! Tu ainda vai ser popular, um dia...

- Esqueçam esse velho rabugento! Quem se importa com uma baranga daquelas!? Vamos falar do que interessa: e o Robinho, heim? Vai pro Real Madrid!

- Guri nojento! Pensa que é o Pelé! Hã! Não serve nem pra engraxar a chuteira do Pelé! Não se faz mais jogadores como antigamente!

Deixei o boteco, abandonando meu martelinho, intacto e solitário, em um canto escuro do balcão. Não queria beber com aqueles homens.

Já era uma noite gelada quando atravessei a rua deserta em direção à minha casa. Deserta, mas não silenciosa. O insuportável barulho de uma máquina cortadora de grama atrapalhava a consciência silenciosa dos bons cidadãos.