Elegia

Numa noite daquelas de inverno, em que a névoa desce suave do céu

cobrindo as plantas e o vento murmura melodioso, embebedando os

corações apaixonados dos amantes; eu dormia placidamente sonhando

com minha fada.

Tal era a brandura de sua frágil figura que, a embriaguez da mesma,

ainda permanece em mim...O devaneio encantado se passava num mara-

vilhoso salão; as luzes chispavam ornando seus cabelos dourados e um

canto harmônico se derramava do céu, embalando-a como um anjo da-

queles que flutua ao lado de Deus. D’onde estava eu a contemplava

atônito, sentindo lágrimas de paixão escorrer sobre minha face.

Lembro-me que seu vestido branco acariciava cada curva do seu corpo

lindo, inclusive o seio que palpitava semi-nu.

Todos admiravam perplexos e sua doce meiguice os encantava; de minha parte, eu estremecia a cada gesto gracioso de suas mãozinhas, suspirava a cada movimento dos lábios como que molhados de mel, enlouquecia com a doçura dos seios arfando voluptuosamente e a desejava como o noivo deseja a noiva despida sobre o leito.

Minha fada bailava a valsa dos sonhos; seus cabelos turbilhonavam em

torno de si maviosamente; seus passos eram delicados, os pezinhos mi-

mosos de criança palpitavam dentro do mágico sapatinho de cinderela

com ternura, e seu corpo, na dança, era leve como a flor colhida numa

manhã serena. Sentia-me como um mendigo admirando uma donzela,

mas contente!...o canto que até então se derramava como raios de sol à terra findou-se.

Ela em seu assento adornado de flores sentou-se permanecendo quieta,

como num sono profundo. Estonteado, olhei em sua direção; um pouco

com receio, entretanto muito feliz.

Orvalhava dos seus olhos castanhos raios tão puros, que alumiavam mi-

nha vida devassa, e arrepiava-me os cabelos hirtos. Levantei-me como um cabrito empaledecido! Minhas pernas tremiam; o coração arquejava e as veias latejavam...cambaleando andei entre as pessoas, sentindo o anelo por minha fadinha tomar conta dos meus nervos. Encostei-me numa parede e deixei com que meu corpo escorregasse até o chão. As moças passavam elegantes, enquanto os homens comentavam suas belezas, mas para mim denada valiam aquelas moçoilas esbeltas; minha alma vagava em busca do meu amor. Por outro lado, dir-se-ia que a gelidez do piso não me deixava, ao menos me debruçar; os brados importunavam-me e tudo se mostrava triste.

Baixei a cabeça e calmamente cerrei os olhos, quando de súbito ouvi:

- Oi, tudo bem?

Espantado, olhei ao lado, reconhecendo a amável voz! Era minha fada, a qual me Perguntara.

Respondi-lhe:

Tudo! Além disso, estupefacto a observava: seus cílios desciam sobre o ovalde suas faces, colorindo-as, os olhos brilhavam como estrelas no firmamento,os lábios eram dois mimos ruborizados balbuciando doces palavras e os seios estremeciam sob o vestido transparente.

Ela, meio vexada perguntou-me: - peregrino, é verdade que me ama?

Com o ópio da paixão em mim, dei-lhe a resposta.

Tocou o coração do poeta, a magia divina do condão de sua luminosa fada,como o som da harpa dos anjos que suaviza os ares. O poeta a via lindamente vestida, estremecendo a cada alento do seio palpitante, suspirando com os toques da gentil mãozinha nos lábios. Enamorado, sorvia a fragrância olorosa dos cabelos finos e, com o desejo de amá-la em seu peito, pranteava torrentes.

Além do mais, posto que, ela , era a visão dos seus últimos amores, às auras do céu funesto desbotou a túnica diáfana da mocidade, velando-se com a mortalha negra da morte.

Descrido, tal qual Bocage, tornou-se um libertino! Nos bares das vendidas fanou seu coração, como beatas que murcham e evaporam à luz do sol. Nas noites de bebedeiras infernais, chorou ébrio com o órfão abandonado; caiu na sargeta e macilento dormiu ao relento...Sua

fadinha a outro seu alvíssimo corpo entregou, zombando de suas poesias, chamando-o ainda de obtuso. No entanto, ele não

deixou de amá-la, pois seu amor renascia todos os dias. Outrossim, turbas lhe perguntavam dela, às vezes com um riso de escárnio nos beiços, sobretudo, respondia-lhes: está cada vez mais encantadora!...

Um dia enquanto ele andava oscilando numa calçada, avistou longe um automóvel do seu trabalho, ficou a observá-lo; radiou de dentro do mesmo a visão dos seus últimos amores. Suas pernas balançaram, como o arvoredo às lufadas rábidas duma tormenta medonha, qual gotas de vinho que caem de uma taça quebrada, escorreu em seu rosto fios gélidos de lágrimas. Sua fadinha parecia flutuar numa carruagem

ataviada de rosas; seu vestido florido a enfeitava em seu dossel e seus cetinosos cabelos tombavam, como amenas cascatas sobre o formato das espáduas...o róseo colo cintilava como a lua a se exibir para o mar –seu eterno apaixonado – , os olhos tão castanhos e doces como o coração de uma margarida, iluminava o dia!...fitaram-se, ela o olhou serenamente deixando um sorriso audacioso emanar e, dos seios, palpitar o fogo insaciável do sexo...

Nesse instante senti sua mãozinha me tocar com carinho, então virei-me, segurando-a nas minhas e lhe olhando ternamente me declarei: - esse poeta sou eu! dá-me um abraço! eu a amo contudo!... ela beijou-me o rosto, brandamente, permitindo que meu semblante pálido sentisse pela primeira vez – apenas no sonho – sua mãozinha de tez de veludo...

Acordei beijando o travesseiro, imaginando que ele fosse a afetuosa mãozinha do sonho!

Dionatan
Enviado por Dionatan em 19/12/2010
Reeditado em 22/12/2010
Código do texto: T2680595