Apenas Caminhando - Início

Tirei o óculos do rosto, esfreguei os olhos e tentei voltar ao foco. Brinquei com os dedos em cima das teclas, sem digitar nada, não tendo o que digitar. Não havia motivo, não havia foco, não estava em nenhuma conversa virtual, nem escrevendo algum texto, mas entristeceu-me por um momento não ter o que dizer.

Eu estava na videolocadora. Lugar tão monótono quando cheio, ainda que especial para mim quando vazio. Quando não tínhamos computador, sempre corria de casa para ficar sozinho no escritório. Trabalhar numa videolocadora não é legal para os que têm dificuldade de interagir com desconhecidos, seja por timidez ou impaciência. Para uns é simplesmente fácil tolerar, dependendo do salário, talvez. Mudando ao ponto de viver mentindo para si mesmo e para os outros, cada segundo de cada dia. O pensamento me atinge num tom sério, mas ainda acredito que seja apenas bobagem minha. Em meio ao caos do mundo, sou uma tartaruga, sem pressa, caminhando atrás das lebres sem a intenção de um dia alcançá-las.

É a minha forma de ver as coisas, de ser criativo, espontâneo ou internamente sarcástico, como manda a situação - quando entra a voz em off, que narra meus pensamentos secretos. Existem várias formas de gostar de si mesmo, acho que essa é a minha.

Se alguém escreve as falas por mim, não tenho como saber. É quando penso profundamente no que acredito sem chegar a lugar nenhum, mas é o tipo de labirinto que não precisa ser decifrado. Também já me perguntaram se acredito em destino. Respondo, sempre citando uma frase que vi num filme, que não gosto da ideia de não ter controle sobre minha vida. Mas, novamente, é complicado. Acho que as coisas simplesmente acontecem.

Balancei a cabeça.

A turbulência de ideias desconexas geralmente ocorre quando estou com sono. Tipo de sono diferente, não é sono de querer dormir para descansar, é sono de querer dormir para riscar o resto do dia como se estivesse queimando uma carta.

Apenas quando minha mãe ligou o alarme pensando estar desligando-o que voltei à realidade. Ela não sabia da minha escapada furtiva até lá, provavelmente só descobriu quando viu minha cama sem a minha pessoa deitada em cima. Apostei comigo mesmo que ela havia ligado o alarme de propósito. Esfreguei os olhos e bocejei. Estava mesmo com o tipo normal de sono, afinal.

A primeira coisa que fiz ao levantar foi um café como havia aprendido duas semanas antes. Era o pouco de cozinha que eu havia aprendido: café. Nesse caso, propositalmente forte. A segunda coisa foi conseguir uma passagem para casa mais cedo. Meus dias de moleza terminavam na segunda-feira seguinte, então não precisaria trabalhar por enquanto. Era uma opção, mas descartei-a. Não estava preparado ainda, sabia mexer no computador, pegar os filmes e sorrir mesmo quando não queria sorrir, porém, não era isso que me assustava. Era meu início na responsabilidade, na administração do tempo e dinheiro.

- Mãe. - chamei quando as luzes já estavam todas acesas. - Estou com sono.

- Por que veio para cá de manhã então? - perguntou levemente irritada enquanto ligava o computador.

- Não conseguia dormir. - admiti. - Mas agora consigo. Quer ver?

- Não, não aqui. Vá para casa e de preferência, não saia de lá. - disse jogando algumas coisas para um lado do balcão e puxando outras para o centro. Cadernos e calculadoras.

- Qualquer coisa, estou com o celular.

Ela parou e me estudou por um momento.

- Sabe do que você precisa filho? - ficou claro que era uma pergunta retórica. - Uma namorada.

- Meu aniversário está próximo. Considere comprar uma para mim.

Ela riu alto.

- Não, é o tipo de coisa que aumenta os gastos com o tempo.

Acabei sorrindo também, mas segui o plano. Peguei a mochila no escritório, onde estava antes. Despedi-me de mamãe com um beijo no rosto e dei a volta no balcão, caminhando em direção à porta, a única visão da rua para quem sentava atrás do balcão, excluindo-se as pequenas janelas que ficavam nos arredores. O prédio ficava no meio de outros dois, logo, não havia muito que ver através delas.

O frio na rua era típico do começo de inverno, aquele frio abrupto após um dia morno. Caminhar era confortável e distrativo.

Logo percebi que não queria ir para casa dormir, estava apenas caminhando para algum lugar, sem saber para onde. Dormir de tarde fazia todo o dia parecer mal aproveitado, como se estivesse perdendo tempo. Dizem que é coisa de adolescente, mas ansiedade realmente me persegue. Perguntei-me se amadurecimento me livraria da ansiedade e em caso positivo, se eu sentiria falta dela.

