Um Pequeno Conto de Desamor - Ato II

A noite havia caído, e estrelas brilhavam fortemente, parecia que o céu estava pronto para fazer um show de luzes em homenagem aos dois. Ele se vestiu socialmente, terno negro e camisa branca com riscas azuis, mas como estava frio e ele optara por um pulôver azul marinho, dispensou a gravata. Passou para apanhá-la meia hora antes do combinado, ela ainda estava no quarto, segundo a mãe, ele resolveu subir, para entregar-lhe as rosas. Bateu na porta e ela gritou que ele poderia entrar, ele o fez, timidamente, primeiro abriu apenas o suficiente para por a cara, depois de enfia-a e a observou, só podia ver parte dela, ela estava no banheiro, provavelmente se penteando em frente ao espelho. Ele entrou, não disse nada, apenas foi entrando, ela já estava vestida, era um vestido rosa, com muitos detalhes em vermelho, ainda estava descalça, mas a sandália rasteira de tiras que se estendiam até o joelho estava separada. Ele se aproximou, e surgiu em um único golpe atrás dela no espelho, ela não se assustou, parou de se pentear e ficou olhando-o. Por um espelho os dois olhavam-se nos olhos, ele havia sonhado com muitas cenas, porem nunca havia pensado que um espelho poderia dar a eles esta idéia tão forte de unidade, olhando-se ali no espelho eles podiam perceber que tinham as mesmas idéias em mentes, seus olhares denunciavam que tinham também as mesmas aflições e temores, todos eles tão pequenos e insignificantes para com o mundo, só que para os dois, nada podia dar errado, ou ser menos que o máximo. Ele se aproximou dela a pondo de por seu rosto alinhado ao dela, ai foi só esticar a mão e por o buquê em frente aos olhos dela, ela observou por um tempo as rosas, e as agradeceu, pegou-as e depositou sobre a escrivaninha, em cima do diário. Ela ia dizer que ele estava lindo, só que ele fora mais rápido e disse primeiro. Ela falou que ele não deveria estar ali, deveria estar enfrentando um interrogatório do pai dela, ele riu e disse que era mais agradável ao lado dela. Eles ficaram conversando, ele foi mexer no porta-jóias dela, disse que ia escolher o que ela ia usar, ela aceitou, enquanto punha os últimos grampos no cabelo. Ele estava apenas entregando os anéis, e os brincos, mas na hora em que ela pediu o colar, ele ficou calado, abraçou-a por trás, e mostrou o colar a ela, fora ele mesmo quem tinha dado, era um coração em rubi, com dois pares de asas em ouro, e uma espada cravada no coração em prata, como se a espada fosse enfiada reta de cima para baixo bem no centro do coração. Ela só havia usado o presente de quinze anos que ele tinha dado a ela uma vez, na própria festa de quinze anos, ele achava que esta era a ocasião que ela havia esperado para usar a peça. Ele respirou profundamente o perfume dela enquanto punha o colar sobre o pescoço dela, esta cena foi quase um dejá-vù de tantas as vezes que ele havia sonhado com a cena, sublime, lenta, romântica, eterna, bela, perfeita, real, mas principalmente recíproca, a cena era dos dois e não mais dele, saiu como nos melhores sonhos dele, não havia o que reclamar. Eles poderiam ter se beijado ali, porem ele preferiu perguntar da maquiagem, ela até ofereceu a ele o direito de fazê-la, ele preferiu não brincar com algo que conhecia tão pouco; teriam a noite toda para se beijar, não havia motivos para apreçar o momento. Eles ficaram conversando, ela se maquiando no banheiro e ele olhando as coisas dela no quarto, ele havia esquecido de por um bilhete nas flores, mas lembrou a tempo de fazer uma surpresa ainda maior, teve a idéia quando reparou que o diário que ele havia dado a ela no inicio do ano estava sendo usado, estava por baixo das flores, ele a retirou com cuidado, e continuou a conversa, pegou a caneta mais bonita que ela tinha e abriu o diário com a cordinha e aproveitou a pagina em branco a direita para escrever:

“Independentemente do que venha a ser esta noite, saiba que já é a mais especial da minha vida. E que não deve haver outra antes que morra. Quero pedir desculpas por não poder passar toda a vida contigo, mas juro que te amei como nunca achei possível que fosse, juro que foi por você que sempre vivi, quero que nós fiquemos juntos na eternidade, nem que isto signifique ti ver nos braços de outro, e eu já vi no passado, saiba que nunca te amei menos por isto, tive ciúmes, claro, porem eu via ali, tudo o que o tempo há de guardar pra mim. Eu nunca vou cansar de esperar, desde que eu espere por ti e tu por mim”.

