Encapotada - Série Eu me lembro muito bem ...
Eu me lembro muito bem de um casaco que minha vó Maria usava. Era grande, pesado, próprio para os invernos rigorosos de São Paulo.
Acostumada com o calor das praias cariocas, aquele casaco com estampa xadrez em preto e branco sempre me lembrou aconchego. O xadrez era pequenininho e, quando o via sendo usado por vó Maria, ficava contando os quadradinhos sem nunca ter chegado a um resultado.
Quando ela saía de noite e eu ficava em casa, tinha a certeza de que na volta os bolsos dela trariam pequenas guloseimas, como um saco de pipoca ou amendoim, balas, jujubas ou alguma cocada preta, a minha preferida.
Nada melhor havia para uma menina de sete anos do que sentar em seu colo e ser envolvida pelos braços amorosos, com o corpo aconchegado no casaco. Ele se transformava num grande cobertor, em que meu corpo e o de vó Maria eram protegidos do frio.
Anos mais tarde, quando viajei para a Europa e enfrentei em Paris um inverno rigoroso, fui obrigada a procurar um casaco num brechó, já que em tempos de estudante a grana era curta e as compras não podiam ser feitas nas ricas boulevards.
Caçando uma roupa apropriada que diminuísse o frio de uma carioca tropical, encontrei um casaco semelhante ao de vó Maria. Não igual, porque o xadrez francês era um pouco maior. Mas pode-se dizer que os dois casacos eram primos-irmãos. Levei-o para casa e, durante todo aquele inverno infernal e os que se seguiram, usei-o. A saudade ficou mais fácil de ser suportada. Tinha o aconchego proustiano a me envolver.
Vó Maria morreu há décadas. Seu casaco não sei que fim levou. Mas o meu continua guardado no armário e, quando a saudade bate forte, ligo o ar-condicionado na potência máxima e vou dormir encapotada.