Apenas Caminhando - Capítulo IV

*Dez anos depois*

IV

Eu precisava correr.

Procurei a chave da casa em algum profundo canto do bolso da calça jeans. Malditas calças jeans. Chequei meu relógio, faltavam quinze para as seis - precisava estar pronto antes das sete e meia.

Abri a porta e corri para o banheiro, jogando a jaqueta em algum lugar no meio do caminho. Olhei-me no espelho. Precisava fazer a barba, com calma para não se machucar. Meu rosto teve suas curvas suavizadas com o passar dos anos, ficando estranhamento maduro - diziam que já dava esse ar quando eu tinha 17 anos, parecia ter sempre uns dois anos a mais.

Passei a espuma branca no rosto, ignorando o quão gelada estava. O problema com compromissos me perseguia, era o tipo de coisa que eu perguntaria ao destino, caso se tratasse de uma pessoa.

O gelado inverno em que estava, o mais frio em anos, diziam, me fazia pensar em pouco no passado. Sempre diziam que o inverno atual era o mais frio em anos. Ia acabar entrando na era do gelo um dia desses.

Terminei de me barbear, passei rapidamente um creme que estava ainda mais gelado que a espuma e corri para o quarto, procurando uma roupa razoável. A calça não importava muito, mantive a jeans azul que já usava, então desdobrei uma camisa casual azul com preta, satisfeito com minha primeira escolha. Vesti-a e corri para o carro.

Finalmente no volante, respirei fundo por um segundo. Não poderia ser o exemplo de pai ausente como nos filmes - não perderia essa apresentação por nada no mundo.

Dirigir não era muito diferente de caminhar. Assim como nas calçadas, existiam pessoas para se desviar, pessoas que dava vontade de perseguir, pessoas evitáveis, enfim, pessoas. Tirando o óbvio fato de ser bem mais rápido e prático, dirigir era uma atividade sem qualquer outra utilidade a não ser locomoção. Uma atividade menos saudável, mais cara e poluente.

Após estacionar no meio dos vários outros carros, bater a porta sensível com cuidado e ligar o alarme, chequei o relógio e percebi que podia caminhar tranquilamente - faltavam seis minutos. Assim o fiz, entrando na escola que estava cheia de outros pais que não perderiam a apresentação de seus próprios filhos.

Era engraçado pensar que eu era pai de uma linda menina chamada Sofia.

A escolinha estava decorada de acordo, com caminhos óbvios levando até o palco principal. Seguindo as outras pessoas, podia escutar uma voz anunciando algo. Deveria estar começando. Apertei o passo até chegar à porta dupla.

O auditório estava enfeitado e diante dele, já poucas cadeiras vazias - atrasei-me um pouco, afinal de contas. Entrei e sentei numa mais centralizada, onde poderia ter uma boa visão.

Como se estivessem me esperando, a luz se apagou e então, começou.

Quinze meninas de seis anos surgiram de trás da cortina azul, vestidas à caráter de acordo com suas personagens no pequeno teatro. Havia apenas uma iluminação básica, falas simples seguidas de gestos dignamente teatrais - era impossível não sorrir. Ao olhar para os lados percebi que não era o único emocionado.

Aquilo me trouxe de volta a sensação de ser criança e brincar de casinha. Até mesmo adolescente, quando pensava em como era ser pai, não tinha ideia de como era forte.

Após o fim, as crianças desceram pela escadinha ao lado do palco correndo ao encontro de seus pais. Não demorou muito até que uma menininha de vestido branco e cabelos cacheados viesse correndo alegremente em minha direção.

- Pai, pai! - sua voz pequeninha transbordava alegria, os braços esticados esperando meu abraço.

Agachei-me para abraçá-la, levantando-a um pouco como nos filmes. Parecia aumentar um quilo a cada dia. Realmente, as crianças crescem debaixo de nossos narizes sem que o tempo se deixe perceber, ou são meus músculos que atrofiam cada vez mais.

- Estava linda, garota. - disse-lhe.

- Eu sei... - alongou a última sílaba, brincando. Às vezes ela parecia mais inteligente do que realmente era. Ou fazia com que eu pensasse assim. - A mamãe não veio?

- Ela tinha que trabalhar filha. Mas da próxima vez ela vem, vou forçá-la a vir.