E ele encerrou no canto da folha:

“Com amor que nem a morte será capaz de atenuar”.

Ele estava fazendo bordas na mensagem e depois assinou-a, ela continuava a conversar, nem havia percebido, foi muito melhor do que se ele tivesse planejado. Ele ia fechar o diário quando resolveu ler a pagina esquerda, já escrita, a letra era inconfundível, ao menos aos olhos dele que se habituaram a ela. Maldita hora em que ele quis ler um pouco mais, nunca havia lido o diário dela antes, e nem deveria tê-lo feito, mas já tinha lido, e as palavras estavam ressoando em sua cabeça, o primeiro parágrafo era recheado de elogios a ele, mas o segundo era perturbador, ele não conseguiu fazer outra coisa alem de se levantar e ler em voz alta as palavras que tinha visto no diário, ele pegou o livro e apareceu atrás dela no espelho, segurava o diário como os padres seguram a bíblia para lê-la.

- Pegou o meu diário, não bastava me ver me arrumando ainda isso, eu escrevo bem? – Ele estava sorrindo, ela não parecia temer nada do que estivesse no diário.

- “Por que me obriga a isto destino...” – Começou ele, ela virou-se para olhá-lo nos olhos, ela parecia intrigada.

- “Esta maldita data de morte me obriga a isto, sabe que não quero, nunca quis” – A voz dele continha muita raiva, ela já estava assustada, conhecia todas as próximas palavras.

- “Vou beijá-lo, sim, mesmo que tenha tramado contra...vou beijá-lo por causa desta doença, está tudo errado, tudo é muito irônico, não posso fazer mais nada, devo muito a ele, e por isto vou beijá-lo”. – Bradou ele em fúria, seus olhos estavam cheios de lagrimas, mas nenhuma escorria pelo seu rosto, eram palavras familiares a ela, ela mesma tinha escrito.

- Você disse que me amava, disse que não era piedade! – Ele gritou na cara dela, e lhe jogou o livrou pressionando-lhe o seio. Ele já tinha começado a sair do quarto quando ela disse:

- Você entendeu errado, não era isso que eu quis dizer.

-Espera! Me ouve! – Ela gritava enquanto descia as escadas atrás dele, ele não deu ouvidos, continuou em frente, passaram pelos pais dela, ela o continuava a gritar, quando ele estava saindo pela porta da frente, ele parou e disse:

- Me desculpem o incomodo, eu não imaginava isto. – Disse ele aos pais dela, tentando ser educado.

- Não há nada o que ser dito, tudo estava no teu diário, no diário que eu te dei. - Ele disse estas palavras a ponto de gritar, mas conseguira se controlar. Logo depois de ditas as palavras à ela, ele foi embora, correndo.

- Não, você não entendeu, me ouve, me dá um minuto, deixe eu explicar – suplicava ela atrás dele, porem ela não passou do gramado própria casa, ela desistiu, caiu de joelhos e gritou com tudo o que os pulmões a permitiam:

- Por favor! Me ouve! – Os vizinhos mais curiosos já tinham ido dar uma espiada. O grito dela ecoou e ela pode o ouvir voltar de volta a ela, parecendo que nem passara perto dele que tinha sido gritado só para ela mesma. Ele entrou em casa correndo nem fechou a porta, a deixou escancarada, subiu direto para o quarto da irmã, ela estava na cama, ele abraçou-a, e começou a choramingar, se confessar com ela, até que, depois de o sol ter nascido, ele conseguiu adormecer.

Acordou no fim da tarde, tirou o terno, tomou um banho e saiu, precisava fazer isto, tinha de voltar lá no “nosso lugar” e lembrar de tudo, ter certeza de que ela havia mentido. Ele ainda estava atordoado, não conseguia acreditar nas palavras que lera, como ela pode ser tão falsa? Ele não conseguia acreditar que ela tinha feito isto com ele, logo ela, a quem ele perdoara por tudo, inclusive por não o amar, por ser sincera demais, agora, mentir por piedade estava alem do que ele aceitava. Chegando lá ele se sentou, ficou olhando a grama, relembrando do beijo ao qual ela se referia no diário, ele não acreditava, ainda, que ela tinha sido falsa naquele beijo, também não acreditava que ela tinha mentido no balanço, estava olhando no fundo do olho dela, como ela pode ter tido a coragem de mentir, olhando no olho dele ela conseguira ser falsa e dizer o que ele queria ouvir, por mais nobre que tenha sido, ele não podia aceitar o amor dela, ela merecia perdão, foi muito gentil com ele, agindo daquela forma, só que também fora incrivelmente egoísta. Ele estava deitado, começou a falar sozinho, reclamar da covardia dela.

