Apenas Caminhando - Capítulo III

III

“Dane-se”, lembro de ter dito. O sol estava quase nascendo.

Fazia exatamente um ano naquela tarde que, naquele mesmo horário, estava me perguntando no que havia me metido, como reagir, por que pensava as coisas que pensava e vários outros tipos de questionamentos das aulas de filosofia.

Ela estava deitada na cama, ainda dormindo, ou disfarçando muito bem. Pela janela que abri cuidadosamente a fim de não fazer barulho, via o céu azulado com nuances de laranja ao horizonte, ainda esperando pelo primeiro raio de sol. A beleza do momento podia se comparar à beleza da garota ali descansada, mais ou menos enrolada no lençol, de olhos fechados. Algo em sua expressão, algo muito sutil me fazia perguntar se estava tendo um sonho muito bom.

O plano era que ela passasse a noite na minha casa, onde veríamos um filme, mesmo que a ideia fosse um tanto louca. Acabou dando certo, com um pouco de boa vontade e claro, confiança entre pais e filhos. Parece que os pais dela realmente confiam nela e em mim. Aposto que estão roendo as unhas nesse exato momento, de qualquer forma.

- Oi. - escuto sua voz, seguida de um leve bocejo e esqueço a janela por um momento. - Que horas são?

Sento-me na beira da cama.

- Por que está sorrindo? Minha pergunta foi engraçada? - quis saber, brincalhona.

- Observando o começo do dia, acabei ficando pensativo.

- Você nem gosta de ficar pensativo. - riu, espreguiçando-se. - Sobre o que pensava?

- Sobre um ano atrás. - disse-lhe, tentando soar natural. Ela entendeu.

- Acho que eu estava sonhando com algo semelhante... mas não lembro direito. - quase sussurrou, com a voz ainda fraca por ter acabado de acordar.

Eu devia agradecimentos à uma série de coisas. Talvez àquelas duas garotas cujo rosto nem lembro que indiretamente me deram a ideia do shopping, ou às duas horas de duração daquele filme sobre o fim do mundo que me permitiram estar onde estive na hora certa. Eu sempre parecia estar no lugar errado, em qualquer hora.

Ela, naquele momento, não parecia estar fazendo nada de especial. Assim que terminou a frase relativamente normal e sem importância, fechou os olhos por um momento, rendendo-se à sonolência. Seus olhos abriram-se novamente, procurando meu olhar. Um sorriso quis se formar em suas feições, mas sempre tentava disfarçar - fazia parte do seu jogo duro, teatro do "eu-não-sou-dependente-de-você". Em um momento como aquele, em que sequer trocávamos palavras, estava a melhor poesia de amor já feita, a melhor canção de amor já cantada, a melhor definição de amar alguém já pensada, mas todas as partes careciam de palavras.

Agachei-me ao lado da cama e quando vi o rosto dela de perto, lembrei de outro detalhe. Um sonho que havia acabado de realizar.

- Finalmente, eu acordei ao seu lado.

- Tudo tem uma primeira vez.

Peguei sua mão que brincava com o tecido da blusa vermelha e apertei-a de leve, lembrando daquele primeiro tímido toque.

- Você nem precisa dizer nada, eu entendi. - sorriu.

Diante dos primeiros raios de sol, deitei com ela novamente, me permitindo fechar os olhos e mais uma vez, imaginar que estava sentindo o corpo dela perto do meu em um sonho.

Jack Lopes
Enviado por Jack Lopes em 12/01/2011
Código do texto: T2723767
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