A(s) GAROTA(s) MÓRMON(s)

Estava eu percorrendo aquele caminho que já faz parte da minha rotina, descia a passos largos, posicionado do lado direito da calçada, aquela rua que começa em frente a casa onde moro e termina bem pra lá do “Badião”. Eu trajava vestimenta “social”, camisa branca, calça preta, sapato bem engraxado. Camisa por dentro da calça. Tenho a impressão que havia dormido com aquela roupa, alguma coisa em minha imprecisa memória parecia dizer que eu tinha usado o terno na noite anterior, como nunca sei ao certo se estou sonhando ou se estou acordado, não descarto a possibilidade de tudo ter sido um delírio... Eu descia aquela rua, incomodado pelo sol das 7 da noite, aflito para ver meu curandeiro.

Foi quando avistei três moças subindo a mesma rua, do lado esquerdo da calçada. Estavam vestidas de uma forma pouco comum para as moças hoje em dia, aparentavam ser senhoritas muito distintas, induzi que fossem adeptas de alguma doutrina religiosa. Uma delas chamou minha atenção com mais intensidade, é só por causa dela que estas palavras estão sendo escritas. Aqueles olhos... Aqueles olhos eram mais belos que todos os poemas de Drummond. Ainda havia o sorriso... Um rosto que parecia ter sido esculpido pelo próprio Deus.

Diminui a freqüência de minhas passadas, rapidamente, decidi ir ao encontro das moças. Algo em mim gritava que eu não poderia continuar vivendo caso não tentasse conhece-las, caso não tentasse conhece-la. Dramático, porém, sincero. Obedeci ao chamado.

Não posso esquecer de mencionar que, quando do primeiro momento em que o trio de jovens se apresentou à minha vista, ocasião em que a moça dos olhos poéticos me lançara o primeiro olhar, junto com o olhar veio um caloroso “Boa Tarde”. Um ótimo incentivo!

---Moças! (demonstrei minha intenção de manter contato, a voz meio ofegante por causa da súbita mudança de trajetória, estava descendo e resolvi subir rumo a elas). Então elas pararam e se voltaram para minha direção. Sinceramente, seria natural que se apressassem mais, que ignorassem meu apelo, não esperava que fosse dar certo, você sabe... Homem negro, mocinhas indefesas, cidade violenta. Todos os estereótipos que afastam as pessoas. Medo do desconhecido, medo do medo. Para minha (bem vinda) surpresa elas tiveram a melhor das reações possíveis.

---Olá! Respondeu a moça dos olhos lindos. As outras duas sorriram amistosamente. Eu também sorri, tinha meus motivos.

---Vocês são Testemunhas de Jeová? (perguntei guiado por uma imprecisa suposição, motivado pela minha pouca experiência, recordava que as testemunhas de Jeová se comportavam de forma parecida no tocante aos trajes e ao costume de andar em grupo).

---Não, nós representamos “A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”. Asseverou a garota dos olhos fantásticos que me pareceu ser a líder (a esta altura principiava nosso fatídico diálogo).

---Os Mórmons? (murmurei sem ter muita certeza quanto ao que dizia).

---Isso mesmo! Todas exclamaram.

Eu me apresentei. Elas se apresentaram. Quase não consigo narrar a minha surpresa quando constatei que naquele grupo havia duas garotas norte-americanas. Nunca tinha conversado com uma garota nascida na terra do Tio Sam. Há algum tempo sofria com a dificuldade de conversar com garotas.

Irmã Singer! Esse era o nome daqueles olhos. Aproximadamente um metro e oitenta de altura, cabelos louros, brilhantes e compridos, falava bem o idioma português que revestido com o seu sotaque sedutor ficara ainda mais belo. Olhos verdes. Minha esperança adormecida, repentinamente, entrou em erupção. Fui tocado pelo calor daqueles olhos.

Elas se denominavam Missionárias. Irmã Singer (a líder) estava ao centro, do seu lado esquerdo Irmã Carter (a outra norte-americana), do seu lado direito a Irmã Batista (a única brasileira entre elas). Conforme o que disseram, Irmã Carter estava a pouco tempo no país, talvez por isso ela não se expressasse tão bem na língua de Camões. Irmã Batista deixava transparecer em seu sotaque algo que supus ser uma origem nordestina, mais tarde fui saber que ela nasceu no Acre. A garota acreana falava sobre os assuntos da igreja com uma paixão admirável, ademais, eu adoro o modo de falar dos nordestinos, isso com certeza se deve ao fantasma da rainha dos metaleiros.

Conversamos por uns 15 min., elas falaram mais, enfim eu estava aprendendo a ouvir. Escutei atentamente um breve resumo sobre a história da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Só conseguia pensar no olhar da Irmã Singer. Desejei que aquela conversa durasse para sempre.

Elas me presentearam com um livreto que falava sobre a religião que professavam, fizeram questão de me convidar para participar de uma de suas reuniões, precisamente da próxima, que aconteceria no domingo que se aproximava.

---Sim! É claro que eu vou! Eu só sentia vontade de dizer sim, jurei para mim mesmo que veria aqueles olhos novamente.

As missionárias tinham um pressa. Delicadamente, Irmã Singer, a porta-voz da trupe, comunicou-me que elas precisavam se retirar para honrar um compromisso firmado anteriormente e que, se não houvesse o tal compromisso a conversa com certeza prosseguiria. Claro que compreendi. Compreendi que corria sério risco de fazer daqueles olhos o meu mais importante compromisso, por todos os dias que me restavam. Uma sensação de alegria... A luz verde daqueles olhos passaria a iluminar os meus poemas obscuros. A dor parecia não fazer mais sentido. Nos despedimos.

---Então você vai mesmo?

---Com certeza!

Elas subiram e eu só pude ficar parado. Já não precisava mais ver meu curandeiro, surgiu uma nova possibilidade de cura para o meu coração. Eu me perguntava sobre o real sentido de acontecimentos como este, por que aqui? Por que comigo? Estes sentimentos... Só eu sei o quanto precisava senti-los, eu não escrevo se não sinto. Eu vivo para escrever. Procurei incansável pela inspiração nos lugares mais inusitados e, quando estava quase desistindo de procurar, a inspiração me apareceu corporificada numa missionária. Agora eu tenho uma missão: levar aqueles olhos para a cama, quero dizer, para o altar...

JEFFERSON – 24/11/2010 *aula de Direito de Família.

Jefferson Flauzino
Enviado por Jefferson Flauzino em 29/12/2010
Código do texto: T2698304
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