- Eu sei que fui covarde, confesso que o fui, fui covarde quando não arrisquei aceitar teu amor na primeira vez. – Disse uma voz bastante conhecida dele, em meio a um coral ele poderia reconhecer e ouvir apenas aquela voz, ela era que falava, também estava lá, o que não o surpreendia. Ela estava em cima de uma árvore.

- Me seguiu? Já está se fazendo de obsessiva, vai me matar, é? – Ele foi irônico, cínico, e áspero como não tinha sido desde a notícia que própria morte estava marcada.

- Não precisei te seguir, você é sempre previsível, até para morrer. – Devolveu ela, à altura da aspereza dele, coisas que ela aprendera com ele, alias. Seguiu-se um pequeno silencio logo interrompido:

- “Por que me obriga a isto destino” é que ele me obrigava ate amar, logo agora que vou te perder. Era isto o que eu reclamava. – disse ela, em tom suava, tentando se explicar. Os dois ainda não tinham olhado um para o outro, ela olhava para o sul, ele para o oeste onde o sol se punha e nenhum dos dois ainda tinha desviado o olhar da paisagem.

- Vai ter de ser muito convincente, sei que mente bem, e espero que tenha pensado numa desculpa muito boa esta manhã. – Disse ele mantendo toda a aspereza de antes, parecia desprezá-la.

- “Esta maldita data de morte me obriga a isto, sabe que não quero, nunca quis” é que eu não quero me apaixonar por um fantasma, mas já me apaixonei, entendeu? Sempre tive medo de ser uma viúva ainda nova, e é o que está acontecendo. Me entreguei ao meu maior medo por você, e tu ainda zombas de mim. – disse ela com lagrimas nos olhos e voz levemente tremula.

- Não vou acreditar nas tuas lagrimas outra vez. – Disse ele, desta vez mais sincero que áspero. Ela o ignorou e continuou:

- “Vou beijá-lo, sim, mesmo que tenha tramado contra” Sabe muito bem que eu não posso aceitar namorar alguém prestes a morrer, seria como sofrer uma condenação antes mesmo de começar o namoro, o namoro já nasce fadado à tristeza. Mesmo assim, ainda optei por ti e não por mim. – Disse ela com alguma firmeza, e demonstrando toda a clareza que aquilo parecia ser a ela.

- E isto não é a piedade que eu tanto disse que repudiava? – falou ele tentando disfarçar a aspereza, contudo foi falho e a frase fora forte o bastante para que ela não o ignorasse:

- Não é piedade, espere-me terminar. – pediu ela educadamente, e nada alem disto.

- “Vou beijá-lo por causa desta doença, está tudo errado, tudo é muito irônico” Eu disse exatamente isto, que eu te beijei por causa da doença, por que foi por causa dela que descobri que te amava, e que eu preferia você a amizade, sentiria falta de ti, mais que da amizade. Compreende minhas palavras? – Ela estava muito serena, serena até demais, pra ele, parecia que havia sido planejado.

- Você distorce bem as próprias palavras. – Elogiou ele com cinismo e aspereza.

- “Não posso fazer mais nada, devo muito a ele, e por isto vou beijá-lo” - Eu quis dizer e disse exatamente o que está escrito, que eu não posso te salvar da morte, o que é verdade, e que devo muito a você, o que como todo o resto é verdade também, e eu te beijei justamente por isto, por que você dedicou tanto a mim, tanto que eu tenho de amar, pois eu estarei sendo sincera, e não estarei correndo do medo de perder alguém que amo, vou até o fim, por tudo o que dedicou a mim, eu topo namorar alguém que está prestes a morrer, eu aceito entrar num namoro...fadado ao fracasso. - Ela falou devagar, recitou cada palavra com cuidado, e tentou parecer sincera do inicio ao fim, não quis tocá-lo, mas quis tocar a si mesma, ouvir de si que era verdade.

- Continua muito falsa, vai precisar de muito mais para me fazer mudar de idéia. – Disse ele ainda áspero, tom que mudou completamente para um sincero, suave e pacificador pedido:

- Mesmo sendo falsa, quero continuar a amizade e superar isto, já superamos tantas coisas, seria apenas mais uma, por favor, podemos ser amigos? – Era quase uma suplica.

- Não mesmo, é tarde demais. – Disse ela depois de descer da árvore, e caminhar até a frente dele, forçando-o a olhá-la.

- Não tenho tempo, quero o teu amor, e estou disposta a provar, se não acredita em minhas palavras eu vou provar concretamente. – ela parecia decidida, suas palavras eram diretas a ele, e não carregavam duvida, ela realmente estava disposta a provar.

