a cura
Clarice acordou triste. Dormiu com soluços e lágrimas, e amanheceu com vontade de não se levantar da cama. Porque afinal amanheceu, porque a vida insiste em seguir seu curso? O sol irritantemente brilha no lado de fora da janela, e Clarice sente náusea. Está cansada, a luta não lhe parece justa, as armas são distribuidas de forma desigual.
Clarice sentiu vontade de chorar de novo, de correr pra longe, nem ela mesma sabe pra onde. Queria fugir pra longe nem sabe de que, pra longe dela mesma. Não sabe nem mesmo o que tá sentindo, só queria que a angústia passasse. Tem tido medo, tem tido dúvidas que não queria ter, tem pensado coisas que não queria, tem tido sentimentos que nem sabia que existia. De onde vem essa sensação de vazio, de que tudo tá mais difícil do que é e mais complicado do que se mostra?
De onde vem essa sensação de que tudo está perdido, essa desesperança, essa falta de tudo?
Clarice se levanta, olha de novo o sol, levanta-se com muito custo. Veste uma roupa sem se preocupar com o que está vestindo, e sai desanimada. O dia está igual a todos os outros dias. Não há flores novas e nem cores diferentes. Nada além da vida de sempre.
Clarice vê seu ônibus, dá sinal e senta-se com má vontade.
-Dia difícil?
Ela se vira com uma ponta de raiva pela intromissão. A seu lado, um rapaz, com olhos de madeira, pele clara e rosto redondo sorri sem jeito.
- O meu tem sido ruim também. Aliás, a semana não foi nada boa. Eu me chamo Ângelo.
Clarice pensou em não responder, mas de repente parou a olhar aqueles olhos. Era como se eles sempre fizessem parte da sua vida, como se fossem velhos amigos. A unica coisa que conseguiu fazer foi sorrir. Ângelo continuava a olhar Clarice. Sua pele morena, seus olhos verdes e olhar triste. Sentia vontade colocá-la no colo, não sabia bem o porque. Parecia uma menina indefesa. Continuou a conversa sem saber como fazer.
-Você pega sempre esse ônibus? Qual é mesmo seu nome?
-Clarice. Sim, pego o ônibus todos os dias, para trabalhar. O meu dia começou ruim também, alias, ontem já foi ruim e nem mesmo sei o porque. A vida não tem tido graça.
-De repente a gente que esqueceu de achar graça na vida! Bom, desço daqui a 2 pontos. Eu trabalho em uma loja de flores aqui perto, brinco que vendo mais que flores, vendo sonhos. Aqui está meu cartão, se precisar. De repente podíamos tomar um café no fim do dia. Bom, até um dia.
O dia passou como todos os dias passam, mas não como todos os dias. Esse correu entre os pensamentos de Clarice, voou nos olhos cor de madeira. De repente Clarice parou o ônibus fora de seu ponto habitual. Desceu, virou a rua e entrou em uma pequena porta. Foi recebida com um sorriso.
-Pois não, posso ajudar?
-Sim, estou precisando de alguns sonhos, podem ser vermelhos, e a propósito, o café está esfriando no Café da esquina.
-Claro senhorita, um sonho novo sempre é bom. Fecho as portas em dois minutos.
Assim Clarice saiu com seus sonhos, e seus dias deixaram de ser iguais.Haviam medos, mas havia coragem, haviam dúvidas, mas também haviam muitas certezas. O amor transforma o mundo, e a vida toda.