POETA DA PRAÇA
Pois eu morava na praça. Meu apto era duplex. Tinha dois bancos debaixo da mesma árvore. Um com propaganda de uma loja de vestidos de noiva. O outro, tinha propaganda da funerária da cidadezinha, que se chamava "Noiva do Mar".

Passava o dia na praça e as noites também. Durante o dia contava histórias e a noite sonhava com elas. Além da garrafa de pinga, sempre minha parceira, carregava sempre um bloco de folhas pautadas (bloco de folha para carta da marca Gaivota) e lápis do bom, grafite de primeira. Eu era um mendigo luxento e o lápis era minha enxada, com a qual carpia meu desjejum.

Ganhava meu dinheirinho para o sanduíche e a pinga, fazendo bilhetes e cartas para as meninas e meninos (e também gente grande) que queriam conquistar ou reconquistar alguém. Fiquei famoso na cidade. Tinha uma senhora madame que sempre vinha, nas madrugadas, escondida nas sombras da noite, para me pedir para escrever poemas. Ela dizia o tema, dizia mais ou menos o que queria transmitir e eu fazia poemas belíssimos, que ela assumia a autoria e publicava no jornal semanário da cidade.

Com isso, ela pagava um hotel ao lado da praça, para que eu diariamente fosse lá tomar meu banho. Chuveiro com água quentinha, toalha limpinha, cheirosa, delícia. Saía de lá que pareceria mocinho cheiroso de novela. Não fossem as roupas maltrapilhas e os pés no chão, podia enganar as donzelas desinformadas.

Depois vinham outros. Tinha até um gerente de uma empresa famosa na cidade, que vinha me pedir para escrever relatórios. Trazia um resumo, eu desenvolvia o assunto, numa linguagem bem técnica, comercial e ele me dava fartas gorjetas. Depois de um tempo, ate já pude substituir a pinga por whisky.

Virei folclore na cidade. O mendigo escritor da praça da vila. O padre vezes em quando vinha questionar meu passado, querendo me ver confessar o que me havia trazido para a solidão da praça. Nunca confessei o meu presente, mercê da desilusão de um grande amor que morreu junto com ela, que se foi num acidente de trânsito. Faltou-me coragem para segui-la, então resolvi me refugiar no anonimato, apagando tudo da minha vida, para poder apagar também sua saudade.

Até que um amigo dos bons tempos me descobriu ali, por acaso, e me resgatou para a vida que chamamos de civilizada. Voltei a trabalhar e fazer as coisas do modo cotidiano, comunitário, urbanizado.

Hoje sou um alto funcionário de uma grande empresa.Tenho até apelido de Diretor. Mas o sentido e o gosto pela praça, pelas cartas de amor, pelos poemas e relatórios continua. Sou mendigo da vida e vivo das migalhas que a vida me oferece.

As vezes ainda num surto de lucidez, tiro os sapatos, visto a minha fantasia de mendigo e volto a uma praça qualquer, para apagar por uma noite só, as lembranças amargas da perda do meu amor maior. E nunca mais escrevi poemas, que não sejam a pedido e com enredo estabelecido. Não quero mais versar a minha dor.

 

 

Eacoelho
Enviado por Eacoelho em 07/01/2011
Reeditado em 29/10/2024
Código do texto: T2713998
Classificação de conteúdo: seguro