- Como pretende fazer isto, normalmente o seria com o tempo, mas não temos tempo. – Disse ele sendo franco com ela.

- Eu pensei muito, e por isto, vou te dar o que é mais valoroso pra mim, pois é a única coisa que pode ter algum significado, e mesmo que vago, é o máximo que eu poderei fazer, eu sei que é pouco. – Ao terminar a frase ela começou a se despir, apenas tirava a roupa sem nenhuma sensualidade, o vestido, o mesmo da noite anterior, ela apenas deixou cair, o sutiã ela desabotoou e deixou cair pra frente, ela ia começar a tirar a calcinha quando ele se levantou e disse:

- Pare, por favor. – Pediu ele sendo o mais educado e cordial que a situação permitia, não deixou de olhá-la nem de encará-la só por ela estar nua.

- Por que? – Perguntou ela meio envergonhada, meio incrédula com o pedido.

- Não precisa chegar a isto para me fazer acreditar em você. – Ao dizer isto ele se aproximou dela, abraçou-a tentando fazer com que o fato dela estar nua fosse irrelevante, e a beijou na testa.

- Eu não sei mais no que acreditar, mas teu desespero é uma boa pista, também não quero que você se sujeite a isto. – Foi direto e sincero como só sabia ser com ela.

- Não quer me possuir é isto? – Ela estava envergonhada, e mesmo nua nos braços dele não perdia a firmeza.

- Só não quero que seja deste jeito, há outro modo de provar seu amor por mim. – disse ele acariciando as costas dela, e lhe beijando novamente na testa.

- Eu provarei, não vou falhar, juro que por você eu até mataria.

- Também morreria por mim? – perguntou ele distante

- Morreria! – foi no impulso a resposta, mas tinha valor, o desespero dela tinha valor, era um ato desesperado, ele talvez fizesse algo parecido se tivesse no lugar dela, ele estava sendo frio com ela, foi rude muitas vezes, ela se manteve amável, se defendeu é verdade, contudo esteve sempre disposta a provar que o amava, tentou se justificar, ele não acreditara, sem muitas perspectivas ela partiu, então, para as medidas desesperadas. Ele não acreditava que ela o amava, simplesmente achava que ela estava sendo ambígua demais, contudo não podia deixar de dar a ela uma chance, ela tinha feito por merecer, ele ia testá-la agora, e só depois disso acreditaria nela de uma vez por todas. Ela ainda era a mulher mais linda do mundo pra ele, mesmo nua, e com duas estrias nas nádegas, uma em cada, ela estava majestosa, mesmo tímida e recolhida aos braços dele, a nudez até a deixava menos bela, mostrava demais e tirava mistério, ainda mais dela que sempre foi alvo dos sonhos dele, mesmo nunca tendo sido alvo de um sonho erótico ou nada parecido. Ele a ofereceu o próprio casaco, mesmo o vestido dela estando aos pés deles, ele preferiu entregar o próprio casaco por puro romantismo. Ele a deixou em casa, ela prometeu que daria a ele a própria virgindade, ele disse se sentir lisonjeado, e que aceitaria, só não poderia ser daquela maneira tão abrupta, ficou combinado que na noite da formatura, não iriam a festa, iriam se encontrar no “nosso lugar” levariam vinho, conversariam e uma garrafa após, consumariam a promessa. Ao chegar em casa, ele evitou contar para irmã do ocorrido, desta vez era impróprio para alguém da idade dela, porem prometeu a si mesmo que daria mais atenção que nunca a irmã menor.

