TEMIDA LIBERDADE *

Quando aceitara o convite do primo para as férias, não imaginava o que a aventura lhe preparava. Alugaram uma casa vistosa para veraneio, praiana, lagarteando ao sol, mergulhando nas calmas águas daquela praia paradisíaca, a vida parecia perfeita.

As noites se estendiam nos bares simpáticos, com músicas ao vivo e karaokês, até o despontar do dia claro. Queria divertir-se, tão somente. Desfrutar das belezas do lugar, namorar sem compromissos, aproveitar a juventude viril de seus vinte e poucos anos, nada além disso. Qualquer plano de futuro estava arquivado, com soluções pendentes para o momento certo, ou seja, o futuro. O agora era o momento, o que valia.

Tudo transcorria sem atropelos, não fosse o mergulho intenso e profundo nos cambiantes olhos, ora verdes ou azuis, dependendo do ambiente e horários, se de dia, verdes como o mar ou noturnos em azuis no varar das madrugadas, bem depois das 12 badaladas. Aquela beleza menina., tingida de pintas suaves na melanina da derme, cabelos alvoroçados, ruivos, encorpados, no andar sensual, semblante e corpo em harmonia, bronzeados na natureza. Tudo inebriava, o comando não lhe pertencia, aquela sereia em seu fascínio o guiava, dando rumo a sua nau solta, em férias.

A desejou por uma noite, não mais que isso. Mas provava do mesmo mel por todos os dias, até ver-se confuso, indeciso, já não a querendo por um tempo apenas, antes, por todo o tempo. Mas ela o confundia e o atraía em emoções simultâneas, era libertina, devassa, o comia como nenhuma outra o fizera, e assustava, machucava pela exuberância de seu domínio, o fazia melhor no maior dos gozos, fascinante fêmea ardente, na figura cândida de uma menina queimada de sol. Ele a tinha no gozo pago de uma profissional do sexo.

Preso nas teias da aranha, envolvido nos laços braços de sua volúpia insaciável. Via-se virado ao avesso, nos conceitos e valores pequeno-burguês de sua moral abalada. Ela era muito ousada para seu universo restrito, um risco para suas convicções ameaçadas. A desejava e a temia, como um dependente diante ao ópio a levá-lo ao nirvana dos prazeres, jogando-o no precipício. Tentava evitá-la e a queria como um náufrago em busca de um porto seguro Já não tinha tanta certeza de suas certezas, arrasava-se, dependia da presença dela, do calor do seu corpo, do coito acolhedor. Mais que corpos em desejos, o encontro de almas, em mundos diversos, intransponíveis.

Fugir parecia ser a melhor das soluções, a ausência, por dolorida que fosse, acalmaria os ímpetos, martirizava-se sem paz, querendo e não querendo afastar-se para longe. Quando a razão dominava, fazia as malas, resoluto, dono de si... mas, se as lembranças reacendiam, a emoção tomava conta, e tudo era em vão, estava no pior dos infernos íntimos, em luta muda, surda, em duelo intenso consigo mesmo.

Não queria ceder ao óbvio, a amava, como nunca sentira antes por nada e nenhuma outra.

E lutava contra esse sentimento a atraí-lo e repudiá-lo no mesmo instante, como dois eus em conflitos. O eu convencido de seus limites censurava o outro eu, libertário e audaz. E quedava-se, em angústias, transformando o período de lazer em tormentos pessoais. Aquilo o conduzia a uma arena, em que se situava como réu e juiz , com tudo que aprendera de certo e errado em xeque. Aturdido e combalido diante ao repertório de conceitos, alicerce e o esteio de seu comportamento, parâmetros de sua vida transformado em terreno movediço e incerto.

Seu mundo desmoronava , como um castelo de areias, e o que solidificava suas convicções perdiam suas raízes e certezas, revia-se em outros patamares de análises de si mesmo. Não mais se reconhecia no que acreditava, era um outro em briga consigo mesmo.. .

O carro se distanciava da cidadela, ganhando a estrada. Consciência dividida, opressa, levava um jovem envelhecido em suas dúvidas, amadurecido em juventude, no primeiro dos inúmeros embates e dilemas nos quais a vida haveria de pô-lo em provas...

*Selecionado para figurar na Antologia de Contos da Meia Noite, editora CBJE, Rio de Janeiro/RJ, lançamento Março/2011