Fênix
E não importava o que eu fizesse, ele sempre iria amá-la muito mais do que a mim. Com um último suspiro, abri a porta e saí para nunca mais voltar,deixando apenas um bilhete...
A manhã quente evaporava as lágrimas que caiam do meu queixo antes que pudessem entrar em contato com o asfalto fervente, era deplorável o estado em que me encontrava, sozinha e perdida. Por um minuto, achei que ele fosse vir atrás mas isso passou a medida que eu lembrava das coisas que ele me disse, que ele fez...bem na minha frente, como se ali eu fosse só mais um enfeite de decoração na casa.
Cheguei até um antigo albergue que pertencia a uma amiga minha, um lugar simples e assustador ao mesmo tempo. Era um casarão antigo cheio de quartos, bem cuidado até, mas tinha algo ali que me incomodava muito. Ela me recebeu como sempre, um sorriso absurdo de largo e as mãos engorduradas por causa do óleo de cozinha. Anita e eu sempre fomos amigas desde que ela sofria na mão dos meninos por ser gordinha, ela nunca me negou nada e sempre esteve comigo nas horas difíceis, como se fosse uma irmã mais velha que eu nunca tive.
Me instalei no quarto que ela sempre reservava pra mim, as mesmas velhas cortinas vermelhas chá, a parede num tom meio pêssego, as janelas todas branquinhas e limpas e várias flores no batente. O cheiro daquele quarto me lembrava os velhos tempos, quando eu queria fugir de tudo e de todos e vinha pra cá, para sempre ser acolhida por um prato quente de sopa feita pela falecida mãe de Anita. É o único cômodo da casa, fora o restaurante e a cozinha, em que eu não me sinto mal. Os hóspedes idosos geralmente se dão muito bem comigo, sempre fui muito de conversar com gente de mais idade, sempre de deram bons conselhos.
Estava perdida em minhas memórias quando Anita me chamou pra almoçar, desci com o vestido que havia trocado, após um bom banho. O restaurante estava vazio, cheguei um pouco fora do horário mas minha amiga nunca se recusava a me tratar como hóspede VIP. Estávamos conversando quando tudo começou.
Entrou na hospedaria, um homem que parecia um deus. Ele parecia ter saído de uma pintura clássica, sua pela era tão branca e seus cabelos vermelhos quase como sangue, os olhos verdes encaravam a paisagem do salão com uma magnitude que só ele tinha. Era algo tão absurdo que eu quase jurava que estava diante de algo não humano. A beleza dele era realmente assustadora.
Ele se sentou numa mesa perto da minha e eu fiquei reparando nele de jeito tal que qualquer um podia perceber, exceto eu que estava completamente fascinada por aquele ser. Anita chegou perto de mim com um sorriso esperto e piscou como quem diz que vai dar um jeito de nos conhecermos. Eu implorei a ela que não o fizesse, era muita vergonha, e ainda mais que eu não queria ninguém agora, meu coração estava demasiadamente machucado. A noite, Anita e eu conversamos muito sobre o estranho, ela notou meu interesse nele, que até aquele momento eu mesma não havia notado,e riu dizendo que tinha uma excelente notícia pra mim: o estranho quis se hospedar e ela o colocara no quarto ao lado do meu.
Quando vi Anita saindo para ver o jantar, eu corei absurdamente. Minhas mãos suavam frio e minha pela estava toda arrepiada, eu estava nervosa e confusa afinal havia acabado de terminar um relacionamento de tanto tempo e ainda estava absurdamente depressiva, como consegui olhar para outro? Tentei me acalmar e desci para o restaurante afim de jantar. Maldita hora que decidi sair do quarto, ele saiu na mesma hora e me viu, óbvio que havia notado que eu o olhava de manhã mais cedo, eu comecei a ficar mais nervosa ainda e tentei ir para o outro lado rapidamente, mas acabei pisando no vestido e cai feio, foi deprimente. Ele, totalmente indiferente a minha situação, abaixou e me ajudou a levantar, suas mãos eram frias e macias, pareciam até mãos de uma mulher.Desci junto a ele e jantamos na mesma mesa sem trocar uma única palavra durante toda a noite.
Naquela noite não consegui dormir, por que ele fez aquilo? Jantou comigo mas não me disse uma única palavra desde que me ajudou no corredor. Me esperou terminar, subiu novamente comigo totalmente mudo... Eu não sei o que ele quis com agindo daquele jeito, mas eu só pensava nele, era como algum tipo de feitiço, ou sei la. Sonhei com ele, mas foi um sonho estranho, numa hora ele me abraçava e na cena seguinte, uma luz absurda me fazia acordar. No dia seguinte, novamente o encontrei no corredor indo para o café da manhã... Ele ainda me olhava do mesmo modo que ontem a noite, descemos e repetimos o procedimento de ontem, ele tomou o café comigo, esperou que eu terminasse e foi embora para a rua. Meu coração estava acelerado, Anita ria e me perguntava se estávamos saindo, mas tomou um susto quando lhe disse que eu nem sabia como era a voz dele.