Foi uma semana longa, a ansiedade se encarregou de fazer com que até os melhores momentos passassem devagar, ele pareceu ganhar horas com a irmã, se dedicou muito a ela, até pediu para ir à reunião final de pais e mestres. A amiga tentou se fazer presente, só que ele dava prioridade a irmã, e a irmã não gostava da amiga, tentava ao máximo evitá-la, e acabava com o idéia dela de se ficar grudada nele o dia todo, tentou se aproximar da pequeno no inicio, só que ela a repudiara impiedosamente, e com isto ficou vendo o amigo apenas no fim da noite e inicio da madrugada, diferentemente do que se era de esperar, não iam ao “nosso lugar” estavam indo ao jardim da casa dela, mais precisamente ao balanço, pareciam querer guardar o nosso lugar para a grande noite. Ele estava preocupado com a amiga, ela estava muito grudada nele, e parecia não se importar com os testes finais, assim como ele também não se preocupou. Talvez por curiosidade ou talvez por maldade, ele havia se candidatado as faculdades que planejara, ele sabia que ia aumentar o desgosto da mãe ao perder o filho, porem, ele o fez, servia para despistar os colegas, mas o que ele realmente queria era algo de cômico na própria morte, nem que fosse com o mais negro humor. Finalmente havia chegado a hora, estava tudo marcado, nada podia dar errado, tinha planejado cada passo, ia sair uma hora antes para não correr o risco de encontrá-la no caminho, tinham marcado de se encontrar no “nosso lugar”, e só lá, ele levaria o vinho e por isto esperava chegar antes, para preparar o lugar, na verdade, apenas ia por um castiçal no meio do gramado e acenderia as velas. Estava ansioso, não acertava o nó da gravata borboleta, desta vez ele optou pela gravata e deixou o pulôver, mas não usaria a camisa branca, preferira uma em cinza claro. Antes de sair do quarto pegou na gaveta uma das coisas mais importantes que tinha, um relógio que o avô havia lhe dado, eu relógio de bolso, do século XIX, que estava a muito na família, e gritou pela irmã, ela pediu para ser esperada, e logo veio correndo, até parar junto à porta, estava nua, o cabelo ainda úmido, só que ele não ouvia barulho de chuveiro havia vários minutos. Ele perguntou o que era, ela se ajoelhou na frente dela, ela ficou rubra, e ele a entregou o relógio, ela o aceitou, mas parecia estranha, aos olhos dele.

- Não gostou? – perguntou ele ternamente.

- Gostei, gostei muito. – respondeu a pequena envergonhada. Ele pensou que poderia ser a morte dele que se aproximava e ela sabia, não duvidava que ela sabia que ia acontecer naquela noite, ou pela manhã, o sexto sentido dela poderia estar incomodando-a. Ele passou a mão na cabeça dela, e abraçou-a longamente, para levar consigo aquela imagem que teve dela após o abraço, ela estar tímida e rosada não tiravam dela as características que a tornaram marcante para ele. Ele se levantou, e foi indo embora, porem quando eles estavam lado a lado a irmã perguntou:

- Faria por mim, o que você fará por ela? – não restavam duvidas de que ela sabia dos planos dele, a irmã aprendera a interpretá-lo, só que para ele, a pequenina ainda era um mistério, só consegui saber que estava pesarosa pelo tom da voz dela e mais nada.

- Não ponha as coisas deste modo, tenho relações muitos diferentes com as duas. – ele estava sendo franco, não tentou ser suave, tentava ensiná-la algo que ele mesmo não compreendia por completo.

- E eu só poderia responder se viver a situação, imaginando-a não serei sincero. Tem muitas variáveis nesta historia, desde minha morte, até os locais onde eu estive. Só posso garantir que as duas são igualmente especiais pra mim. – Ele sabia que a irmã se sentia trocada pela amiga, só percebera agora, tinha passado tanto tempo, achava que era só birra da pequena, se tivesse sido mais atencioso ele teria reparado. Mesmo mentindo para a irmã, afinal, nunca prometera a ela a sinceridade que dava a amiga, ele estava sendo o irmão que não havia sido no passado, ser gentil com a irmã agora, mesmo que numa mentira gentil, era alguma forma de recompensá-la por tê-lo feito reparar nela, coisa que não teria feito muito, não fosse ela mesmo buscando-o, ele estava amando-a muito agora, só que nem de perto se compara ao que ele sente por ela, porem, por ter preferido sempre a amiga, ele devia a ela esta gentil mentira, ele não se arrependia do passado, voltando no tempo, ele teria preferido a amiga, não se culpava por isto, mas isto o fazia achar que devia algo mais a irmã, ele teve a idéia perfeita, disse que tinha de ir, antes de dizer o nome dela, ele apertou a nádega dela, e chamo-a de “bundinha de neném” ela ficou brava, e revidou vociferando contra ele todos os palavrões que sabia, ele descia as escadas rapidamente como se fugisse, sem parecer se importar com o que ela gritava, ao chegar a porta, ele abriu-a e olhou para a irmã, nua no topo da escada, olhando para ele, já com uma cara suave e levemente triste, ele via nela um anjo, ou melhor, uma anjinha, pura e inocente, despida de toda a maldade que ele viu ou achou ter visto na própria amiga. Ele suspirou lembrando dos bons momentos ao lado da irmã e disse, olhando no fundo do olhos dela, a velha frase, mas que dita por ele, parecia original, mesmo sendo um dos mais batidos clichês.

