Lindos de morrer!
-- Nunca mais, nunca mais vou amar alguém...Pedro parecia petrificado, com exceção da boca que abria e fechava num sussurro: “nunca mais, nunca mais”. Sentado, melhor, largado naquele sofá branco e fofo, era igual saco sem vida, me dava pena. Tão lindo e tão...deprimente. Já não se cuidava como antes; tinha a barba de dias por fazer, os cabelos louro como os trigais em desalinho, a camisa amassada de colarinho sujo, a calça de usar em casa ensebada. Assim encontrei meu querido amigo de tantas alegrias e dores compartilhadas. Fui chamada às pressas por ele mesmo, para lhe dar aquele “famoooso” apoio; daquelas horas, sabe né, quando tudo está black. De relance olhei em volta. O lugar não via uma faxina -- há quanto tempo? Posso até imaginar que muito, tamanha a bagunça de coisas pelos cantos e sujeira. O apartamento é um dúplex, bem distribuído e aconchegante. A sala confortável, com chão de tábuas largas de madeira maciça e enceradas, divide-se noutra de jantar por um desnível em degrau; dali mais adiante uma porta vaivém de treliça abre para a cozinha, projetada com fogão e geladeira embutidos. Tudo novo, moderno e muito sujo, craquento mesmo. Meu Deus, que cheiro ruim! Fujo rápido antes que, num acesso de fúria, pegasse balde, vassoura e panos e cometesse uma loucura... limpar tudo. Devagarzinho, volto pra sala. Atrás do sofá tem uma escada também de madeira de poucos degraus. Em cima, uma peça única e aberta: o quarto. Subo um pouco e estico o pescoço (já que começei a examinar, vou até o fim). Numa olhada dá pra ver o quarto todo: cama de casal sob medida, claro que desarrumada, um verdadeiro ninho de vários bichos; o indispensável armário embutido, num pequeno closet; o banheiro fecha com bonita porta sanfonada de cor rosa-choque bem forte, mas bonita. Não me atrevi ir além. Voltei para junto de Pedro. Ele continuava lá estático, não movia nada, nem seus belos olhos de profundo azul. Olhei para o caro relógio cuco na parede. Quase cinco horas da tarde; me agitei impaciente. Ir para casa sexta-feira àquela hora em Sampa, é querer ser tragada por fuligem, buzinas, freadas, caos... Desconcerto-me pela falta de coração e baixo meus olhos para o aflito querido amigo. Tão lindo que é: 1,85, corpo musculoso (mas não demais), boca fina, covinha no queixo (é mole?), não há quem olhe aquilo tudo desejando. Personalidade forte (porém calma), voz pausada e rouca, equilibrado, educado, carinhoso, enfim (suspiro)... Agora ali jogado, sem vida. Ele pegara de novo o porta-retrato e soluçava alto. Cheguei mais perto, com pena, coloquei a mão em seus ombros e olhei por cima deles. Não resisti, um soluço me escapou. Na foto bem tirada, o rosto moreno, iluminado e também lindo de Alberto sorria para nós. Encostadinha nele aquela carinha peluda e fofa de língua de fora. Alberto (meu também querido amigo, grande amor e paixão de Pedro) nos deixou para sempre: foi embora também para um dúplex, só que de cobertura, do outro lado da cidade, e junto levou a nossa querida amiga labradora cor de mel, Fifi.