Eu resolvi sair para esfriar a cabeça. Fui até o parque, queria ficar sozinha com meus pensamentos. Parei num canto e comecei a chorar e falar para o vento tudo o que sentia em relação a meu ex marido, à vida e ao homem misterioso, eu parecia uma criança assustada. Chorei até que meus olhos não tivessem totalmente secos, mas ao me levantar dou de cara com ele de novo. Há quanto tempo estava ali, o que ele ouviu, eram coisa que eu não fazia nem idéia, e novamente comecei a chorar me sentindo humilhada diante daquela situação. Ele me deu um lenço e ficou me olhando com o mesmo olhar sério, me ajudou a levantar devagar e delicadamente.
Fomos andando até a hospedaria, no caminho ele fez algo totalmente aleatório: Eu estava de cabeça baixa e meio triste, quando do nada ele levantou meu rosto com o dedo e sorriu como se tivesse vendo algo bonitinho como um bebê. Fiquei com aquela imagem na cabeça um tempo, ele tinha o sorriso mais bonito do mundo, lembrava o do meu ex marido. Por todo caminho, ele começou a fazer coisas desse tipo, para me fazer sorrir, meu ex marido fazia exatamente a mesma coisa quando eu estava triste por algo. Não tinha como resistir ao jeito engraçado dele, foi então que por um momento lembrei que talvez se eu tivesse saído enquanto meu marido estivesse acordado talvez ele me prendesse dessa forma.
Feriados sempre me entediavam quando eu era solteira, desde que me casei eles passaram a ser muito divertidos, meu marido geralmente comprava coisas gostosas e passávamos o dia fazendo amor, vendo filmes com pipoca isso quando não saíamos com nossos amigos. Agora, estando aqui, o feriado voltou a ser uma época chata. O estranho, que agora possuía um nome (Alex), veio ao meu quarto depois do almoço para sairmos novamente. Disse que queria me levar num lugar interessante, já que eu não tinha muito o que fazer, fui com ele.
Andamos um pouco, quando de repente ele me pediu para fechar os olhos. Fiquei receosa, mas a voz dele era tão amável que me convenceu, ele seguiu me levando até pelo menos umas quatro quadras da hospedaria.
Meu coração estava descompassado, eu não via nada e o lugar onde estávamos era muito silencioso, eu estava quase ficando com medo, quando Alex tirou a venda de meus olhos e eu pude contemplar o mirante. Estranhamente já estava de noite, e haviam vaga-lumes no local, a cena era de fato bonita e um bocado romântica, mas por algum motivo eu sabia que já tinha visto aquilo tudo antes, só não conseguia lembrar. Ele me deixou ver a paisagem e de repente me abraçou forte por trás. Eu fiquei arrepiada, ele me beijou o pescoço e eu gelei. Eu mal o conhecia, aquilo estava errado, mas de repente ele disse algo que me fez voltar no tempo.
Com a voz delicada e trêmula, Alex sussurrou que me amava no pé do meu ouvido e me pediu em casamento. Assim que ele terminou, eu voltei há 5 anos atrás e lembrei de tudo: Aquela cena, foi quando o homem da minha vida me pediu em casamento! Lágrimas caiam do meu rosto e Alex logo as enxugou com a ternura de sempre. Eu o olhei ainda sem entender bem o que estava acontecendo, quando ele, no mais suave dos atos, sorriu e me disse ao me abraçar como no meu sonho:
- Ele é louco por você, ele ama você... Eu já cuidei do que te fazia mal agora volte, pois ele está se degradando cada dia que passa sem você.
Assim que terminou de me falar, Alex me soltou e a intensa luz apareceu como no meu sonho de novo, mas dessa vez eu vi a fonte. Aquele homem se tornou um pássaro de fogo gigantesco, mas ainda sim não consegui ter medo, a presença dele apenas me dava conforto e um imenso alívio.
Eu corri para a hospedaria, arrumei minhas coisas, dei um beijo em Anita( que diga-se de passagem não entendeu nada) e corri o mais rápido que pude para o meu amor.
Cheguei, e ele estava dormindo no sofá rodeado de cigarros e bebida. Sem acordá-lo, desfiz minhas malas e arrumei tudo de volta no armário. Arrumei a sala todo, joguei a bebida e os cigarros fora, comecei a preparar um chá para ele dormir bem e acordar disposto para o trabalho amanhã. Fiz um barulho proposital após trocar o pijama e o robe fazendo-o acordar e tomar um susto ao me ver ali:
- Tome isso. – entreguei o chá quentinho e rindo por dentro da expressão assustada dele – Amanhã é dia de trabalho e você tem que estar disposto não?
Ele esfregou os olhos para ver se estava sonhando, e quando se deu conta de que era realidade, me abraçou me fazendo derrubar a xícara e me beijou ternamente de um jeito que eu sabia que jamais iríamos nos separar novamente. Nunca mais.