- Te amo, maninha. – Dito isto ele pegou o buquê, o vinho e a chave, então saiu, ele não ficara para ouvir os sussurros da irmã que o respondia, tudo o que viu, pela janela de casa, é que ela chorava, tinha uma face serena e conformada, contudo as lagrimas escorriam pelo seu rosto como se fossem um pequeno riacho, ela nem levava a mão ao rosto, apenas fechava e abria os olhos.Não havia modo melhor de se despedir da irmã que este, dando a ela uma memória alegre, ela podia nem gostar agora, achar que ele fora bobo, mas no futuro, ela reconheceria o quão cuidadoso ele tinha sido com ela, e para ela. Quanta ironia! Ele pensou, ao ter pegado a chave. Foi pelo caminho de sempre, só que tomando cuidado para não estar sendo seguido por ela, ou ser rápido demais a ponto de encontrá-la no caminho.

Ela não estava lá quando ele chegou, teve tempo de por as velas no lugar e de acendê-las, pós o buquê num canto escuro para que ela não visse antes de ele entregá-lo a ela, e pegou a chave, olhou- a profundamente, ele lembrava do próprio passado, nada com o chave em si, mas com a própria casa, lembrava de o quão especial fora crescer lá, depois olhou para os lados e viu que ele pode até ter crescido naquela casa, mas foi ali, no meio daquelas arvores que ele descobrira no inicio da adolescência, que ele se transformou em quem ele era, foi ao lado dela, nas alegrias e principalmente nas tristezas que ele se forjara, e os dois sempre tinham ido para o “nosso lugar” para ficarem a sós, ou saírem do mundo, hoje não seria diferente, se o lugar tivesse vida própria hoje seria apenas mais um dia, mas amanhã não, e não seria mais o mesmo depois, hoje seria um dia triste qualquer. Ela chegou exatamente no horário, menos de um minuto antes, fora britanicamente pontual, como sempre. Ela vestia preto um belo vestido preto e longo, com certeza uma princesa da Disney o usaria no próprio enterro, a sandália era a mesma que ela não usara uma semana antes, luvas brancas davam até acima dos cotovelos davam um toque de leveza ao pesado visual, o colar também era o que usaria na primeira noite, como não usou, está era a única ocasião apropriada que ela teria para estreá-lo, a maquiagem era pálida, e ressaltava o profundo azul dos olhos dela, o cabelo estava preso atrás, mas deixava duas mechas caindo à frente, as mechas tinham apenas a ondulação natural do cabelo dela. Ele a percebeu chegando, pelo barulho que ela fazia, em meio a uma silenciosa noite, era uma noite completamente oposta a noite da semana anterior, naquela noite, as estrelas brilhavam, a noite estava clara com uma bela lua cheia, e não ventava, já hoje a lua só era visível atrás de uma nuvem, não se via nenhuma estrela no céu, e o vento era constante, parecia uma brisa de tão suave, mal balançava as folhas das árvores. Ao ouvi-la se aproximar ele se escondeu, esperou que ela olhasse para as velas, e percebesse que ele havia estado ali, ela parou olhou e deslumbrou o local por uns momentos, e quando estava a ponto de chamá-lo, ele, que se aproximava por trás, estendeu o buquê em frente aos olhos dela, e a abraçou pela cintura. Ela não teve tempo de se assustar com o movimento repentino, pois antes disto já havia sentido o perfume dele, e aquele perfume era inconfundível pra ela, passara boa parte da vida o sentindo, sabia que era ele quem se aproximava, os gira-sois foram uma surpresa pra ela, e a faziam lembrar do quando ele disse que se apaixonou por ela, quando ela o havia dado uma única flor de gira-sol.

- Não seria minha função dar o gira-sol? – disse ela vislumbrando o próprio passado e a ternura que tinham tais enlaces, pois pareciam deixar a historia dos dois inevitável, algo que fora escrito muito antes, e estava fadado a ser assim.

- É coisa de menina receber. – repetiu ele sussurrando no ouvido dela. Ela sentiu alguns calafrios pelo corpo, e não deixou de olhar para as flores fixamente, ele fitava-lhe a face, reparava nas sinuosidades do perfil dela, e na beleza contida nos menores detalhes daquela face tão familiar a ele.

- Está invertendo a ordem natural das coisas, você é quem deve recebê-los. - Ela chegou a pensar na hipótese de entregá-los no caixão, mas logo lembrou que não poderia.

- Considere-as um pagamento, com juros e correção monetária. – Brincou ele. Não podia ter escolhido palavras piores, ela agora lembrava o quando devia a ele, e que só estava lá para tentar diminuir a divida que tinha, ele tinha dado tanto a ela, e ela sempre dera tão pouco, ela queria equilibrar as coisas, mesmo sabendo que ainda deveria muito a ele, e que ele jamais cobraria nada, talvez por ele nunca cobrar é que ela queria pagar, anos não se pagam em minutos ela pensou, sabia que teria muitos juros, tinha ido ali disposta a pagá-los, e não fugiria, ela devia isto muito mais a si mesma, nesta altura, do que a ele.