- Bom mesmo. - colocou as duas mãos na cintura, fazendo beicinho. Olhou para trás. - Minhas amigas estão me chamando, não vai embora!

- Tudo bem, não vou a lugar nenhum.

Mais tarde estávamos no carro, no caminho para casa, eram umas oito da noite.

- Por que não deixa eu ir na frente com você? - perguntou-me. - Na minha sala tem um menino que sempre vai na frente. É só por que eu sou menina?

- Não, filha, não é isso. Sabe o que é lei?

- Mais ou menos...

- Então, na lei, diz que você precisa ter dez anos para sentar aqui. Se a polícia nos pegar e descobrir que tem menos, nós dois vamos presos, iríamos ficar longe da mamãe.

Ela pensou por um momento.

- Ahhh, tá. - pausa. - E por que todos seguem a lei?

- Nem todo mundo segue, mas é um jeitinho de fazer as pessoas se comportarem.

Era ligeiramente fácil explicá-la certas coisas. Outro detalhe que sempre soou como a pior parte, as perguntas, eram quase instigantes. Já fizera perguntas mais difíceis.

Chegamos a casa. Era uma construção de concreto, cuidadosamente pintada por fora, até parecia ser mais cara. Estacionei na frente, pois já estaria saindo novamente - era noite de cinema com a esposa, outra coisa que eu pensava ser impossível de acontecer após o casamento.

Mal desliguei o veículo e a garotinha agitada já queria abrir a porta de trás e correr. Saí do carro e abri-a facilmente - trava anti-crianças. Antes mesmo que começasse a correr, vi minha esposa saindo da porta da cozinha sorridente. Apostei comigo mesmo que ela achou que eu esqueceria. Abraçou a nossa garotinha extremamente feliz, que logo já correu para dentro de casa cantarolando alguma canção que aprendera na escola.

Era o retrato perfeito de uma família feliz. A mulher que eu amava veio caminhando em minha direção, enquanto eu também fazia meu próprio esforço para encurtar a distância.

- Oi, linda. - disse-lhe, percebendo que havia acabado de sair do banho, pois seus cabelos louros cacheados estavam úmidos.

- Oi, lindo. - sorriu e beijou-me. - Achei que ia esquecer.

- Não posso me ofender com a ideia. - murmurei. - Mas consegui chegar a tempo.

- Programa de namorados confirmado? – perguntou, fitando-me com seus olhos verdes.

- Incrivelmente, sim.

- Então vamos, vou terminar de me arrumar. - puxou-me pela mão, sorrindo.

Alison era uma mulher muito divertida.

Saímos e rimos um bocado - o filme era realmente bom. Jantamos fora e acabamos voltando para casa tarde.

A noite para mim era sempre uma criança. Enquanto Alison já descansava na cama, sentei-me ao computador com um editor de textos aberto, mas fiquei alguns minutos encarando uma página em branco.

Procurei minha querida pasta de músicas e passei os olhos pelos nomes, esperando algum gritar por atenção. Mais alguns minutos voaram.

Deviam ser quase duas da madrugada, mas mesmo com o relógio no canto direito inferior da tela, não me preocupei em checar. A lista de canções não era muito diferente das que escutava há muito tempo, com algumas adições mais recentes e outras ainda mais antigas.

Após a quarta música, algumas palavras surgiram. Digitei devagar, sempre procurando uma expressão melhor ou que tivesse as palavras mais corretas. Cada vez que tentava escrever sobre qualquer coisa, as mesmas palavras se repetiam infinitamente. A única opção, às vezes, era optar por um texto completamente sem nexo, puro brainstorm. Ainda era divertido, mas não passava de um escape. Não publicava mais nada do que escrevia, não havia motivo, se servia apenas como desabafo eventual sobre nada.

Analisando bem, fazia um bom tempo que eu não escrevia.

Esqueci mais uma vez do copo de vinho ao lado da tela, perto da caixinha de som. Para um adulto, sou um desastre em relação a bebidas alcoólicas.

Mais algumas divagações em versos foram escritas, algo sobre adultos.

Não quero ser adulto,

eu quero ser eu.

Palavras bobas e fracas, pensei. Mas ninguém jamais as leria.

Jack Lopes
Enviado por Jack Lopes em 12/01/2011
Código do texto: T2723771
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