=Memoria de um adicto= caitulo 2

CAPÍTULO 2

Tudo começou quando eu passei no vestibular da federal. Que festa! Que alegria! Cartazes e faixas parabenizavam-me. Eu era todo sorriso e esperanças.

Ó mãe! Que saudades daquele tempo! Que dias maravilhosos! Sentia-me privilegiado por Deus. Era como quem ganhara um par de asas maiores que as do albatroz. Elogios não me faltavam. Meus pais eram só sorrisos. A vida me abrira um caminho reto, ornamentado de flores, tapete vermelho, em direção do sucesso infinito. Eu olhava para todas as direções. Tudo era encantamento, e parecia que, até as estrelas, naquela noite fria, brilhavam muito mais, conspirando a meu favor.

Eu havia chegado ao topo, sem pensar que o meu caminhar ainda seria longo e árduo, com grandes desafios e descobertas. Eu estava pronto para o sucesso, e não havia me preparado para as adversidades que, por certo, viriam. Derrotas... Nem pensar, mas hoje sei que elas só existem para aqueles que se rendem a elas, e eu acabei por me render. Eu era só orgulho.

Na faculdade, eu me tornei um aluno exemplar, referência da sala, bom e dedicado em tudo que fazia. Tornei-me popular, ajudando os colegas em dificuldades. Um universitário completo.

Em pouco tempo, enamorei-me de uma bela jovem! Ela era a garota mais disputada da escola. Filha de um rico industrial, trajava-se sempre com elegância, sorriso fácil e simpático, mas muito tímida. Seus pais receberam-me com carinho, fui convidado a estagiar em sua empresa. Tudo acontecia como eu sonhara. Namoramos durante dois belos anos.

Vieram então as festinhas e éramos sempre convidados por todos. Os colegas nos ofereciam drogas, segundo eles, eram leves. Diziam que nos tornariam felizes e calmos. Nosso orgulho de adolescentes não nos permitia recusar. Caso as não usássemos, estaríamos por fora. Sentíamos como astros em meio à sua platéia. Requisitados a cantar juntos, eu pegava o violão, e a duas vozes exibíamos o nosso talento. A galera nos aplaudia... Era a nossa consagração. A cada festa a que íamos, ofereciam-nos bebidas alcoólicas: cerveja, chopp, ponche, batidas, bebidas nacional e importadas, e tudo mais que altera o comportamento. Minha namorada, por ser tímida, descobriu que, quando ela cheirava, fumava ou bebia, sua voz saía com facilidade. As bebidas não lhe davam coragem, mas tirava a sua timidez. Para não ficar para trás, eu a acompanhava. Começamos a nos embriagar. Paulatinamente as doses aumentavam, diminuindo o espaço de cada bebedeira. O que eram, apenas, fins de semana, passou a ser semana sem fim.

Vieram os vexames... Nossa! Como é sofrido amanhecer, todos os dias, com ressaca moral! Sentir vergonha de si a cada manhã; faltar coragem para encarar-se no espelho e constatar o em que você está se transformando. Quem já passou ou passa por isso, é capaz de entender. Começamos a mentir para nós mesmos, e, o pior: passamos a acreditar nas nossas próprias inverdades.

É o início de um caminho sem estradas, de dias sem brilho, de noites sem poesia, de um futuro sem o amanhã. É sentir-se só na multidão, o mesmo que despertar-se sem “acordar”, sem dar cor à vida. Aí é que transformamo-nos em nosso próprio juiz e carrasco. Como nos tornamos cruéis com nós mesmos! Em julho, minha namorada veio a engravidar-se, e foram dias de tormentos e brigas. Bebidas e outras drogas, agora, eram nossas inseparáveis companheiras. Embriagar-se, já é por si uma tragédia, mas, o que poucos sabem, é que o álcool se constitui na ponte que nos liga com o lado obscuro de outras drogas e, com certeza, ele é a mãe de todas as outras.

Gradativamente, embarcamo-nos nesta canoa furada. Aprendi gírias, parti para as tatuagens, piercings, assustando a meus pais que, então, tentavam aprender a arte de se enganarem. Queriam acreditar que aquilo fazia parte de uma etapa da adolescência. Fui demitido pelo pai de minha namorada que, muito decepcionado, não queria e nem podia aceitar a nossa transformação. Começamos a viver na ante-sala do inferno. Minha namorada, grávida, foi forçada a viajar para a Europa, para a casa de parentes. Lá, ela iria se tratar e continuar seus estudos, levando para longe o nascituro que estava prestes a vir ao mundo.

Meu Deus! Que sofrimento! Eu estava marginalizado; ninguém me convidava para as festinhas; meus únicos convites eram para cheirar drogas, fumar e beber com os desesperançados como eu. Eu havia chegado ao princípio do fim. A universidade já fazia parte de um passado remoto. Eu me sentia um lixo, quando via meus colegas estudando e seguindo adiante. Eu estava jogando todo o meu futuro e minha vida ao acaso.

Eu fui chutado, espancado por aqueles que ajudaram a conduzir-me às minhas masmorras. Eu lhes implorava: dêem-me uma dose, uma pedra, qualquer coisa que me desse “prazer”, ainda que momentâneo. Eu não tinha mais dinheiro para satisfazer a meu triste vício. A opção era vender meus pertences. Quando não me restava mais nada, comecei a tirá-los da família e, depois, restaram-me fazer pequenos furtos, não para mim, mas para pagar as bocas de fumo e os botecos.

Meu Deus! Meu Deus! Quanto sofrimento! Com frio e fome, sujo, só e sem esperanças, vagava ao deleite dos demos da mente, dormindo ao relento ou debaixo de marquises e viadutos como mendigo. Como é fácil julgar e condenar os infelizes que percorrem estes labirintos da vida e que se encontram à margem do caminho, padecendo deste mal! O difícil é dar a mão àqueles que estão passando pelo crivo da dependência. Era alvo de pessoas maldosas que me queimavam, enquanto dormia, espancando-me por pouco ou por nada, humilhando-me apenas para se mostrar ou divertir-se às minhas custas. Meus pais tentaram tudo que lhes foi possível. Internaram-me em clínicas psiquiátricas, casas de recuperação. As mais diversas religiões, fizeram tudo o que podiam ou imaginavam e nada adiantou.

O orgulho não me dava chance de querer aprender. Eu era o retrato da prepotência. Sofria por não encontrar um pouquinho de humildade. Nem Deus podia ajudar-me. O livre arbítrio para o mal, fatalmente, levar-me-ia à morte.

Continua...

ANTÔNIO TAVARES
Enviado por ANTÔNIO TAVARES em 04/12/2010
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