- Se eu alguma vez duvidei do teu amor, não posso mais duvidar, pois eu não havia lembrado de te dar gira-sois novamente. – confessou ela, no inicio ela até achou que ele estava sendo precipitado, só acreditaria no amor dele depois, e se havia duvida, ela desvanecera junto com o ultimo apego que ela tinha ao mundo. Ele foi surpreendido, pela confissão o que tornavam aquelas palavras no diário, sé que era possível, ainda mais ambíguas, mais misteriosas, e não conseguia mais ter uma idéia clara de que ela o amava ou não, ela parecia uma caixinha de mágico, que só poderá revelar o segredo se for contada, pois ninguém de fora seria capaz de descobrir.

- Falando em trazer coisas, você não estava achando que eu ia beber vinho no bico, estava? – brincou ela ao reparar que ele não havia trago taças. Ele sentiu uma súbita vergonha, e resolveu ser sincero:

- Estava preocupado em trazer outras coisas, não lembrei, me desculpe, eu volto em casa. – já estava conformado em voltar, como esquecera, ele havia lembrado de tudo, de cada detalhe, tinha trado até um lenço, mas as taças passaram batido.

- Não precisa voltar, eu fui esperta e trousse as taças. Você ainda é o mesmo esquecido de sempre, nem a morte te tira isto. – Apesar das palavras fortes, o clima não mudou, enquanto ela tirava as taças da bolsa, apesar de tudo, os dois brincavam um com o outro tão serenamente, que não pareciam tão perto do fim quanto realmente estavam, e pior é que eles sabiam deste fim.

- A que mais tem nesta bolsa mágica, espero que tenha trago uma cama ai, eu precisarei virar pro lado e roncar. - brincou ele com o fato de ela trazer as coisas mais improváveis dentro da bolsa.

- Não, não, desta vez eu só peguei o que você esqueceu, e como sempre, você realmente esqueceu. – Ele sempre fora distraído, teve alguns problemas por isto, mas não conseguia lembrar de nada mais que tinha esquecido.

- O que mais eu esqueci? – ele estava levemente indignado, pois não lembrava de nada mais para ser trago.

- Ora, camisinha e moedas! – disse ela triunfante e sorrindo, mas com uma leve cor rosa em sua face. Porém o clima leve havia se desfeito, ele tinha tido a confirmação que precisava, ela estava disposta ao teste, e tinha vindo sabendo o que esperar dele, ele só não entendia ainda se ela o amava ou não.

- Esta realmente decidida a fazer isto?

- Por que acha que eu vim até aqui, vestida de preto? – perguntou ela com um tom leve e sorridente. Não havia mais duvida, ela tinha ido para lá disposta a tudo por ele. Ele devia q ela então uma noite especial, e ela teve. Abriram a garrafa e ficaram horas conversando, fazendo piadas, nostalgias, e confissões pequenas um outro, até dançaram uma valsa, ao som do vento é bem verdade, mas dançaram. As velas perduraram acesas até que só restasse uma taça de vinho na garrafa, e sem a luz de velas, no completo escuro, ele fizeram como fazem os noivos, e entrelaçaram os braços para beberem o restinho do vinho. Sem a luz com o termino do gole, eles se enroscaram, meio de propósito, mas se enroscaram e caíram, no chão, os dois se deram um longo e apaixonado beijo, muito semelhante ao primeiro, um beijo lento, com pouca movimentação, um beijo egoísta é verdade, pois cada um parece mais preocupado em sentir do que eu se fazer sentido. Logo estavam rolando pela grama, e se beijando arduamente, ela desamarrou a gravata dele e atirou longe, e quando começava a desabotoar o a camisa dele, ele recuou.

- Não é necessário, por favor, sabe que não precisamos disto. – disse ele tentando recuperar o fôlego que os beijos o haviam roubado.

- Desconfio que você seja broxa! – respondeu ela visivelmente alcoolizada, e com um longo bocejo.

- Não quero fazê-lo agora, compreende, prefiro que você durma, e quando abrir os olhos poderemos nos amar infinitamente. – disse ele meio sem jeito, queria possuí-la, queria muito, mas não poderia fazer isto.

- Promete que vai estar ao meu lado quando eu acordar? - pediu ela suavemente, sendo quase infantil.

- Prometo, claro que prometo. Agora, tu realmente que fazer isto? – perguntou ele para não ter nenhum peso na consciência, poderia continuar sem perguntar, ela já dissera de varias maneiras a mesma coisa.

- Não me trate como inocente, vim aqui para isto. – disse ela em tom firme.

