O ESCRAVO DE RAMSÉS - PARTE 3

Passou a valorizá-la ainda mais, depois da morte de Abdul. Temia então pela amada. A posteridade dos soberanos do vale do Nilo foi geralmente numerosa, o que tornava particularmente espinhosos os problemas que a sucessão deles suscitava. Inúmeros papiros fazem alusões a interrogatórios, a julgamentos secretos, a execuções sumárias e outros ajustes de conta, em ligação com a morte de um príncipe reinante. Desde os tempos mais antigos, certos domínios da coroa eram destinados à manutenção dos numerosos príncipes de sangue. Mas estes últimos eram obrigados, ao mesmo tempo, a assumir funções muitas vezes pesadas na administração, nos cultos e no exército.

Foi o que sucedeu com Bartira. Com a morte de Abdul, ela, passando para o harém de Ramses III, ocupou ali várias posições de destaque, mas não se sentia satisfeita. O poder da soberania anterior era-lhe muito maior e cheio de liberdade, o que agora não ocorria. Achava que Ahamed a traía com as demais concubinas. Com a morte de Ramses III por envenenamento, Bartira perdeu parte de suas regalias, que já não eram muitas. Foi a julgamento, conseguindo se livrar de uma condenação. Mas teve que abandonar o palácio e ir para os cultos como serva de Amon Rá.

Os dotes de Ruana juntaram-se aos de Ahamed e a paixão não se fez esperar. A ela não faltavam o luxo nem o conforto. Poderia sentir-se satisfeita com o estilo material de vida que a preenchia por fora, mas o vazio da solidão permanecia. Sentia-se usada, vivia num mundo que não era o seu. Nobres, guerreiros e sacerdotes faziam parte do seu dia a dia. O amor de Ahamed era notório. Sentia-o nos olhos do escriba ao cruzar com ele nos corredores do palácio, quando não o captava disfarçado num sorriso que ele fingia não ser para ela, mas para Ramses ou outra concubina nas festas coletivas. Usara da influência do faraó, soubera como nenhuma outra tirar vantagem dos momentos de orgia em que o soberano era mais seu do que de outras concorrentes. Foi fácil, num momento de fraqueza, incutir nele a idéia de lhe facilitar Ahamed.

A princípio, todos os que estiveram no palácio, ou que por lá passaram, eram culpados pelo assassinato do rei. A influência de Ahamed conseguiu tirar Ruana de uma possível condenação. Salvou-a. O amor fê-lo por si. O amor que já não sentia por Bartira. A mesma que um dia livrara-o da morte certa, perdera-o para uma escrava; quão revoltoso não devia estar o seu coração. Só mesmo os deuses para consolá-lo e ela vivia no meio deles, agora. Tanto a eles se dedicou que conquistou os sacerdotes do templo.

Passaram-se meses, a sucessão efetivou-se e, quando isto acontece, só não mudam de lugar as paredes do templo. Um papiro em forma de mensagem destitui de suas funções Ahamed que, rebaixado, não suporta a humilhação e decide abandonar tudo.

– Não sofra por mim, eu te peço. Preciso aceitar meu destino. Você é linda e inteligente, não posso aceitar que se arrisque ao meu lado. Não fuja. Permaneça aqui e enfrente tudo; no final estaremos unidos e nos amaremos para sempre. Confie em mim, meu amor.

– Por favor, não me peça tal coisa – disse soluçando Ruana. As lágrimas de dor e angústia banharam os contornos rosados de suas faces. Os olhos verdes e expressivos fitavam Ahamed, como a lhe suplicar que a não deixasse.– Prefiro a morte. Não suportaria continuar nesta vida sabendo que não mais o teria a meu lado. Vivi e tenho vivido envolta no paraíso. Quase esqueço que sou uma concubina que divide com outras as horas de alegria e descanso de um Ramses. Sou diferente delas porque tenho a ti, meu amor, meu guardião, minha fortaleza.

Mas, por maiores que fossem as promessas e por mais torturante a decisão que precisava tomar, Ahamed não titubeou. Ao dar o beijo de despedida em sua amada, foram de seus olhos as lágrimas que desta vez rolaram. O abraço apertado, o rosto oculto no choro e o vestido branco de linho umedecido irão se perpetuar na mente de Ahamed com a mesma força que já se perpetuara o amor de Ruana em seu coração. Naquela manhã calorosa partiu ele a cavalo para sua nova vida.

Bartira, a grande causadora do renascimento de Ahamed, como de sua queda, de promoção em promoção dentro do templo, tornou-se sacerdote, conquistando em todo o Egito respeito, admiração e, inevitavelmente, medo, posto ter sido ela no passado alvo de iguais sentimentos. E, agora, depois do faraó, a mais rica e influente personalidade tinha muito em suas mãos. Ahamed enfrentou anos de penúria vagueando no deserto, sacando de sua grande sabedoria a força e a coragem, sustentado pelo amor de Ruana. Os ricos e abençoados oásis foram seu lar e sua oficina; e a experiência, a convivência entre beduínos transformaram-no mais uma vez. Tornou-se próspero na compra, venda e criação de camelos. À sua tenda, bela e confortável, vinham mercadores dos quatro cantos da África. Com exceção de Ruana, Tebas, o palácio do faraó, as pirâmides, em fim, o Egito, passaram a ser, não só para ele, mas para todos da longínqua região onde agora vivia, não mais que uma referência comercial e bastante lucrativa. E foi graças a isso e a sua fama, e não menos à sábia mão do destino, que Ruana passou a ser sua novamente, trazida a camelo e com muita pompa.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 27/01/2011
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