+Memória de um adicto= Capitulo 5 e 6

CAPÍTULO 5

Durante todo aquele tempo, meus sonhos, já distantes, foram macerados e incinerados, detonando toda a minha fé. Meus pais tinham vendido e, gastos seus bens, pagando advogados, propinas para presos, levando presentes para “os donos” ou mandões do presídio. Eles queriam, apenas, comprar a minha proteção. Eu sofria muito. A única consciência minha era que meus pais, dia-a-dia, iam morrendo de desgosto. Não era fácil recebê-los nos dias de visitas, dentro de um presídio. Ou vendo eu filho se definhando, revoltado e só, junto aos piores elementos produzidos pelas sociedade? Aquilo ali não foi feito para gente. Cenas de terror locais ficam gravadas, no seu subconsciente, para sempre.

Eu estava prestes a completar cinco anos enclausurado. Dia dois de fevereiro, apareceram algumas pessoas de uma ONG INTERNACIONAL que queriam conhecer aquela masmorra.

Havia, entre eles, uma senhora alemã, muito simpática, que achou algo em mim. Fizemos uma amizade muito sincera.

Meu pobre pai, levado pelo sofrimento, teve um AVC, (acidente vascular cerebral), e a minha mãe não podia visitar-me, pois não tinha com quem deixá-lo. Esta senhora se tornou minha madrinha e protetora. Era a minha única visita. Trazia livros, frutas e um bom papo. Com certeza, era ela o meu anjo da guarda. Ela começou a reabrir-me horizontes. Houve dias em que eu chegava até a sorrir e acreditar que dias melhores viriam. Ela representava a bandeira da minha esperança.

Ao completar eu seis anos, de presídio, expediram-me alvará de soltura. Meu Deus! Que medo! Que dificuldades para eu me adaptar à nova vida! Que falta de perspectiva, pensava eu. Sem dinheiro, ex-presidiário, alcoólatra, usuário de todos os tipos de drogas e sem motivação para lutar, eis-me no negrume de uma noite sem saída. Qualquer lugar em que eu procurasse emprego, a resposta seria não! Peguei meus pertences, uma velha carteira vazia, alguns objetos de uso pessoal. Não sentia prazer algum em estar livre. Encaminhei-me para o portão principal. Eu sabia que minha vida, dali em diante, valeria pouco ou nada.

Aqueles que estavam envolvidos no tráfico e que tiveram muito prejuízo por minha causa, esperavam-me ansiosos. Ao chegar à rua, vi a minha amiga esperando-me no seu carro. Levou-me para um hotel no centro. Fiquei sem palavras. Jamais pensei que alguém, que não fossem meus pais, poderiam interessar-se por mim. Ela era uma pessoa especial. Também teve uma vida muito sofrida: perdeu seu único filho, ainda muito jovem, para as drogas. Eu liguei para meus pais. Chorando, eles me abençoaram. Contaram-me que a minha amiga os tinha ajudado, levando uma vida normal. Pediram que eu sumisse por um longo tempo, que traficantes rondavam aquela região. Uma sensação de medo, junto à falta de identidade, levaram-me a Deus. Mais uma vez passei tudo para o papel.

=EU DE NÓS=

Sou eu, meu Deus.

Sou eu outra vez!

Sou eu sempre!

Eu interrogação

Eu pouca ação,

O Eu dos por quês.

Neste teu mundo mágico

De tantos e quantos,

De sorrisos e prantos

Onde o amor é dos loucos

É de tão poucos

Vê-se o ódio, tão comum,

Entre os “normais”

Dê compreensão a este louco

Muita sabedoria e ação

Para eu semear

De cada bom sentimento

Um pouco.

Que eu enxergue

Com os olhos do coração

A razão.

Tantos vírus e pestes

Uma delas o desamor

Assolam este mundo

Trazem sofrimento

Trazem dor.

Conceda aos homens,

De todo o universo,

Humildemente te peço,

A santa loucura

Do saber amar.