- Tudo bem, agora descanse, e me desculpe por tudo isto. – disse ele as lagrimas, suas palavras saíram firmes, em contraste com o corpo tremulo.

- Eu que lhe devo desculpas, mas prometo, eu vou aprender aaa..... – ela não terminou a frase, o bocejo a impediu, ela falava com franqueza, encarava-o nos olhos e lhe segurava a mão. Logo depois do bocejo ela estava adormecida, profundamente adormecida. Ele se ajoelhou próximo ao pescoço dela, e lhe disse as suas ultimas palavras:

- Obrigado por me dar o mais puro dos amores, o que é livre de paixão. Desculpe por de te privar do prazer físico que desejara, mas não posso poluir nossa imagem, pois por mais que neguemos, ainda temos pais, e isto foi tudo o que fiz por eles neste dia, preservei a pureza de nossa memória. – Ao terminar de dizer, ele beijou lhe a testa como já havia feito antes, ele chorou do inicio ao fim, cada palavra teve ao menos uma lagrima para si, e por firmes que tenham sido as palavras e os gestos ele estava vacilante, estava perdendo a coragem, desistir não era uma má idéia, só que o medo da imagem decepcionada dela o atormentou, ele já tinha a drogado, não podia voltar atrás, não agora, estava perto demais.Ele havia se aproveitado das velas, que ele mesmo havia apagado e não o vento, e do fato de ela estar pouco atenta para colocar o calmante no copo dela, fora receitado pelo próprio medico, disse que meio comprimido era mais do que o suficiente para dormir doze horas, mas ele havia dado a ela três comprimidos inteiros e diluídos, o que aumentava muito o efeito, mas ele não pretendia envenená-la, seria obvio demais, e pouco romântico. Ele, então, tirou do bolso o lenço, deitou-se sobre ela, com a cabeça sobre o seio esquerdo da amiga, e então tapou-lhe a boca e as narinas, não foi preciso nem fazer força, ela não reagia. Os batimentos do coração dela o faziam lembrar dos dois, ele não continha o choro, mas sua face era serena, tenra e amável, ele estava ali revivendo tudo o que a vida lhe havia significado, os momentos com ela, a cada batida do coração dela, um pedaço dele ia embora, até que as batidas foram diminuindo, e diminuindo, até que cessaram, e mesmo assim ele ainda tampou as vias respiratórias dela por mais algum tempo, só para ter certeza. Estava feito, não podia mais voltar atrás, eles só se veriam no outro lado da vida, se é que existia, esse medo só não o tomou por que ele já havia pensado muito no assunto, e sabia que não poderia fugir da morte, e nem era pela sentença, todos morrem, até ela morre, pensou ele. Se levantou para olhar uma última vez para o lugar que era o mais deles no mundo, e continuaria sendo, pois ao encontrarem os corpos ali, logo viriam as lendas do casal que se suicidara junto, e que assombraria o lugar, e se fosse com ela, ele não se importava de assustar criancinhas, não quis possuí-la por isto, se achassem vestígio de sexo, poderiam desconfiar de estupro e assassinato, o que era obviamente mentira, não era suicídio é verdade, mas não era um assassinato, era amor, ou pelo menos fora assim que ele achou ser, sem falar no que os pais pensariam, era melhor ou menos pior que não houvesse sexo. Não podia mais enrolar com pensamentos distantes, ele tirou do bolso a seringa, e enfiou no braço, apertou-a até o fim, o medico também havia lhe passado, mas esta era ilegal, era para ele atenuar o próprio sofrimento e se matar caso o fim começasse a se tornar doloroso e demais, o medico lhe havia dado o direito a dignidade, direito que ele usara no limite ou até atravessara, em respeito ao medico, ele se livrou da seringa da melhor maneira possível, a pós nuns tronco oco de árvore a escondeu com o terra. Ele ficou observando-a, e amando-a como fizera tantas outras vezes na vida, desejando-a, e esperando-a, pensou no futuro que teriam juntos no além, pensou no passado e admirou-a pela coragem que teve, chegou a questionar-se se ela não havia entendido, tentou não assustar a si mesmo. Beijou-a boca antes de estirar-se ao seu lado, pegou e segurou a mão dela, entrelaçou os dedos dela com os dele, e ficou ali, amando-a até que seus olhos fossem se fechando, e a ultima imagem que lhe veio à mente em vida, era a dela, se ajoelhando em frente a ele, e lhe entregando um gira-sol, ela era uma adorável menina, tinha bochechas rosadas e olhos brilhantes, o cabelo era conduzido pelo vendo com doçura e suavidade, e aquelas mãozinhas, estendidas a ele ofereciam não só uma flor, como toda uma vida.