e se (..)

Bem, não foi uma das conversas mais sensatas e coerentes que já tiveram, mas foi a que ele mais se recorda, era uma dessas manhãs de outono quando (..)

- Você viu o noticiário da manhã?

- Nem pus a mão no jornal ainda. Qual a desgraça dessa segunda, além da minha insuportável ressaca?

- Ih, que dizer então que o conhaque fez efeito ontem né, bisca? (risos)

- Ai Gui, você esqueceu da regra? Sem graçinhas ou piadinhas inúteis quando estou nesse estado.

- Desculpa meu amor, mas não resisti. Sabe como é né? Enfim, a lei contra tortura de animais para os religiosos e afins, foi aceita. A estupidez e a desumanidade humana não tem fim, não tem limite, não tem escrúpulos.

Meu pai bem que me disse uma vez quando ainda criança, quando morria de medo de fantasmas: “filho, você tem que temer o homem. Esse como eu, como você, como o vizinho, esses sim podem e vão lhe ferir, sempre que puderem, sempre que quiserem.”

- É mesmo horripilante o que nós, seres que nos julgamos tão racionais, fazemos de tão irracionais. Bem quanto a seu pai, eu teria ficado honradíssima em conhecer um cara tão sábio.

- Será que você não entende nada mesmo, Jú?

- Hã? Não estou te entendendo.

- Você nunca entende, nunca compreende o óbvio, o lógico.

- Gente, e cada vez mais, entendo-o menos. Onde está querendo chegar com esse papo de “você não entende, não compreende (..)”.

- A lógica, os fatos que lhe tocam a alma, lhe sufocam te matam e você fingi ri, fingi mar, fingi que está contente, mas não esta. Qual o problema em não estar bem? Por que as pessoas sentem tanto medo em mostrar-se infeliz, insatisfeito? Mascaram-se do bom, do puro e expõe e esfregam na cara do resto da humanidade o podre, o feio.

- E o que seria o belo? O que é belo? Ah, isso tudo são nomes que atribuíram pra gente poder se comunicar. Tudo besteira.

- O Sol, A lua, As estrelas, As estradas, o céu azul com toques de riscos coloridos. O belo é amar, é sofrer, é ser humano cacete, é ser você, sem ferir ou magoar ninguém. É saber apreciar o simples, e abrir um sorriso canto a canto do rosto. É fugir com uma mochila, uns amigos, umas garrafas de sagatiba e alguns maços de cigarros. É estender a mão, respeitar as diferenças, o que você não conhece, não entende. Isso é belo porra.

Não a morena da bunda grande e olhos azuis que entra no bbb e ganha uma nota expondo seus mamilos pra um bando de tarado que não come ninguém.

- Onde está querendo chegar com esse papo filosófico todo?

- Você não entende mesmo, né?

- Mas entender o que homem de Deus?

- Que a vida não para. A onda continua lá batendo na pedra, o político lá a roubar o povo que o elegeu, que a gente querendo ou não a gente cresce, envelhece, e é ai que chega a hora de fazer a coisa certa. Tá esperando o que ainda pra fazer a coisa certa?

- Hã?

- O certo chuchu, o que você temeu e teme até hoje. Ta na hora de se libertar, ir.

- Ir onde?

- Sabe Chico Buarque disse em uma de suas canções:

“ (..) Eu sei que fui um impostor

Hipócrita querendo renegar seu amor

Porém me deixe ao menos ser

Pela última vez o seu compositor.”

Isso que você foi, hipócrita. Por medo ou covardia, não importa, foi hipocrisia.

E ta na hora de você fazer o certo, pra você, por você, por vocês.

O mundo ta esse caos todo, essa sem-vergonhice toda por uma simples razão: falta de amor.

- E você acha que uma atitude de amor minha, salvará o mundo?

- Pode não salvar o mundo, mas a você, a quem ouvir a sua história, ou a quem simplesmente tiver os olhos de menina sonhadora, quem sabe?

- Você sabe como eu odeio quando os sentimentos me escapam pelas veias e escorrem pelo corpo. E afinal, o erro não foi somente meu. Foi dele, foi nossa.

- Mas só depende de uma pessoa para consertar: você.

- Consertar o que? O fato de não sabermos amar? Gui, existem outros princípios no mundo. Como vencer a fome, a guerra, o nosso infeliz sistema. Eu tenho outros sonhos, outros sabores a sentir, além do amor carnal. Eu quero o amor de outras formas, sem clichês, um amor pelas árvores, pelos pássaros, pelo canto, pela lua, por você. Sabe? Cansei dessa coisa da nossa sociedade mesquinha ditando a todo tempo o que eu devo fazer, o que eu devo ser. Quero quebrar tabus, quebrar regras, medidas.

- E se isso não for suficiente?

- E se amar não for suficiente?

(..)

Alessandra Vieira
Enviado por Alessandra Vieira em 23/01/2011
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