Talvez tenha um pouco de existencialismo envolvido também. Sempre tem um momento entre épocas que mudamos de alguma forma. Aconteceu comigo nas duas últimas férias do colégio, quando repensei tudo que havia vivido e acabei amadurecendo em partes, mesmo que não fosse nem de longe o suficiente para me sentir bem com quem eu era. Essa mudança drástica do começo da próxima semana poderia ser um ponto final, pelo menos por um tempo. Não tinha muitas opções, bastava esperar e ver como as coisas se resolviam – sempre gostei da ideia de que as coisas se resolviam. Sem um jeito específico, mas geralmente era o que acontecia.

No que pareciam ser alguns minutos, uma hora havia desaparecido. Uma hora em que eu poderia ter saído com um amigo ou esbarrado em uma garota interessante, fiquei no meu quarto deitado na cama olhando para o teto.

Talvez fosse apenas idiotice.

Levantei e fui para a cozinha preparar um copo de café. Adocei, com o típico som cristalino da colher batendo no vidro. Tomei um bom gole e fui para a sala.

O notebook, desligado na mesa no canto da tinha seu típico apelo. Mesmo que não tivesse o que fazer, poderia sentar ali e escutar músicas, ler alguma coisa, escrever, mas não me chamou tanta atenção. Minha gata siamesa estava deitada no sofá, com a cabeça levantada, mas com os olhos quase fechados.

- Cansou de dormir? – perguntei-lhe. Suas orelhas viraram em minha direção. – O que você faz quando está cansada?

Ela levantou levemente a cabeça. Aproximei-me e soltei o copo de café na mesinha de centro, logo levando a mão até ela e passando levemente em seu pelo. Em alguns segundos, estava ronronando.

- Eu sei que não está entendendo nada do que estou falando. Talvez se fosse um cachorro. Sem ofensa. – disse-lhe. – Mas o que define a sua vida?

Ela só ronronou mais um pouco e esfregou o rosto em minha mão.

- Você é feliz, eu sei. Eu também sou. Só estou confuso. Não com a vida, só com o que fazer daqui em diante. Minha vida é ótima. – fiz uma longa pausa. – Acho que vou sair.

Ela lambeu meus dedos.

- Eu amo você também.

Em algum lugar no caminho, ri de mim mesmo. Era como se meu dia fosse dividido em pequenos parágrafos. Começo, pausa, fim, começo, pausa, fim. Sem desenvolvimento.

Enquanto pensava nisso, duas garotas passaram por mim, rindo de alguma coisa.

- Sério, no shopping? - indignou-se entre risos a mais alta.

- Na frente do cinema, eu não acreditei! - dizia também entre risos. Pareciam estar falando mal de alguém, pelo tom.

O shopping, repentinamente, me pareceu o lugar mais interessante do mundo. Não foi difícil manter a mente em branco até chegar lá.

O estacionamento estava bem movimentado, como de costume num dia de semana. O lugar era grande e lotado de pessoas, como um shopping geralmente é no meio de semana. Subi uma pequena escadaria que ficava na entrada, rindo internamente de uma mãe desesperada ao tentar controlar o choro da filha que não queria ir embora.

Lembrei de mim mesmo, quando criança. Morava na cidade vizinha e era trazido aqui de vez em quando, um lugar que a meu ver na época, era o cúmulo do futurismo.

O hall de entrada era bem aberto, com uma lancharia pequena no lado esquerdo de quem entrava cercada por algumas mesas e cadeiras. No centro uns empregados tentavam organizar as gigantes decorações juninas, a maioria de cor vermelha e verde. O corredor que levava ao cinema era o da direita, por onde fui sem hesitar.

A área do cinema era bem maior que o hall, lotada de cadeiras para suprir os vinte restaurantes e fast-foods que cercavam os visitantes. Alguns sentavam por ali em grupos, de forma que havia grandes "buracos". Finalmente na bilheteria do cinema, constatei que o único filme disponível naquele horário era "2012". Podia ser interessante ver um filme sobre o fim do mundo, onde todos morrem no final, o que leva os espectadores a questionar sua sanidade em relação ao meio ambiente, fazer pensar de novo antes de jogar um cigarro usado no chão. Mas é claro que isso não ia acontecer e o mundo ia continuar exatamente como estava antes.

Jack Lopes
Enviado por Jack Lopes em 09/01/2011
Código do texto: T2719300
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