Eternos Amantes - 03
Passos calados num mundo de vozes na cabeça. Quem me vê nesta minha caminhada deve me achar um louco, e sou. Sou louco, Luciana! Sou louco por ter na cama o teu amor e na cabeça o amor dela. Queria poder dá-lo a ti, mas ele não me pertence. É dela, meu amor é dela como todo o meu eu é. Não minto a ti, minha querida companheira, sempre soubeste que tinha este amor doente em minhas veias. Nunca te escondi o meu sofrimento, e mesmo assim me aceitas em teu abraço, mesmo assim me tens em tua cama. Não me cobras nada, por isso te admiro tanto; por isso dói tanto me lembrar dela depois que me entrego a ti. E, quantas vezes eu devo ter dito num sussurro insano o nome que tanto te causa arrepios de desprazer enquanto nos amamos? Sei que não foram poucas as vezes em que te machuquei com o sibilar despercebido ao teu ouvido.
Queria me desculpar por isso, mas sei que não existe perdão por esta falta cruel. Admiro-te por seres tão forte ao mesmo tempo que te odeio por seres tão compassiva ao meu delírio. Tu és minha amiga e confidente nas minhas horas de ruína, tu és minha amante e mulher nas minhas horas de fulgor. Não mereces o pouco que te ofereço, mereces muito mais, porém nada tenho a dar. Sabias disso quanto me acolheste nos braços. Sabias que eu sempre fui e serei dela quando me estendeste a mão delicada e me tomaste no teu colo para me embalares como criança que teme a noite solitária. Quem se aproveitou de quem? Fui eu que me aproveitei do teu amor solidário ou foste tu que te aproveitaste do meu devaneio? Os dois temos culpa. Mas maior culpa é a minha por ter cativado o teu sentimento maior quando deveríamos ter mantido a amizade antiga que fizemos crescer nas andanças da vida. Sempre me amaste como homem, e eu sempre te vi como irmã. Acredito que seja por isso que depois de estar dentro de ti sinto o remorso me corroer. Deves me achar um canalha por dizer isso, mas, como homem, não tenho princípios, ajo por um instinto animal sedento pelo teu sexo delirante, porém depois, quando o fogo da carne se abranda, tenho raiva de mim por pecar contra o teu ser.
Eu odeio pensar nela, mas sou levado pela memória como um cego é pelas mãos conduzido pelo caminho do desconhecido. A lembrança é meu próprio algoz, enterra o meu presente nas correntes do passado, tornando o futuro um imenso ponto de interro-gação. E sem ela, terei eu algum futuro? Sou fraco em pensar que a morte me traria alívio aos infortúnios que carrego. Pensei em findar as minhas dores com uma atitude desvairada, mas me faltou a coragem para prosseguir com a fuga incosequente. Ou fora um momento de luz? Não sei, Luciana, não sei te dizer o porquê de ter desistido do espetáculo inglório do meu fim estúpido. Meu coração partido e minha descrença no mundo não se ligam a ti, a única coisa boa que me ocorreu desde que eu a perdi. Já me perguntaste uma vez sobre ela, mas não pude te dizer uma palavra sobre o meu pesadelo, não fui capaz de te contar os meus segredos ou por quem deito minhas lágrimas quando imagino que não me estás a ver. Desejei que tu não soubesses da existência dela em mim, do que vive antes de ti, no entanto sempre soubeste que ela havia passado por mim e me deixou marcas profundas na pele e na alma. Não mereces a desilusão infame que te dou, mereces que eu te ame na medida em que me amas. Sei do teu amor puro, sei do teu carinho inocente, sei da tua dor aguda no silêncio da madrugada, quando te abandono solitária para pensar nela. Eu mesmo me pergunto quando é que não estou com ela em minha cabeça.
À diante, avisto o mar revolto. As ondas estão nervosas no encontro com as rochas. Sento-me na areia e vislumbro a fúria da natureza. Queria ser como a rocha que recebe sucessivas pancadas e permanece no mesmo lugar, indiferente, intacta, forte. Se eu fosse forte! Mas não o sou. Sozinho, no frio da madrugada, meu corpo se encolhe com os pelos arrepiados. Outro cigarro acendo, trago, e choro. A noite é fria como o deserto em minha alma.
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