CAPÍTULO 6

Minha amiga, madrinha e anjo da guarda, havia preparado metas seguras para nós. Levar-me-ia para Alemanha, arcando com as despesas todas. Fiquei muito feliz com aquela possibilidade. Sem demora, fomos às compras. Eu estava desprovido de roupas. Depois, foi só o prazo de tirar meu passaporte e, dia vinte de outubro, partimos para a Alemanha. Não foi fácil adaptar-me àquele país: sua culinária, sua cultura e, até mesmo, uma certa frieza aparente daquele povo que, mais tarde, vim a entendê-lo, admirá-lo.

Com o passar do tempo, eu já estava vivendo e me sentindo como um deles. Um certo dia, por um descontrole emocional, quase tive uma recaída e comecei a ter uma terrível obsessão, uma grande fissura, pelas drogas. Chamei minha madrinha e expus-lhe tudo. Ela entendeu o meu atroz sofrimento, convidou-me para uma conversa, bastante franca.

O nosso relacionamento era regado pela verdade. Contava-lhe o que sentia ou fazia. No mesmo dia, ela me acompanhou até os “Alcoólicos Anônimos”. Meu Deus! Nunca tinha visto nada mais perfeito que aquela irmandade, uma obra que não me exigia nada, e seus ensinamentos, basicamente centrados na humildade e amor.

Hoje, sei que a humildade é o pilar-mestre, onde poderemos edificar nossas sagradas vidas, acima de tudo, com plenitude. Passei a participar e atuar como membro, o que, até aos dias atuais, continuo fazendo. Minha vida começou a fluir, tomando rumo. Eu estudava e trabalhava na própria universidade. Parecia um sonho...

Naquele tempo, apesar de não ser poeta, eu escrevi algumas coisas que guardei, não pela beleza dos versos, mas pela importância do momento. Hoje, estou convicto de que a boa semente, lançada em meu coração, operou nele grandes mudanças no meu destino.

A BUSCA

Vidas e “vidas”.

A cores,

Às vezes bicolores.

Outras, um arco-íris,

Que nos encantam a cada dia.

De pequenos momentos,

Vive

A eterna felicidade.

De que material somos feito?

Fomos criados perfeitos

Pelo Pai da criação.

Sou apenas um ponto

Que parte.

São vários os caminhos

Que se cruzam:

O que leva ao sofrimento,

Atraía-me,

Como o doce, a formiga.

Vivo o imaginário.

Tudo quero.

Pouco faço.

Verdade, simplicidade

E humildade

Que exalam

Cheiro de bondade.

É luz de liberdade.

O fim de busca

Encontro com a felicidade.

=///=

=Verdades=

Há um canto

Na encosta da vida,

Lá onde o tempo deposita

Conhecimento, sabedoria, amor e verdade.

É lá, onde o homem, meio que de lado, dá uma pequena espiada.

Meu caminho é longo...

Não sou eu, o matusalém,

Vivo muito aquém

Do amanhã que virá.

Na matéria, marcas profundas;

No eu, um pequeno acerto e aprendizado.

O tempo é o espaço entre

O nascer, o aprender, o sofrer,

O crescer e o renascer.

Não é o tempo que passa:

O que segue, é a vida como um trem de carga.

Nele viajamos por um breve espaço de tempo.

A bordo, rimos, despedimos, choramos e sonhamos.

Despachamos tudo que é sentimento.

Somos tripulação e passageiros,

Que partem, no único trem derradeiro.

Sou um ser em estudo

Que, ao certo,

Ainda estarei inacabado.

Junto ao meu aprendizado, encontrei esta prece que me direciona no caminhar da vida. Ei-la!

Oração da Serenidade que é rezada pelos Alcoólicos Anônimos:

“Concedei-nos Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar; coragem, para modificar aquelas que podemos e, sabedorias para distinguir uma das outras.”

Continua...

ANTÔNIO TAVARES
Enviado por ANTÔNIO TAVARES em 07/12/2010
Código do texto: T2657987